JOSÉ CARLOS
BREIA
Outro lado |
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RONDA DE NÚMEROS
-à guisa de
prefácio-
Sete vezes oito
são cinquenta e seis.
O sete no oito.
O oito no sete.
Se o sete é ímpar
o oito deitado
deixa de ser par
ronda o infinito.
Que mais quereria,
para Outro Lado
o poeta ignaro,
de setenta e oito?
Que feitas as contas
dá sete mais oito,
- o que soma quinze.
Outro número ímpar.
Embora somando
o quinze dê seis.
Tudo abstracções,
de ímpares e pares
que o livro sonega
como faz à cauda
que soma mais seis.
Subvertendo assim,
os cinquenta e seis
de que se partiu
sem haver propósito.
Acasos da escrita
que da mão dependem,
sem qualquer engenho
ou confuso ardil.
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O MOCHO
A placidez informe das
coisas.
Um rufo de asas
entreabre
o silêncio.
Teus olhos estelares
regressam.
Medito
no início dos astros,
na imensa noite
que antecedeu
o tempo.
E pergunto-me:
(sábio na fábula,
mau agoiro no grito)
de que avatar descendes?
Ou és transmutação?
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EURÍDICE
Entrei por fim na
casa abandonada.
Quanto tempo terá ela
levado
a tricotar as teias
pelos cantos,
a nublar vidros
velando espelhos, rostos
e retratos?
Dados dois passos,
sob o ranger das tábuas
e das portas,
vi
o que ficara de um
vestido
no rasto da fuligem,
o rasgado verde resto da
coberta
a resvalar da mesa,
as cadeiras partidas.
E, ao rodar a mão por um
desenho
que o mofo recamara,
abri no espesso as
linhas de uma face,
tirei do pó
uns olhos apagados.
Abertos, lentamente,
em mim pousaram
com tão funda ironia,
que, sem olhar pra trás,
abandonei-a.
E tudo se ocultou
em sucessivas dobras:
tempo, casa, razão,
cuidados meus.
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HOJE
Que trouxe do passeio?
Um corte negro de asas
no último vermelho do
poente
A lama nos sapatos
A bela flor de um cacto
O olhar que se arrasta
por um muro murado de
graffiti
(uma porta arrombada?).
E um folheto sobre a
eternidade
que me deu um senhor
engravatado.
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FLANANDO
Na palavra o que é
lavrado?
Pala que só gera sombra?
Pá que não amanha,
lavra?
Lavra pode ser só posse
e não arroteia nada.
Com este jogo à
beira-rio passeio
- barcos, barra, Bugio
Enquanto o vento levanta
o que resta destes fios
que me servem de cabelo.
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O
NOVO ALADINO
Se tivesse uma lâmpada
como tinha Aladino
que iria eu fazer para
Pasárgada ?
Ser amigo de rei
tem desvantagens.
Não precisava de um rei
para escolher a cama
desejada
e nela a mulher
com quem bulisse.
Primeiro,
queria uma casa com
relvado,
entre campo e praia,
sem vizinhos amáveis
que são uma chatice.
Amigos
isso sim
quantos quisessem vir.
Mas nunca mais de dois
de cada vez.
Queria
uma cama de água
com comando,
para sentir a calma das
lagunas
a lua das marés
e dos riachos
o sussurro fresco.
A mulher é que era o
drama:
olhos que falassem
fundo,
esguia e louca
feita malagueta,
frescura de água de coco
e o doce da carambola.
Mas nada de escravatura.
Nua ou velada,
só viesse
quando o ritmo lhe
pedisse
ou a isso fosse levada.
E pouco mais queria.
Escrever por acaso.
A melodia
do meu galgo solto.
E, na iridiscência
do meu copo
o reflexo inquieto
da memória.
José Carlos
Breia, do livro
“Outro Lado”
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