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        | REVISTA TRIPLOVde Artes, Religiões e Ciências
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				| Nos últimos meses, tive vários 
				encontros, em Portugal e no Brasil, com Luís Serguilha. O 
				primeiro foi em Vila Nova de Famalicão, no projeto de Wilmar 
				Silva, «Portuguesia». O segundo verificou-se em Recife e 
				Olinda, durante a  VIII 
				Bienal Internacional do Livro de Pernambuco. O terceiro teve 
				lugar em São Paulo, na Universidade 9 de Julho, onde 
				participámos na «Semana de Letras & Tradutor e Intérprete – 
				2011». Finalmente, ainda em São Paulo, estivemos presentes num 
				lançamento coletivo da Arte-Livros Editora, no Memorial da 
				América Latina. O livro de Serguilha, «Khamsin-Morteratsch», 
				inclui-se na coleção Poiésis. Antes deles e após estes sucessos, 
				Serguilha tem corrido o Brasil, apresentando o seu livro «Koa'e» 
				e dando palestras. |  
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				| Vamos tomar essa obra, «Koa'e», como ponto de 
				partida para algumas considerações. O volume, de cerca de 500 
				páginas, foi publicado em Belo Horizonte, na Anome Livros, em 
				2011. É uma edição de Wilmar Silva, poeta-performer. Inclui 
				prefácio e posfácio, aqui designados por «Lahars» (avalanchas), 
				de Marcelo Moraes Caetano e Victor Sosa. Como declaram os comentadores indicados, os 
				estaleiros verbais de Luís Serguilha podem ler-se 
				aleatoriamente, significando isto que não existe desenvolvimento 
				de ideias que careça de princípio e um fim; segundo Sosa, 
				interessa neles mais o som do que a letra, como observou em 
				sessões de recitação do próprio autor; Marcelo Moraes Caetano 
				classifica a palavra de Serguilha como monstruosa, recusando-se 
				a considerar textos as suas obras. De facto não constituem 
				textos, se por texto entendermos uma unidade literária que, lida 
				ou não de forma seguida, encerre uma imagem central, uma 
				história, uma ideia, qualquer acontecimento que nos dê a 
				sensação de acabada. Os objetos verbais de Serguilha 
				assemelham-se mais a listagens de frases. Passando para um nível 
				superior, parecem chuva de proposições (mas não de palavras), o 
				que vai ao encontro de Marcelo Moraes Caetano, ao referir a 
				escrita incontinente.  A questão é algo turbulenta, porque as 
				fronteiras também se desfazem entre as lahars (para usar os 
				termos do poeta) lírica e ensaística. Ou seja, Serguilha dispõe 
				de um estilo, inconfundível, e é com ele que apresenta todos os 
				seus objetos verbais, incluídas as palestras. Não existe 
				fronteira entre poema e ensaio. Perguntei ao autor que papel representava a 
				poesia na sua vida. Vamos ver como se apresenta a resposta, e a 
				partir daí desenvolverei a ideia contida no meu título sobre os 
				materiais de construção de Luís Serguilha. |  |  
        | EDITOR | 
		TRIPLOV |  |  
        | ISSN 2182-147X |  |  
        | Contacto: revista@triplov.com |  |  
        | Dir. Maria Estela Guedes |  |  
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						|  | SOBRE TUA PERGUNTA... EU NÃO DIRIA 
						PAPEL.... MAS UMA CONEXÃO DE INTENSIDADES CONTÍNUAS COM 
						O COSMOS.... HOLOMOVIMENTO EM POTÊNCIA... FLUXOS SOBRE A 
						SUBSTÂNCIA OCULTA DO MUNDO.... UM MERGULHO NO 
						DESCONHECIDO.... RELEMBRO ALGUMAS CONVERSAS QUE TIVE 
						CONTIGO E AVIVO O SEGUINTE: 
						O poeta transgride 
						todos os limites ao refazer o vazio, ao imergir no 
						insondável, ao magnetizar-se nos engolfamentos abíssicos 
						do deserto como um instante obscuro e ardente a 
						reactualizar as revelações pré-babélicas, a integridade 
						alucinante do DEVIR-MUNDO, a fulguração enigmática.
						
						 
						Ele procura o ilimitado, alimenta-se do informulável, 
						da composição imaginária-radical, da revelação do 
						relâmpago da existência absoluta, do magnetismo da 
						estranheza, da regressão incomensurável do CORPO à 
						anterioridade da palavra, ao território da liberdade 
						criadora que se abre ao mundo, à originalidade, à 
						transgressão instauradora que tenta desvendar a esfinge, 
						o segredo do universo através das viagens utópicas, das 
						usinas do desejo, da eclosão do corpo-resistente, do 
						corpo-emintermitência. O poeta acolhe a disseminação dos 
						sentidos, as alucinantes sensorialidades, a fulguração 
						alquímica da luz-sombra, do firmamento-terra, da matéria 
						(in)orgânica-mutante do livro da NATUREZA. O poeta e o 
						silencio anunciam as suas forças das efusões puramente 
						iniciáticas sacralizando as atmosferas do inexplicável, 
						do indizível, do não sentido como matérias centrais das 
						gestações de um animal-dançante-musical. O silêncio da 
						energia encantatória e do desassossego destrói a 
						tentativa da definição, do "PAPEL" da poesia, da significabilidade, da tradução, da exegese, porque as 
						suas incubações obscuras, as suas fecundações hipnóticas, 
						as suas mutações eruptivas transformam o poema numa 
						coexistência incontaminada, selvagem reinaugurando o 
						simulacro-do-simulacro, estimulando os corpos 
						mónadas-labirínticos. As circunvoluções alucinantes 
						habitam o lugar do poeta como ritmicidades de linhas 
						mutantes. A exteriorização dos caminhos 
						racionalizadores-totalizadores-delimitadores é dizimada 
						pelo desabrochamento do relâmpago da correspondência 
						entre a linguagem, o silêncio, o desconhecido, o (in)visível, 
						a germinalidade da raiz da vida, os perpétuos 
						renascimentos, o abismo-do-devir, o caos antecipador da 
						existência e da reinauguração da metamorfose. Relembrando 
						Derrida "o texto só é texto se ele oculta ao primeiro 
						olhar, ao primeiro encontro a lei da composição e a 
						regra do seu jogo. Um texto permanece, aliás sempre 
						imperceptível". Além disso, ainda há uma fortíssima 
						incógnita sobre a inter-relação dos neurónios. O 
						alvoroço criativo é ilimitado, possivelmente é 
						indizível.  
						Contudo, poderei dizer que tento transformar a vida, o 
						subsolo da aceitação e recusa da existência através das 
						subducções lávicas da corporalidade, da força 
						catalítica, incicatrizável, oscilatória e regeneradora 
						da palavra. Tento enfrentar a tensão dos contrários, o 
						infinito, a indeterminação, o não-sentido com a 
						respiração do desejo, da transgressão do imaginário 
						como fenómeno estético destruidor dos determinismos. O 
						confronto com o nada, com a ausência, com o lugar-nenhum, 
						com o insondável, com as infinitas possibildades eleva 
						dentro de mim a incerteza, a incógnita, os andamentos 
						utópicos e a reinauguração da metamorfose até ao 
						indefinível e à impossibilidade que alimenta sempre o 
						alvoroço, a necessidade da desordem, a violência da 
						imersão e da emersão da construção poética. Mergulho no 
						inexprimível, no desconhecido, na gestação obscura para 
						procurar a minha origem, o meu silêncio sempre num 
						processo regenerador, antropofágico, cósmico, 
						mitológico, quântico. O poema absorve o desabrochamento, 
						as pulsões e o espírito do poeta como uma reconstrução 
						mútua repleta de energias e ritmos transmutadores, 
						libertadores, cosmogónicos.  
						Na página em branco procuro a substância oculta do 
						mundo, o mistério da Natureza, a intemporalidade, a 
						contínua dança da energia e a autonomia selvática. As 
						palavras alastram-se, diferenciam-se como "cavalos 
						sonâmbulos" na ebulição do labirinto. O sublime da 
						palavra explode a sua origem no impenetrável, na 
						obscuridade, na música dançante do pensamento.  
						Encontro-me com o poema na eclosão do silêncio, na 
						armadilha do caos, na libertação do enigma silencioso, 
						na antecipação da vida, no desassossego, na perscrutação 
						do abismo, no desejo de unificar os elementos da 
						Natureza. O Poema tenta espiritualizar a violência como 
						matéria em agitação estética através das suas linhas 
						vibratórias, das suas imagens expansivas, do seu magma 
						libertador da vida. Busco o poema na contínua dança da 
						energia, nas multiplicidades do corpo indomável, na 
						consciência caótica, na espiritualidade, na energia do 
						informulado, na integridade do ser, na fertilidade 
						ardente da mãe-terra, nas fusões do nada, nas 
						interrogações do deserto, na violenta nidação da 
						ausência e do exílio. 
						Neste regresso à ascendência nativa o poema esculpe-me, 
						reconstrói-me entre a visão-outra, o inexplicável, a voz 
						das vozes, a impossibilidade e a transmutação da unidade 
						original, resistindo ao poder... sempre, criando desterritorializações. Na esfinge que me persegue 
						procuro o lugar verdadeiro, a teia cósmica, a vida 
						verdadeira que está ausente relembrando Rimbaud: eis o 
						holomovimento, a natureza dinâmica onde tudo de 
						inter-relaciona. A palavra instaura-se onde germina a 
						nossa ignorância e avivando Kuniichi Uno "pensar é 
						cruel sobretudo porque nunca conseguimos pensar corretamente"
						[...] |  |  
				| De algo podemos ter a certeza: Luís Serguilha 
				escreve apaixonadamente, crê no poder da palavra e na sua 
				capacidade de penetrar os segredos da Natureza. Mas será a 
				escrita a-lógica, apenas fervilhante de emoções, a ferramenta 
				adequada para a experiência cósmica? O facto de o poema refazer 
				o vazio, como ele escreve, signica que «No Princípio era o 
				Vazio?». O poeta, embora não se explique, uma vez que recusa o 
				pensamento tradicional (e nem esse procedimento se requer à 
				poesia) labora em situações genesíacas, de grande potencial 
				criador. O plano de composição em que trabalha é o da reunião de 
				materiais para a construção. Um dia terá erguido a casa, mas, de 
				momento, voa pela cidade e pela floresta, de onde vai carreando 
				para o estaleiro os mais variados materiais de construção. Que materiais? Serguilha não é radical ao 
				ponto de usar palavras sem nexos gramaticais como praticaram 
				alguns concretistas. Pelo contrário, uma das suas técnicas é a 
				construção de novos vocábulos, colando muitos termos por meio da 
				hifenização. Na generalidade, os seus poemas são listas de 
				frases, algumas, compostas. A maior parte das compostas 
				articula-se por um «que» sem significado sintáctico preciso, e 
				por um «onde» que também pode carecer do sentido de lugar. Para 
				usar um termo tão em moda, «projeto», Serguilha projeta essas 
				frases, isto é, arremessa-as. Ele é um poeta da intensidade. O 
				que me ficou de mais insistente das várias palestras de 
				Serguilha a que tive oportunidade de assistir, foi a 
				regularidade com que recorre à imagem da projeção e a veemência 
				com que se opõe ao discurso lógico.  Voltando aos materiais de construção 
				sintática, em que repito existirem as proposições, algumas delas 
				complexas, acrescento o mais importante: falta total de presença 
				humana. Na área da morfologia, a grande percentagem de elementos 
				é constituída por nomes (mais substantivos que adjetivos), os 
				verbos desempenham papel fraco, e verifica-se a inexistência de 
				um «eu», um «ele» ou «ela», atribuíveis a autor ou outras 
				pessoas. Em consequência, o leitor é convocado com maior 
				intensidade do que é habitual a pronunciar-se sobre o que lê ou 
				vê, da mesma forma que, face a filmes como «Matrix» (o autor 
				menciona vários filmes de ficção científica em que a identidade 
				humana se dilui), o espetador é forçado a interrogar-se sobre os 
				objetos visuais mais do que sobre questões como o acontecimento, 
				as personagens ou a narrativa, em geral pulverizados; por isso, 
				de outra parte, a referencialidade é substantiva, por deliberado 
				gesto de afastar a irrupção da subjetividade, ela diz respeito a 
				coisas vistas ou ouvidas, em livros, televisão ou cinema, para 
				mencionar um campo de referência cultural dominante. Outro campo 
				de referência é constituído por diversas ciências, com 
				preferência pela Geologia, que está na origem do léxico vulcanológico, geotérmico e outro, a começar pelo vulcão do 
				Hawai que dá título ao seu livro «Koa'e». De notar entretanto 
				que o discurso é a-científico, uma vez que a-lógico (recusa de 
				formular conceitos, de apresentar hipóteses), e por vezes cientificamente incorreto, como 
				nas imagens «os crocodilos/ de úteros rítmicos» e os «mugidos/ 
				das serpentes» (Koa'e, p. 282; p. 303). Pergunta então o 
				leitor, e com toda a razão: qual a diferença entre os úteros dos 
				crocodilos em Serguilha e as guelras das rosas em Herberto 
				Helder (cito de cor HH: as rosas com as suas guelras 
				ferozmente em arco)? As imagens, em ambos os poetas, não 
				criam híbridos verbais igualmente?  Não sei responder, qualquer tentativa de 
				explicação tem meta na aporia. Precisávamos de instrumentos para 
				identificar limites. Esta outra imagem de Serguilha, «os óvulos 
				ígneos dos pássaros» (Koa'e, p. 309), não me leva a falar 
				do cientificamente correto. É uma bela imagem, poeticamente 
				correta. Serguilha representa um ponto de chegada, 
				extremo, do discurso da modernidade, quer se trate dele na arte, 
				quer na filosofia. Já nos anos 60 ou antes Karl Popper analisava 
				o discurso dos filósofos da Escola de Frankfurt, para criticar o 
				seu vazio embrulhado numa grande folha de papel de celofane 
				retórica. São velhos problemas que só vale a pena relembrar 
				porque, no caso de Serguilha, se sente com mais veemência a 
				falta de ferramentas críticas para analisar as obras mais 
				radicais. A Academia dará certamente uma resposta, uma vez que 
				os livros de Serguilha vão ser objeto de tese de doutoramento 
				numa universidade do Brasil. |  |  
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        |  | LUÍS SERGUILHAKOA'E
 Belo Horizonte, Anome Livros Editora, 2011
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        |  | LUÍS SERGUILHA NO TRIPLOVhttp://triplov.com/poesia/Luis-Serguilha/index.htm
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        |  | Maria Estela Guedes (1947, 
		Portugal). Diretora do TriploVALGUNS LIVROS. “Herberto Helder, Poeta 
		Obscuro”, Lisboa, 1979;  “Mário de Sá Carneiro”, Lisboa, 1985; “Ernesto 
		de Sousa – Itinerário dos Itinerários”, Lisboa, 1987; “À Sombra de 
		Orpheu”, Lisboa, 1990; “Prof. G. F. Sacarrão”, Lisboa, 1993; “Tríptico a 
		solo”, São Paulo, 2007; “A poesia na Óptica da Óptica”, Lisboa, 2008; 
		“Chão de papel”, Lisboa. 2009; “Geisers”, Bembibre, 2009; “Quem, às 
		portas de Tebas? – Três artistas modernos portugueses”, São Paulo, 2010; 
		"Tango Sebastião", Lisboa, Apenas Livros, 2010; "A obra ao rubro de 
		Herberto Helder", São Paulo, 2010; "Risco da Terra", Lisboa, 2011; 
		"Arboreto", São Paulo, Arte-Livros, 2011. TEATRO. Multimedia “O 
		Lagarto do Âmbar, levado à cena em 1987, no ACARTE, com direcção de 
		Alberto Lopes e interpretação de João Grosso, Ângela Pinto e Maria José 
		Camecelha, e cenografia de Xana; “A Boba”, levado à cena em 2008 no 
		Teatro Experimental de Cascais, com encenação de Carlos Avilez, 
		cenografia de Fernando Alvarez  e interpretação de Maria Vieira.
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        |  | © Maria Estela Guedesestela@triplov.com
 PORTUGAL
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