REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


NS | número 65 | junho-julho | 2017

 
Maria Toscano (Portugal). Membro da APE; socióloga [ISCTE: Doutora (2010) e Lic. (1986); Univ. Nova de Lisboa: Mestre, 1993]; tem formação informal em Música (1968/70), Canto (1983) e Teatro (1978/83). Publicou 1 Romance; 9 Livros e 2 E-books de Poesia, e em Colectâneas poéticas. Outros projectos: Cafés-concerto e Leituras Encenadas (d. anos 80); Fado Branco (d. Fev.º/ 2012), com Ricardo Silva [Guitarra Portuguesa]; Poemas do Sul em 5 Cantos: edição de autora de 21 inéditos (2014/15).
 

MARIA TOSCANO

 

Dezoito poemas com asas de guarda

 
 

1

aves lancinantes

palpitam

quando me sento e as sinto

 

foi cedo de mais a revoada

foi cedo de mais a debandada

 

ficou-me a primavera.

o poial.

2

aves leves

brilhantes fulgentes

arrastam a cauda das estrelas

 

aves leves

alumiam luminosas.

— basta abrires essa janela

     universal.

 

3

aves roucas

de infância de alegria

 

— basta ouvires o pássaro

     no teu peito

4

aves tontas

dengosas de promessas

 

— olha como o teu pulso

     se arrepia.

5

aves insidiosas

de asas fundas

— basta vogares no teu canto

     profundo.

6

aves cor de malva

por dentro da memória voam

estranho ombro

estranha mão

 

asa rara

 

versando rubros vermelhos

bordados o beijo desejado.

7

aves cor de estanho deixaste

no horizonte de meus olhos alados

 

aves cor de estanho

silenciosas

 

ameaçam a coloração

do que vibra.

apenas guardo a asa branca

 

— guarda-me assim           também a mim

     em voo / em asa.

8

aves temerosas

vislumbro

por entre a sofreguidão

de telhas

magoadas

de telhais

sequiosos

lambidos em tempos de mel

— esses

     e os que adivinho —

 

aves temerosas do voar.

 

Gregory Colbert, "Ashes and snow"
 

9

perdidas aves, por aqui.

aves de errância, por ali.

 

deslumbramentos ocos e acertos certos

essências

da breve ave da errância.

10

aves angustiadas nas pesadas asas

 

castigos postos pelo não destino

o chumbo do que não ousa

o voar.

11

aves

 

nascidas para ser asa.

12

aves

 

maculadas de amor.

13

novinhas as asas que te envio

repetidamente

ofertadas

no incansável verso a branco escrito.

 

duas novas

asas brancas do poema.

14

asas de mão na mão

de sesta suave

asas em repouso no teu colo

— repara bem na tua camisa aberta:

     aí, onde ainda repousa

     a marca da minha mão.

15

asas. com penas.

também com penas.

 

uma delas decora-me o cabelo

outra roça-me, ainda,

o coração

 

— as demais são oferendas

     e comunhão.

16 (poema de Natal com asas)

com asas brancas e encarnadas

desenhei o madeiro do ritual

com outras verdes asas puras

preenchi-lhe ramos e raízes

com asas douradas teci a estrela

que magos e sábios ensinaram

com asas transparentes

teu nome disse

 

e, despida das asas da ilusão,

entreguei-

me

— à magia

     da comunhão.

17

não tens de querer nem desejar

— basta saberes voar.  

18

não tens de desejar nem querer

— basta sermos, um dia,

     a forma inteira

     que cada natal

     nos anuncia.

 

 
 

Maria Toscano. Coimbra, 2005 (Galeria Santa Clara, 26 Dezembro e Café Santa Cruz, 29 Dezembro)

Do poemário de 2013 «ciclo virtuoso da vida», inédito.

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
Contacto: revista@triplov.com  
Dir. Maria Estela Guedes  
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