1.
Fernando Pessoa
Personne
et masque de théâtre
Un rien
qui ne demande rien
mais paradoxe
à peine mieux traduit
que
la plus terne des paniques
acculée au dilemme
L’inutile a ses garde-fous
la poésie son buraliste
un troupeau du soir est juché
sur les épaules de Lisbonne
amante au chant de Philomèle.
Pessoa
e máscara de teatro
Um nada
nada perguntando
paradoxal
por pouco melhor traduzido
que o mais terno dos pânicos
encurralado no seu dilema
O inútil tem os seus parapeitos
a poesia a sua tabacaria
à noite um rebanho empoleirou-se
nos ombros de Lisboa
amando o trinado de Filomela.
2. Henriqueta Lisboa
Fragile
et comme un trait d’union
dans
une valse de chimères
eut son intime caravelle
aux villes déférentes
à l’aven des îles perdues
sur un arroyo d’infortune.
Frágil
como um traço de união
numa valsa de quimeras
teve a sua íntima caravela
em cidades deferentes
no abismo de ilhas perdidas
sobre um riacho de infortúnio.
3. José Afrânio Moreira Duarte
Je vous sais quelque part
dans le dernier quartier
de nos esperances communes;
il s’y existe encore
un coin pour les poètes
et des médaillons qui
s’ajustent
aux songeries tardives.
Les jours mal nés racontent
une histoire sans queue ni tête
à leur public candide,
vous et moi restont circonspects
tels des troubadours égarés
dont les sèves
perdurent.
Sei que estás em qualquer parte
no último recanto
das nossas esperanças comuns;
se existe ainda
um canto para os poetas
e medalhas próprias
para as quimeras tardias.
Mal nascem os dias logo contam
uma história sem pés nem cabeça
ao seu ingénuo público,
tu e eu fiquemos sisudos
quais trovadores perdidos
na sua energia perdurando.
4. Virgílio
Matin et soir
nous nous croisons.
La vanille envahit les rues
des oracles tombent de
haut.
Il reprend corps
il joue
à recenser les emblavures
où parressent des
troglodytes
et les mélancolies somnolent.
Cruzamo-nos
de dia e de noite.
O nevoeiro invade as ruas
os oráculos caem do alto.
Retoma um corpo
diverte-se
a anotar as terras semeadas
onde os trogloditas preguiçam
e as melancolias cabeceiam.
5. Miguel Barbosa
Pour Fernanda
Le plus beau des parcours
Lisbonne
héroine
adulée
dont le fado
ouvre sur un planetarium
que j’orne de couleurs
empruntées
aux fruits de l’amour.
Je sais qu’il n’est jamais trop tard
pour la flûte enchantée
dans
les faubourgs nocturnes
avec ce que les illusions
surprennent ou délivrent.
Ici le jour se lève
à
l’appel des clarines.
Para a Fernanda
O mais belo dos percursos
Lisboa
heroína adulada
cujo fado
abre sobre um planetário
por mim ornamentado de cores
provindas dos frutos do amor.
Eu sei que jamais é demasiado tarde
para a flauta encantada
nos subúrbios nocturnos
onde as ilusões
surpreendem ou libertam.
Aqui levanta-se o dia
no apelo dos clarins.
6. Florbela Espanca
Quel chemin suivais-tu?
Une
larme aurait pu le dire
ou le renfort des clématites;
or tu préférais vivre
en lassitudes florissantes;
un ultime clin d’oeil
du printemps te prit par le brás,
Et l’absence fut jalouse.
Que caminho seguias tu?
Uma lágrima talvez o dissesse
ou o reforço das clematites;
ora tu preferias viver
em florescentes lassidões;
num último pestanejar
a Primavera tomou-te pelo braço
E a ausência ficou ciumenta.
7. Maria Madalena
S’arrêta comme s’arrêtèrent
à la fois toutes les clepsydres.
L’instant eut le souffle coupé.
Jésus
mit ses yeux dans les siens
qu’n baliveau s’y feuille.
Parou tal como pararam
ao mesmo tempo todos os relógios.
O instante teve esse sopro cortado.
Jesus fixou os olhos nos seus
uma marcação que nunca falha.
8. Maria
Venue par la porte du fond
vit hésiter la foule.
Des lucarnes s’ouvrirent
une lueur entra
timide
enfin coiffée
inévitable.
Vinda pela porta do fundo
sentiu hesitar a multidão.
Frestas se abriram
entrou um luar
tímido
tudo cobrindo por fim
inevitável.
9. Friedrich Holderlin
Sois stoique à présent
la poésie retrouve
une berme entre les talus
dont la géométrie s’émousse.
La paix descend les marches
espiègles d’un cycle entêté
que ses marottes persécutent.
L’indulgence ne brigue plus
de
fifres ni de clavecin,
elle a semé ses paraboles.
Sê estóico no presente
encontra a poesia
uma fenda entre os taludes
que a geometria embotou.
A paz descende das marchas
espertezas dum ciclo ensimesmado
perseguido por suas manias.
A indulgência não mais contende
com pífaros nem realejos,
ela já semeou as suas parábolas.
10. Anne Frank
Maintenant
tout promet.
Tout interpelle sans façon.
Tu pourras revenir
avec une autre enfance
une poupée
qui aura retrouvé sa langue.
Tu auras de nouveau les jeux
qui n’ont jamais fait peur
la
féerie
comme tu la brodais
avant le cri de l’églantine
et le chagrin des tourterelles.
Agora tudo promete.
Toda a gente fala sem maneiras.
Tu poderás voltar
com uma outra infância
uma boneca
que tenha encontrado a língua.
Tu terás de novo as brincadeiras
de que nunca tiveste medo
a magia
como tu a imaginavas
antes do grito da roseira
e do desgosto das rolas.
11. Ludwig van Beethoven
«Le son profond de la
vraie joie…»
Heiligenstadt, 6 octobre 180
Je n’ai pas su le retenir
et
pour le faire deviner
j’ai pris la plus longue des fourches
à travers le chant des bouvreuils;
pourtant les hivers sont fermés,
les
matins gris jalousent
un soleil impatient,
une planète irréfléchie
que
les syllogismes titillent.
le son profond de la vraie joie
favorise une effervescence
et produit quelquefois des heurts
où la vie parait hors d’haleine
avec ses flous et ses maldonnes.
Le son profond de la vraie joie
tel un fondu de mélodie
agrippe l’infortune
et dans l’obscur
s’envergue.
«O som profundo da verdadeira alegria… »
Heiligenstadt, 6 de Outubro de 1802
Não o soube conservar
e para o voltar a sentir
socorri-me da mais longa das encruzilhadas
por entre o canto dos pardais;
entretanto passaram os Invernos,
as manhãs cinzentas destilam
um sol impaciente,
num planeta irreflectido
atravessado por silogismos.
O som profundo da verdadeira alegria
favorece uma efervescência
e produz por vezes choques
em que a vida parece ofegante
com seus enganos e delicadezas.
O som profundo da verdadeira alegria
como um fundo de melodia
arrebata o infortúnio
e no obscuro
desabrocha.
NOTA:
Estes poemas constam do livro «Le livre des visages», nº. 119,
da Colecção Jalons,
editado em 2002 em Saint-Estève, França, por Les Presses Littéraires.
12. Automnal
|
Outonal
Dans les jardins secrets
les
fleurs ne cachent rien
sinon ce que disent les feuilles
en voyant arriver l’automne
au bras du vent
au bras
des amours qui s’envolent.
Nos jardins secretos
as flores não escondem
senão o que dizem as folhas
vendo chegar o Outono
nos braços do vento
nos braços
dos amores que desaparecem.
13.
Un cri
| Um grito
Chemins de latérite
et de désirs mort – nés
un cri
troue les silences confondus
par leurs propres éclats
dans un empire où la mémoire
a des
sursauts cruels
et de poignantes lassitudes…
Vias travessas
e desejos nados-mortos
um grito
rompe os silêncios confundidos
pelo seu próprio estrondo
num império onde a memória
tem sobressaltos cruéis
e dolorosos desfaleceres…
14. Poètes
| Poetas
N’eurent à eux que l’impression
d’appartenir au siècle
et d’entrer avec lui
dans un royaume où l’innocence
avoue ses collines vacantes
assaillies
par les roses.
Ils se voyaient grandir
on parlait d’eux
leurs
livres
étaient vêtus de soies
qui font rever les femmes.
Il
aura suffi d’un accroc
la
mode
un vers de trop
la mort
et l’euphorie a pris la fuite.
Chaque matin reste un prodige
écoute
un mot rêve à ce qu’il sera
lorsqu’il aura suivi
l’homme qui
lui ouvre la route
à travers les nuages.
Não tiveram de seu
mais que a impressão
de pertencer ao século
e de entrar com ele
num reino onde a inocência
reconhece as suas colinas vagas
tomadas pelas rosas.
Viam-se crescer
falavam deles
os seus livros
eram como vestidos de seda
fazendo sonhar as mulheres.
Terá chegado um rasgão
a moda
um verso a mais
a morte
e a euforia bateu em debandada.
Cada manhã conserva um prodígio
escuta
uma palavra sonha o que será
logo que tenha seguido
o homem que lhe abre o caminho
por entre as nuvens.
15. Retour
sur soi | Retorno sobre si mesmo
Aux
années qui tournent le dos
ne raconte jamais
ce que furent tes impatiences
Rapelle – toi que les statues
restèrent
comme absentes
au fond de ta mémoire.
Ainsi tu peux imaginer
avoir été celui
qui plantait
des mots sur la lune.
Aos anos que vão passando
não contes jamais
o que foram as tuas impaciências.
Lembra-te que as estátuas
ficaram como ausentes
no fundo da tua memória.
Assim podes imaginar
ter sido
o que semeava palavras na lua.
16. François Villon
Nous nous sommes croisés
je ne sais aujourd’hui plus où
tu traversais la nuit
j’allais
de comète en comète
en ne comprenant toujours pas
pourquoi tu avais disparu
sans me laisser un mot
ni ta derniére adresse.
Nós já nos cruzámos
não sei mais onde
tu atravessavas a noite
eu ia
de cometa em cometa
não compreendendo de todo
porque tinhas desaparecido
sem me deixar uma palavra
nem a tua última morada.
17. En
tellement de lieux | Em tantos lugares
A Hyane Bardiau
De tous ces matins disparus
rappelle
– toi
les premiers cris
les derniers songes
une indéfinissable idée
de l’eau
des pierres
et des traces de pas
en tellement de lieux
qui arrachaient les
masques
ou quelquefois les peines.
Para Hyane Bardiau
De todas estas manhãs desaparecidas
lembra-te
dos primeiros gritos
dos últimos sonhos
uma indefinível ideia
da água
das pedras
e das pegadas
em tantos lugares
arrancando as máscaras
ou talvez as dores.
18.
A tout le moins
|
Pelo
menos
A
Stella Leonardos
La
Duse pourrait être là
lorsque
reparaîtra soudain
le
printemps qu’on n’attendait plus
sur
les balcons enamourés
où
tant de belles endormies
vont
ensemble se réveiller.
Que
savons – nous vraiment ?
Qui
seront – elles ?
A tout
le moins le paysage
aura
retrouvé ses pinsons
la
beauté sa vertu
et
l’horizon un charme.
Para
Stella Leonardos
A Duse poderia estar lá
enquanto rapidamente reapareceria
a Primavera que já não se esperava
nas janelas enamoradas
onde tantas beldades adormecidas
vão finalmente acordar.
O que sabemos verdadeiramente?
Quem serão elas afinal?
Pelo menos a paisagem
terá retomado os seus tentilhões
a beleza a sua virtude
e o horizonte o seu encanto.
19.
Cadastre imaginaire | Cadastro imaginário
Ici resteront les murmures
avec un peu de terre
empruntée aux vieux temps;
à coté seront les silences
entourés de souffles discrets
comme celui des
femmes
aux avant – postes de l’amour;
ailleurs, beaucoup plus loin,
revivront les statues
qui
dormaient dans notre mémoire.
Aqui ficarão os murmúrios
com um pouco de terra
retirada dos velhos tempos;
ao lado ficarão os silêncios
rodeados de discretos suspiros
como os das mulheres
na expectativa do amor;
algures, um pouco mais longe
reviverão as estátuas
adormecidas na nossa memória.
20.
Avec les caravanes… | Com as caravanas…
Les os de l’existence
__ ô
mon ami __
nous les avons laissés se perdre
aux bornes d’un désert
de violences et d’agonies.
Les masques sont tombés
dorénavant
le passé reprendra sa place
avec les caravanes
allant parmi les dunes…
Os ossos da existência
__ oh meu amigo __
deixámo-los perder-se
nas fronteiras de um deserto
de violências e de agonias.
As máscaras caíram
daqui para a frente
o passado retomará o seu lugar
tal como as caravanas
avançando pelo meio das dunas…
21. Barnabooth
Beaucoup l’ont reconnu
distrait
l’oeil voyageur
les mains prêtres à l’écriture.
Lisboa est au diapason
Londres
pensive
amadouée Lutèce …
O capitales que les mots
imperceptiblement font bruire!
Ici
la tête lourde
un revenant piétine
inquiet peut – être du silence
énigmatique qui l’assiège.
Enfin le moment laisse
un rêve ouvrir son livre d’or.
Muitos o reconheceram
distraído
olhar de viajante
as mãos prontas para a escrita.
Lisboa está no ponto
Londres pensativa
adulada Lutécia…
Ó capitais que as palavras
imperceptivelmente fazem sussurrar!
Aqui a cabeça pesada
um lembrado sapateado
inquieto talvez do silêncio
que enigmaticamente o assalta.
Enfim um momento lhe permite
a um sonho abrir o seu momento dourado.
22. En
attendant | À espera
A Simone et Jean-Claude Coiffard
Un silence fait son chemin
à travers les vents de l’histoire;
ses
ombres sont patientes
en dépit des torches du sort
qui aveuglent la nuit.
Il semble que quelqu’un
quelque part fait les comptes
en attendant le dernier mot.
En attendant.
Para
Simone e Jean-Claude Coiffard
Um silêncio faz o seu caminho
por entre os ventos da história;
as suas sombras são pacientes
apesar das voltas da sorte
cegando a noite.
Parece que qualquer um
em qualquer lugar faz as suas contas
à espera da última palavra.
À espera.
23. Après | Depois
Nous ne reviendrons pas.
Les pierres savent le pourquoi
de même les jours
vides
en qui l’on aura entendu
seulement les cris du silence.
Où êtes – vous
qui ne nous avez
regardés
qu’aux bornes de l’oubli?
Le fleuve du dédain
retient peut – être la réponse.
Não voltaremos aqui.
As pedras sabem a razão
mesmo nos dias vazios
em que se teriam ouvido
apenas os gritos do silêncio.
Onde estavas
se apenas olhaste
as margens do esquecimento?
O fluxo do desprezo
tem, talvez, a resposta.
24. Rengaine
Il fait ses comptes
en évitant les parenthèses.
La vieille horloge avoue
enfin des heures creuses
ou d’autres sans visage.
Dans son jardin secret
quelques orties persistent
à caresser le point sensible.
Autour de lui des gens
qu’il eut aimé ne pas connaître.
Faz os seus cálculos
evitando os parênteses.
O velho relógio escoa
enfim as horas vazias
ou outras sem rosto.
No seu jardim secreto
algumas ortigas teimam
em acariciar o ponto sensível.
À sua volta pessoas
que ele teria preferido não conhecer.
25.
Consolation | Consolação
Nous avons reçu nos deux parts:
sans bruit, celle
des morts
puis celle
des vivants,
épines et silences.
Les mois ont pri leur temps
pour instruire la paix
comme si le néant
tenait
la part du diable
ou celle de l’espoir.
Ensuite on a mis l’habitude
à la portée du devenir.
Já recebemos as nossas duas partes:
sem ruído, a dos mortos
depois a dos vivos
espinhos e silêncio.
Os meses tiveram a sua oportunidade
para instruir a paz,
como se o recém-nascido
tivesse a sua parte do diabo
ou a da esperança.
E depois adquiriu-se o hábito
de esperar o futuro.
26. Zéralda
Non, plus jamais
l’interminable nuit
l’aube
incertaine
une brûlure
et le bruit mat
d’un homme qui tombait
sans un mot dans son ombre.
Não, nunca mais
a noite interminável
a manhã incerta
uma queimadela
e o barulho seco
dum homem que caía
sem uma palavra na sua sombra
7.
Parenthèse | Intervalo
Nous avions ri, dit – il,
comme nous aurions pu pleurer
ou simplement mourir.
Aujourd’hui, je ne sais,
le silence
et l’oubli
font la moue en nous regardant
déjà si vieux,
perdus
pour les concerts du jour.
Nós rimos, disse ele,
como podíamos ter chorado
ou simplesmente morrer.
Hoje, não sei,
o silêncio e o esquecimento
fazem uma careta olhando-nos
já tão velhos,
perdidos
para as músicas do dia.
28.
Entre nous | Entre nós
Vous n’aurez pas à me compter
parmi vos souvenirs:
Entre
nous les bateaux
ont été très nombreux,
les saisons trop frivoles
ou tantôt assassines.
Ainsi laissons aller à l’eau
les apostrophes
et les virgules.
Não podereis contar-me
entre as vossas recordações:
entre nós os barcos
foram muito numerosos,
as estações demasiado frívolas
ou um tanto assassinas.
Deixemos assim ficar na água
as apóstrofes
e as vírgulas.
NOTA:
Os poemas 12 a 28 constam do livro
«Automnal », editado em
2007, em Saint – Estève, France, Les Presses Littéraires.
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