REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


NS | número 65 | junho-julho | 2017

 




José Roberto Baptista
(Brasil). Editor da ARTE-LIVROS Editora. Foi professor universitário e Diretor-Acadêmico de tradicionais instituições de ensino superior em São Paulo. É estudioso da fenomenologia parapsicológica e autor, entre outros, do livro Introdução ao Estudo da Parapsicologia (Arké, 2007), além de já ter escrito vários artigos sobre o tema. Dirigiu o IEP-SP - Instituto de Estudos Psicobiofísicos de São Paulo voltado, exclusivamente, ao estudo e ao ensino da Parapsicologia.
 
JOSÉ ROBERTO BAPTISTA

Parapsicologia: a ciência ignorada
 

Há pouco tempo voltei a ouvir, pela boca de um líder religioso, que a parapsicologia caiu no esquecimento por ser um atentado às verdades divinas. - Nada que seja contrário a Deus pode existir. Dizia orgulhoso.  E, já um pouco mais agressivo, referiu-se à parapsicologia como uma  pseudociência ateia. Alargando ainda tal impropério, passou a dizer que a parapsicologia negava, sem o menor fundamento, os milagres realizados por Jesus, as santas curas extraordinárias, a ressurreição e até mesmo as inúmeras conversões que vêm ocorrendo nos últimos anos, pela ação do Espírito Santo. Lembrou-se ainda que muitos religiosos já "entraram nessa onda" de descrença, o que, segundo ele, era "muito triste".

Como se não bastasse, já que quem ajoelha tem que rezar, aproveitou para mostrar dados estatísticos que apontam para um crescimento vertiginoso da igreja evangélica, o que, também segundo ele, mostra que o povo sabe "separar o joio do trigo".

Mas, como 'não só de pão vive o homem', também não só de críticas, por parte de evangélicos, vive a parapsicologia.

Há também católicos e crentes, das mais variadas crenças, que nesse quesito, deliberadamente esquecem suas diferenças e passam a comungar entre si, das mesmas ideias. Nestes, incluem-se também os espíritas.

O fato é que de lá, ou de cá, a base é sempre a mesma. A parapsicologia é maldita por que destrói a fé, escreveu catolicamente um servo de Deus. Ponto.

Em resumo, a ideia norteadora, segundo eles, é que a parapsicologia não crê nos milagres de Jesus, nas curas milagrosas, nas possessões, ou seja, não crê em nada atestado há dois mil anos pelos evangelhos. Tudo, absolutamente tudo, é explicado, pela parapsicologia, como natural. Não há espaço para o sobrenatural, para o divino, o sagrado, sob a perspectiva parapsicológica.   

Bem, de fato, concordo que não haja espaço para o sagrado sob a perspectiva parapsicológica. Mas essa crítica parece-me demasiadamente injusta uma vez que não há espaço para o sagrado também na astronomia, na física, na medicina, na matemática, na biologia, na história, etc. A razão para isso, sempre pensei desnecessário dizer, é que a ciência não pode valer-se do sagrado, do sobrenatural ou do divino para explicar ou fundamentar seus estudos. Isso quem faz é a religião.    

- Deus fez o homem do pó da terra e soprou em suas narinas o fôlego da vida. - Jesus curou o leproso, o cego de nascença; transformou água em vinho; ressuscitou dos mortos... são afirmações de natureza religiosa, não científica, embora avancem destemidamente nos limites estritos da ciência.  

Religiosos, contudo, arvoram-se em dizer que a ciência não tem resposta para tudo. De fato. É a mais pura verdade. Mas isso parece-me mais uma impostura intelectual do que um argumento. Diferentemente da religião, em ciência não há respostas prontas. E muito do que as religiões afirmam, com ares de bom argumento, não passam de frágeis afirmações. Vejamos: - Deus transformou água em vinho. Bem, por mais interessante que possa ter sido tal acontecimento, ainda assim é uma afirmação, não um argumento. Embora tal testemunho seja aceito sem restrições pela religião, a ciência não pode chancelá-lo simplesmente. À ciência importa o como isso foi possível? Milagre? Mas milagre não é uma boa explicação científica, nem mesmo é uma palavra que pertença ao vocabulário científico. Aí reside a diferença.

Por essa singela razão, quando a ciência não tem explicação para um determinado fato, limita-se a dizer "não há explicação, dentro do atual universo do conhecimento científico, que justifique (comprove) tal ou qual ocorrência". Nada mais. Não apela para forças sobrenaturais, totalmente desconhecidas e alheias ao universo científico, em busca de uma explicação.

Mas essa compreensão parece não sensibilizar uma gama bastante ampla de religiosos que, por inúmeras vezes, exaltam a religiosidade de muitos cientistas.  Mas, convenhamos, o que significa exatamente dizer que muitos cientistas são religiosos? Que substituíram a tabela periódica pela bíblia na busca de respostas? Que cometeu erro crasso Lemaître, por ser um religioso, ao apoiar a teoria do Big Bang? Ou que os religiosos,  pela mesma razão, devem negar, por completo, a evolução das espécies proposta por Darwin? A resposta nos parece um razoável e sonoro NÃO. A ciência está atrelada à universalidade. A religião não, embora seja apresentada como única, conciliadora entre os povos, etc., etc., etc., na prática, não nos parece ser assim. Talvez dizer "única" signifique apenas dizer a "minha". Senão, vejamos:

- Jesus é o Messias esperado, diz o Cristianismo. Contudo, - Jesus não é o Messias esperado, diz o Judaísmo. - Jesus é divino, diz o Cristianismo. Mas, - Jesus não é divino diz o judaísmo e também o islamismo. Também dizia Voltaire, "muitos milagres que passaram por autênticos na Igreja grega foram postos em dúvida por vários latinos, assim como milagres latinos foram considerados suspeitos pela Igreja grega".[1] Diante de tantas afirmações contraditórias, como ficamos? Jogamos uma moeda para decidir sim ou não? Que conceito de universalidade agregamos ao conceito de religião, que a eleva,  ao mesmo tempo, às categorias de universal e conciliatória?

O fato incontestável, e também divisor de águas, é que acreditarmos em algo não significa estarmos certos. A crença é aliada à opinião, portanto, não traz, em si mesma, o grau necessário de certeza para garantir a verdade. Daí crença e conhecimento pertencerem a universos distintos. Não se pode alegar ser a crença justificada pela razão. Isso seria uma escandalosa fantasia. Em ciência não há verdades privadas. Em religião sim.

Alguns arvoram-se no fato de a ciência assemelhar-se à religião. Asseveram que, da mesma maneira, não há uma única corrente de pensamento em ciência.  Prova disso é que a própria parapsicologia sofreu constantes ataques de outras ciências. Bem, de fato, isso é inegável. Mas também é inegável que em ciência, nenhuma corrente de pensamento ameaça seus postulantes a passar uma eternidade no inferno caso se desviem de suas "convicções". Isso, por si só, já faz toda a diferença. Diga-se ainda que a ciência não tem a menor preocupação em ser desmentida. Inclusive, exige que seja replicada. Isso não ocorre com a religião, com todas as religiões, que se acham sempre verdadeiras e incontestáveis.

Em relação à parapsicologia, a insurgência deveu-se pela dificuldade apresentada pelo seu objeto de estudo e também em virtude dos obstáculos em replicar os resultados. Não por ser contrária às Escrituras, como querem alguns. Algo estranhamente novo, insólito, que aparentemente contrariava princípios e leis da ciência já estabelecida. Daí Charles Richet, em defesa da nova ciência, ter afirmado, logo nos primeiros lufares do século XX (1922), no seu Tratado de Metapsíquica: "Tão logo declarem que tal ou tal fenômeno é impossível, confundem desastradamente o que é contraditório com a ciência e o que é novo na ciência." Mas isso não ficou no passado. Até hoje presenciamos reações adversas sempre que um ou outro pesquisador se atreve retomar questões ligadas à fenomenologia parapsicológica.[2] Nada de novo nisso.

Devemos, para não nos alongarmos, pingar os ii. 

Em primeiro lugar temos que ter claro que a parapsicologia jamais negou a existência de milagres. Também nunca negou a existência de Deus, dos anjos, dos espíritos dos mortos, etc. Esse não é o papel da parapsicologia, em particular, assim como de qualquer outra ciência, no geral.

O que a parapsicologia afirmou no passado, e continua afirmando no presente, com base em evidências, (não devemos deixar de lado que o primeiro laboratório para estudos parapsicológicos [telepatia e clarividência] foi fundado por Joseph B. Rhine na Universidade Duke, (1930) não num fundo de quintal) foi que nos fenômenos por ela estudados não apareciam, como protagonistas, seres que habitam outros mundos. - Os espíritos, de qualquer natureza, nunca se apresentaram em estudos controlados em parapsicologia, afirmaria J.B. Rhine, que cito de memória. Para isso,  apresentou uma número infindável de experimentos que apontaram, com evidências bastante substanciais, estarem os fenômenos ligados a uma complexa resposta do psiquismo humano, mesmo admitindo-se a fragilidade do conceito que orbita em torno disso. Nada de anjos, demônios, espíritos ou qualquer nome que se queira alçar no campo sobrenatural. Ora, a reação a isso, por parte dos religiosos, como era de se esperar, foi imediata. Num mundo em que milagres de todas as esferas são sempre bem-vindos e necessários, principalmente por parte das igrejas, templos, centros, etc., o caminho mais curto para garantir-se o sucesso do sobrenatural (e consequentemente da servidão coletiva) é eliminar as formas de rejeição. Não no diálogo, nos bons argumentos, mas na negação peremptória de tudo o que fosse contrário à fé. Como fazê-lo? Aqui tivemos um fato interessante. Mais que isso, quase um golpe de mestre. Vejamos:

O que incomodou os religiosos em relação à parapsicologia foi a negação daquilo que era afirmado no âmbito religioso como uma verdade inquestionável. O que fazer diante disso? Usar a ciência contra a própria ciência. ( a isso chamei "golpe de mestre") Como?  Utilizando, para isso, de uma interpretação carregada  por uma surpreendente indução psicológica.

Para tal, foi usado o imaginário "conflito" existente entre estudiosos envolvidos com a nova ciência e os cientistas já consagrados da velha escola, que faziam clara oposição à recém chegada parapsicologia e seus métodos.

 Assim, à medida que a parapsicologia era negada por grande parte de cientistas consagrados, físicos, químicos, matemáticos, etc., os religiosos engendraram uma nova interpretação aos fatos, que atendia maravilhosamente aos seus interesses.

- Ora, se a ciência já consagrada, opunha-se à nova ciência, isso passou a significar, no entendimento dos religiosos, que a ciência consagrada, ao negar a parapsicologia, "aceitava", por outro lado, por mais absurdo que isso possa parecer, as curas milagrosas, a participação de entidades desencarnadas, etc. Diante disso, o axioma religioso: A ação de seres extracorpóreos (anjos, demônios, espírito dos mortos, etc.),  é uma realidade. Mais que isso, uma realidade não desmentida pela ciência "de verdade". Deixaram cair no esquecimento o fato de que nenhuma ciência jamais desmentiu, ou negou, o sobrenatural. Dizer que não há evidências que o comprovem não é o mesmo que negá-lo.

Assim, com uma interpretação marginal em relação aos fatos, e, mais que isso, desonesta intelectualmente, o exército de servidores voltou à frente de trabalho e a construção de templos multiplicou-se mais que o próprio 'milagre dos pães'. O que se deixou esquecido no fundo do baú foi o incontroverso fato de que a parapsicologia, como deixamos claro linhas atrás, jamais negou a existência de seres incorpóreos, inteligentes e independentes, de qualquer natureza, divina ou não. E a razão, já expressa também em linhas anteriores, é que não é de sua competência fazer tal afirmação. Apenas asseverou, com base em suas pesquisas, que não eram eles (nenhuma evidência) os protagonistas dos fenômenos estudados. Nada mais.

Dizer, portanto, o que muito agrada aos entusiastas religiosos, que "a ciência (conhecimento) confirma a fé (crença)", inclusive com tons de uma verdade ao mesmo tempo legítima e universal, não passa de uma afirmação vazia e, mais que isso, ingênua, à medida que expõe a fragilidade das crenças religiosas que, por si sós, são insuficientes para manterem-se e por esse motivo buscam apoio em valores e conhecimentos seculares. Inadvertidamente.  

[1] VOLTAIRE, Questões sobre os milagres. [trad. Márcia Valéria Martinez de Aguiar]. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 8-9.

[2] Apenas a título de exemplo ver: Estudo sobre premonição causa polêmica. in http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe1301201101.htm  - Acesso em 19 abr. 2017

 
 
 

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