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Maria Toscano (Portugal).
Membro da APE; socióloga [ISCTE: Doutora (2010) e Lic.
(1986); Univ. Nova de Lisboa: Mestre, 1993]; tem
formação informal em Música (1968/70), Canto (1983) e
Teatro (1978/83). Publicou 1 Romance; 9 Livros e 2
E-books de Poesia, e em Colectâneas poéticas. Outros
projectos: Cafés-concerto e Leituras Encenadas (d. anos
80); Fado Branco (d. Fev.º/ 2012), com Ricardo Silva
[Guitarra Portuguesa]; Poemas do Sul em 5 Cantos: edição
de autora de 21 inéditos (2014/15). |
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MARIA TOSCANO
Dezoito poemas com asas de guarda
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1
aves lancinantes
palpitam
quando me sento e as sinto
foi cedo de mais a revoada
foi cedo de mais a debandada
ficou-me a primavera.
o poial.
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2
aves leves
brilhantes fulgentes
arrastam a cauda das estrelas
aves leves
alumiam luminosas.
— basta abrires essa janela
universal.
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3
aves roucas
de infância de alegria
— basta ouvires o pássaro
no teu peito
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4
aves tontas
dengosas de promessas
— olha como o teu pulso
se arrepia.
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5
aves insidiosas
de asas fundas
— basta vogares no teu canto
profundo.
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6
aves cor de malva
por dentro da memória voam
estranho ombro
estranha mão
asa rara
versando rubros vermelhos
bordados o beijo desejado.
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7
aves cor de estanho deixaste
no horizonte de meus olhos alados
aves cor de estanho
silenciosas
ameaçam a coloração
do que vibra.
apenas guardo a asa branca
— guarda-me assim
também a mim
em voo / em
asa.
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8
aves temerosas
vislumbro
por entre a sofreguidão
de telhas
magoadas
de telhais
sequiosos
lambidos em tempos de mel
— esses
e os que
adivinho —
aves temerosas do voar.
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Gregory Colbert, "Ashes and snow" |
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9
perdidas aves, por aqui.
aves de errância, por ali.
deslumbramentos ocos e acertos certos
essências
da breve ave da errância.
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10
aves angustiadas nas pesadas asas
castigos postos pelo não destino
o chumbo do que não ousa
o voar.
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11
aves
nascidas para ser asa.
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12
aves
maculadas de amor.
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13
novinhas as asas que te envio
repetidamente
ofertadas
no incansável verso a branco escrito.
duas novas
asas brancas do poema.
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14
asas de mão na mão
de sesta suave
asas em repouso no teu colo
— repara bem na tua camisa aberta:
aí, onde
ainda repousa
a marca da
minha mão.
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15
asas. com penas.
também com penas.
uma delas decora-me o cabelo
outra roça-me, ainda,
o coração
— as demais são oferendas
e comunhão.
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16 (poema de Natal com asas)
com asas brancas e encarnadas
desenhei o madeiro do ritual
com outras verdes asas puras
preenchi-lhe ramos e raízes
com asas douradas teci a estrela
que magos e sábios ensinaram
com asas transparentes
teu nome disse
e, despida das asas da ilusão,
entreguei-
me
— à magia
da comunhão.
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17
não tens de querer nem desejar
— basta saberes voar.
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18
não tens de desejar nem querer
— basta sermos, um dia,
a forma
inteira
que cada
natal
nos anuncia.
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Maria Toscano. Coimbra, 2005 (Galeria Santa Clara,
26 Dezembro e Café Santa Cruz, 29 Dezembro)
Do poemário de 2013
«ciclo
virtuoso da vida», inédito.
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