Revista TriploV . ns . nº 64. abril-maio . 2017 . ÍNDICE.
Homenagem do Triplov aos Capitães de Abril

Francisco Coimbra (Portugal) .  

TERCEIRA PESSOA

(pai, filho e “espírito santo”) 
Professor do grupo 320 (Matemática e Ciências da Natureza) do ensino preparatório, efetivo nos Açores desde 1998. Reside em Ponta Delgada, cidade da ilha de São Miguel, capital económica dos Açores. Escreve procurando ter uma
escrita desde os dezoito anos, faz 61 no mês de Junho. Fez esta breve biografia, na terceira pessoa.


FRANCISCO COIMBRA

Dez a fio

(1) PIANO IMAGINÁRIO 

Antenor Nascentes (in Tesouro da Fraseologia Brasileira) aventa a seguinte explicação:

«”Deixar correr o marfim” (aguardar com indiferença os acontecimentos) parece expressão de jogador de bilhar, ou talvez de roleta, por causa da bolinha de marfim deste jogo. Popularizou-se [no Brasil] com a representação do vaudeville A Lagartixa, título com que se traduziu La Dame de Chez Maxim, de Feydeau 

Tinha imaginado uma explicação, imaginando que correr o marfim pudesse ter origem literária. Uma frase que tivesse caído no gosto de uma geração e dela continuasse o uso, até já não se saber da origem, como parece ser o caso.

 

O que imaginei? Uma jovem, personagem de romance romântico, que gastava o tempo suspirando à janela, enquanto passava um pente de marfim nos cabelos. Quem via dizia “Lá está ela a deixar correr o marfim”, o que seria explicação bem mais lírica do que deixar a bola de marfim correr na roleta e pensar ir a jogo a “deixar correr o marfim”.

 

Fim, qualquer das hipóteses tão boa como haver um pianista, correndo dedos sobre o marfim das teclas num piano imaginário. 

(1) INSÓNIA 

Nem um rafeiro deambula perdido na cidade, o canil municipal funciona, para lá devem ser canalizados todos os cães que possam ser encontrados à solta. Esta realidade devia conter estranheza, prisão para bichos e homens; instituição a funcionar em pleno.

Penso no cachorro que não encontro passeando por aí à toa, ocupo o seu lugar, imagino-me em fuga saído de um quintal imaginário onde me sentia preso.

(2) TRAMPA 

Trump imagina-se construtor de muro separando países, o México interdito aos americanos que não usem os postos fronteiriços e a América só para imigrantes legalizados.

Lamento-me, vou deitar a insónia. O conto acontece sem acontecer, história saída do nada. Melhor dizendo, uma histó… isto… para lá fugida, nada dela nado? Onde o nada tem vida própria, como a insónia.

(3) MOMENTO DE INCERTEZA

 

Vou tentar todos os dias ter um conto para você, algo simples, insinuante, incisivo, cortante como os dentes da frente ferindo as primeiras impressões, sem pressa. Usando a sua pressão, numa forma de acentuar a expressão do contacto sobre os lábios, onde se quer deixar um beijo depois de criar momento de incerteza.

(4) ACENDE A LUZ NO ESCURO

 

No início da frase uma ideia baila, é como uma chama acesa, sem se ver o pavio. Talvez uma fuga de gaz sirva, mesmo se a explicação for a última coisa que podemos esperar ver acontecer. Pois, em determinado momento, a luz termina. Ficam apenas as palavras mas, o seu som esgota-se e o gosto é o esgoto para onde foi a luz. O gosto segue o silêncio e dá-lhe forma, acende a luz no escuro.

(5) TUDO É POSSÍVEL

 

Substitui o plano por um piano, uma ideia por um objeto. Pega no objeto como se fosse uma caneta, escreve o que queiras fazer neste momento. Nesse momento, tudo é possível.

Agora só falta o inopinado, súbito e imprevisível. Quando estiver na fase madura, fruto que substitui a flor, dela nascendo, faça-se o facto decisivo onde finalmente tudo é possível.

Uma alcateia correndo de forma desenfreada, anárquica, selvagem até se cansar de perseguir o que já não está à frente, parecendo agora coisa do passado. Tudo é possível, talvez o objeto, no caso de ser um piano, bem tocado, dê música. 

(6) SONHO PERFEITO

 

A noite findou, começa o dia, é hora de ir deitar. Já é tarde, estou cansado e tenho sono. Escrevo, como se isso, distraindo-me, desse sentido a tentar retardar esse momento vital de entrar no desconhecido à procura de um sonho que, a bem dizer, pode nem acontecer. O sonho perfeito, apenas um título, melhor dizer nome.

(7) CAMA

 

Sonho como se estivesse acordado, quero tudo o que consigo fazer a dormir, vou para a cama.

(8) VÉRTICE DE VERTIGEM

 

Não consigo decidir apagar a luz, vou deixar de ver!

(9) METONÍMIA

 

O tempo passa até ser passado, vem o presente, deste modo se cria futuro. Faz anos que tivemos contacto, volto a esse facto com um acto sem Fé? Não, com a fé que de facto tenho: expectativa! Conto curto, curtindo a pele no corpo da palavra metonímia.

(10) PENSAMENTO

 

Amanhã volto a tentar voltar, verei se a "expectativa" tem sucedâneo ou sucessor? Uma coisa, a outra, as duas? O valor das palavras está no seu significado, não nos pertence por inteiro.

 
 
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Maria Estela Guedes
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