REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 35 | janeiro | 2013

 
 

 

 

 


 

 

NUNO REBOCHO

Lembrando os bons tempos dos “Cadernos Andaime”,
com o Joaquim Benite

Nuno Rebocho (1945, Portugal). Escritor e jornalista.                                  
 

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Quando a morte rondou Joaquim Benite, encontrava-me eu nas paragens distantes de Cabo Verde, vivendo um ”exílio” a que me dediquei por devoção. Mas lembrei-me dos velhos tempos da Amadora, quando começámos a abrir os olhos para a miséria que era viver tal como ditador pretendia: havia um café, o Pigale, onde calhava encontrarmo-nos a conspirar as ideias de pormos o mundo direito, esboçando o que seria tertúlia – se o projeto houvesse vingado e nele se não intrometessem outros amores. Juntavam-se por então o Benite, o Deodato Santos, o Adriano Carvalho, o Torres Rodrigues, por vezes o João Nascimento que, se não fossem as tramoias da vida, seria certamente um dos mais valiosos pintores portugueses.

Foram então os primórdios dos “Cadernos Andaime” (o nome relacionava-o dom ideários neo-realistas) que, acompanhavam o desbravar de caminhos que o Benite desbravava, por essa época, à frente do “Notícias da Amadora”. E os sonhos acabariam quando a rapaziada se envolveu em pancadaria com os jovens da Academia Militar (ali bem perto), entornando tentações de saias e pilhardias politiqueiras.

Começava eu a escrever, vindo das paragens moçambicanas, e pelas mãos do Benite (que, para mal dos seus pecados, foi meu iniciador) entrei nas páginas do jornal. Só mais tarde veio a saga do “Diário de Lisboa – Juvenil), com o Mário Castrim, e aos poucos eu descobria outras realidades bem diferentes do mundo em que nessa altura militava. E Joaquim Benite foi disso responsável.

Ao Deodato perdi-lhe o rasto. Soube depois que continuava a poetar, e bem, por terras algarvias. E o Adriano, reencontrei-o como colega da imprensa, saudoso dos anos em que convivi com o seu pai, o velho líder anarco-sindicalista David de Carvalho, quando parei na redação da Enciclopédia Portuguesa-Brasileira. O Adriano foi, por alguns anos, meu confidente.

As amizades com o Benite foram-se, levadas pelos dissídios políticos em que os “anos de brasa” (1974-76) foi fértil: as separações, causadas pelos acontecimentos de “O Século” (eu fui dos que levantaram armas contra os chamados “ocupantes”), terão para tanto contribuído. As amizades com o Joaquim Benite ficaram com os tiros da Polícia Militar que atacou no Bairro Alto, disparando – ao que se diz para o ar, embora as balas ressaltassem no cão, bem diante dos manifestantes, entre os quais me achava. Se bem me recordo, foram então assim as coisas: houve radicalismos que nos separaram como provocaram outras clivagens – recordo-me da rotura com os meus pais que enfileiravam nas trincheiras de proteção ao “Século”, perante os meus perplexos olhares.

No 25 de Abril surgiram as nossas divergências e a separação das águas que, todavia, emergiram bem mais cedo – recordo que o Benite, juntamente com o Torres Rodrigues, surgiu certo dia, já eu fora libertado da Cadeia do Forte de Peniche (que “habitei” durante cinco anos), com um conjunto de propostas que rechacei. Foi praticamente a última vez que nos sentámos à mesma mesa – suponho que terão existido equívocos de ordem política que obrigaram o Benite a meter a viola no saco.

Começaria, pouco depois, a sua peregrinação por Almada, que eu acompanhei à distância. Em definitivo, ele enveredava pela aventura do teatro. Para trás, ficavam os bons anos da imprensa regional e dos sonhos acalentados nas páginas culturais encetadas, que receberam o nome de “Andaime”. Seria excelente que houvesse a memória suficiente para hoje a lembrar. A Cultura agradeceria a quem desse modo ousasse reeditar a história.  

Nuno Rebocho

   
 

 

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