REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


NS | número 65 | junho-julho | 2017

 
Maria Estela Guedes (Portugal, 1947). Poeta, dramaturga, ensaísta, tem como referência dois livros sobre o poeta Herberto Helder.  Faz parte do conselho de redação da revista eletrónica Incomunidade e dirige, na editora Apenas Livros, a coleção cadeRnos suRRealistas sempRe. Tem umas centenas de títulos de artigos e livros publicados, em Portugal e noutros países.

Foto: José Emílio-Nelson

MARIA ESTELA GUEDES

José Verdasca: portugueses e brasileiros

José Verdasca é um escritor brasileiro, aliás português, e aliás Presidente da ONE (Ordem Nacional dos Escritores do Brasil), entre mais de uma dezena de outros títulos e pertenças que habitualmente valorizam os nossos curricula. Conheci-o durante o desenvolvimento do Projeto TriploV "Sarmento Pimentel", pois é um dos especialistas da figura do "Capitão", em resultado da sólida e longa amizade entre ambos. A confirmar o facto, em homenagem, um dos livros de José Verdasca intitula-se Memórias de um Capitão - Memórias do Capitão é o título de referência de João Sarmento Pimentel, e ambos partilham, para além de muito mais, a circunstância de as universidades brasileiras terem incluído, e incluirem, as suas obras nos programas de ensino.


Só para justificar a temática militar do parágrafo anterior, José Verdasca, nos anos sessenta, era capitão e encontrava-se na guerra em África. Por desinteligência com a hierarquia superior, desligou-se do Exército e foi viver para o Brasil, onde se instalou em São Paulo. Mantém no entanto relações de sólida amizade com membros das nossas Forças Armadas, e por todas estas razões fez parte do elenco de personalidades que homenagearam Sarmento Pimentel na iniciativa que a Associação 25 de Abril levou a cabo em Abril em parceria com o Triplov, "João Sarmento Pimentel - Um século de História".

 

     
  Ramalho Eanes, José Verdasca e Vasco Lourenço, na sessão de encerramento de "João Sarmento Pimentel - Um século de História", na Associação 25 de Abril  
 

De entre as muitas obras do Presidente da ONE, elegi duas para o meu editorial. A primeira, porque vale a pena o nosso governo e nós, escritores, sabermos o mercado de livros que desaproveitamos no Brasil - Padre Antônio Vieira, Sermões escolhidos, com pesquisa e organização de José Verdasca. A outra, assinada por António Neto Guerreiro e José Verdasca, porque satisfaz a necessidade de muitos  portugueses responderem à letra a sacramentais perguntas maliciosas dos brasileiros, tendentes a denegrir a nossa ação no Novo Mundo: A colonização portuguesa no Brasil - Verdades & mentiras. Contestação e repúdio aos livros "1808" e "1822". 

Os sermões escolhidos foram só seis, para livros de pequeno formato, com perfil pedagógico, na Coleção A Obra-Prima De Cada Autor, cerca de 222 páginas. Nada que se assemelhe à recente edição organizada por José Eduardo Franco, Obra completa do Padre António Vieira, em trinta volumes. O que merece reflexão, para além evidentemente do conteúdo dos sermões, é o número de exemplares vendidos até abril, quando José Verdasca prestou essa informação: um milhão! Nunca me tinha chegado notícia de um tão grande número de exemplares vendidos do livro de um português.





Padre Antônio Vieira

Sermões escolhidos

Pesquisa e organização de José Verdasca
São Paulo
Editora Martin Claret
2009
 
 

Só quem nunca saiu de cá ignora a sacramental pergunta dos brasileiros aos portugueses: "O que é que vocês fizeram ao ouro do Brasil?" E não apenas essa a questão, o brasileiro olha à sua volta, em Portugal, por exemplo em Évora, e acha que todos os monumentos que a sua vista abarca foram construídos com o ouro e os diamantes do Brasil. Mais: entende que os castelos só são portugueses, porque os portugueses os conquistaram aos mouros, o que é verdade, mas só é verdade no que respeita a castelos do tempo dos mouros. Se a conversa se adentra nos meandros da paixão, e sim, perguntando uma vez porquê esse encarniçamento, a resposta foi que é por amor, é por amarem os portugueses que os brasileiros se atiram a nós, enfim, voltando atrás, se a conversa se torna ainda mais apaixonada, aí vem a ruindade portuguesa herdada pelos brasileiros justificar toda a má governação e toda a miséria do Brasil.

É claro que isto não é a sério, são conversas de amigos, mas irritam e fundam-se em livros que apresentam má imagem da colonização portuguesa, caso de obras que não li, como 1808 e 1822, aquelas que deram origem à contestação e repúdio patentes no subtítulo "Verdades & Mentiras" do livro de António Neto Guerreiro e José Verdasca.

As falsidades corrigidas a essas obras são oito, começam pelo acaso ou premeditação da viagem de que decorreu o achamento do Brasil, passam pela exploração das riquezas - os portugueses não exploraram, produziram riqueza, introduzindo culturas agrícolas e animais domésticos sem os quais não era possível sobreviver - até acabarem na resposta à pergunta: "Afinal, qual será o grande problema do Brasil: a colonização portuguesa ou a maior parte dos governos que se seguiram ao Imperador Dom Pedro II?" 

 
 

António Neto Guerreiro/ José Verdasca

A colonização portuguesa no Brasil - Verdades & mentiras.
Contestação e repúdio aos livros
"1808" e "1822".

São Paulo
Ordem Nacional dos Escritores
2015
 
 

É indiscutível a vocação de José Verdasca, a mesma de Sarmento Pimentel, vinda já da Seara Nova, para instruir os cidadãos. Não há democracia sem letras, o saber é o pão da inteligência. Por isso termino, corrigindo-me a mim mesma, pois, sempre que a sacramental pergunta me é atirada à face, costumo responder: "Essa pergunta devia eu fazê-la a você: que destino deram os brasileiros ao ouro que os portugueses deixaram no Brasil? Para Portugal só vieram os quintos dos infernos, a quinta parte paga em impostos".

Errado. A corrupção levava a que só fosse declarada uma parte do ouro, por isso os impostos incidiam na parte e não no todo... Calcula-se que só um terço do ouro fosse declarado aos cobradores de impostos. Além disso, quando a corte se moveu para o Brasil, com essa corte voltou à origem uma riqueza incalculável, em dinheiro, jóias, obras de arte, documentos, livros raros, etc.. Por exemplo, muito do que hoje temos à nossa disposição nas bibliotecas portuguesas, para estudo do século XVIII, são cópias da documentação ida para o Novo Mundo com as roupas e as mobílias de D. João VI, gentilmente cedidas, na maior parte, pela Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. 

No ponto 7, os autores rejeitam a ideia de analfabetismo da colónia, apresentando como provas em contrário o Colégio de Olinda e o de São Salvador. Neste ponto, eu gostava de acrescentar algo, resultante de antigas pesquisas sobre os naturalistas, ou filósofos naturais, esses que até sabiam como podia a análise das amostras de minérios produzir fraude no teor de ouro, mínima percentagem que enganava a Real Casa da Moeda ou instituição similar. Antes da independência do Brasil, houve movimentos de insurreição no século XVIII, o mais conhecido dos quais foi a Inconfidência Mineira, de que resultou a morte do Tiradentes. Esses movimentos independentistas têm na base teórica a ação pedagógica desses mesmos naturalistas e de outras pessoas superiormente instruídas, que era comum na época encontrar nas Lojas. Então aparece-nos um caso singular, patente nos autos de devassa às pessoas implicadas nas rebeliões: na Inconfidência Mineira, foram presas individualidades de posição social e intelectual elevada, uma delas apanhada em flagrante a ler um texto proibido, a constituição americana... Na Revolta dos Alfaiates, como o nome indica, foram presas pessoas de média e baixa condição social. Para espanto de quem hoje compulsa a documentação, nesse século XVIII de tão alta taxa de analfabetismo (no século XX, em Portugal como noutros países, a taxa era superior a 50% em certas povoações), para espanto geral, esses homens pobres, sem punhos de renda, que exerciam profissões modestas, sabiam todos ler e escrever. Constituíam por isso uma élite. A que se deveu? À mesma escola liberal que liderou as outras independências americanas e subjaz à implantação da República Portuguesa: a Maçonaria.

 

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