Totonho
Laprovítera é, sem dúvida, um herdeiro de
Sherazade. Se dependesse dele, a vida se
desdobraria em mil e uma noites, fazendo
histórias pelos bares, pelas estradas, calçadas,
ruas e até escritórios de advocacia. Sim,
fazendo histórias, porque, antes de escrevê-las,
ele as vive. A partir de situações triviais, que
enxerga por sua caleidoscópica lente do humor,
ele cria quadros, lançando tintas multicores aos
cenários e aos personagens.
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O riso é
a leitmotiv do livro. Não o riso
sarcástico, que debocha e reduz ao ridículo, mas
o riso sadio, benfazejo, por vezes irônico, por
vezes zombeteiro, mas são. Seguindo o princípio
aristotélico de que “o homem é o único animal
que ri”, ele elege seus pares e com eles monta
todos os enredos, a partir da mais divina
comédia humana: a vida real.
E, como
dizem que quem conta um conto aumenta um ponto,
Totonho viaja na sua capacidade de (re)inventar
a realidade, mexer com as palavras,
fazer trocadilhos jocosos, num exercício
de percepção fantástico. Conta o que vê, o que
escuta, o que observa, o que vive, sem
cerimônia, sem sóbrios pudores com as palavras.
Aliás, esse é um dos pontos altos do livro: o
discurso flui espontâneo, em linguagem coloquial
e popular, com registros de variantes
regionalistas, o que torna verossímil seus
enredos e mais engraçadas as piadas, as tiradas
cômicas extraídas de acontecimentos comuns.
Além das
histórias de humor, há recortes de momentos de
realização pessoal e referências a pessoas que
marcaram a vida do autor, em textos
memorialistas que encantam pela emoção.
Divide-se, assim, a estrutura da obra em dois
blocos: o verde, com narrativas engraçadas de
conversas de bar, de rua, viagens e papos entre
amigos; são contos, minicontos e piadas sem a
acidez do escárnio. Na segunda parte,
representada pela cor azul, que simboliza a
sensibilidade, constam os registros de momentos
mais ‘sóbrios’, declarações de afeto e alguns
versos pertinentes aos relatos.
Mas é o
bom humor a tônica geral, bem como a
descontração, a espontaneidade e a consciência
de que o riso é coisa séria, muito séria para
quem vive de bem com a vida. Bergson disse que
“não há comicidade fora daquilo que é
propriamente humano”. De fato, a matéria
primordial dos relatos são as pessoas; são elas
que fazem surgir em Totonho a verve de
comediante tão prodigiosa em nosso estado, haja
vista os tantos nomes surgidos desde Quintino
Cunha. Blindados pela alegria, seus personagens
saem dos mais diferentes lugares para desbravar
o mundo da imaginação. Há sempre um motivo para
comemorar a vida, por isso, a cerveja, o rum, a
cachaça e/ou o uísque são imprescindíveis. Regam
a criação. O prazer de conviver é o que conta, e
tudo se transforma em motivo para um brinde.
Sem
ilustrações, as histórias projetam imagens por
meio das palavras, dando ao leitor a
oportunidade de também viver as cenas, simular
os movimentos, sentir os cheiros. A fidelidade
do autor ao seu próprio repertório é de tal
forma evidente que, ao lermos, temos a sensação
de reconhecer a própria voz dele falando, o que
torna muito familiares todos os acontecimentos
contados, portanto, a partir de então,
ficcionais. Qualquer semelhança com fatos ou
pessoas não será mera coincidência, mas o
pincel, ops, o teclado do criador, deu-lhes
novos contornos. Todos aqui são reais fora
dessas páginas; aqui dentro, porém, são apenas
seres de papel.
Além
do riso e do registro de emoções, o livro
sedimenta, no imaginário do leitor, cenários
atuais, como o Cantinho do Frango, e resgata a
memória da cidade ao evocar cenas passadas no
Restaurante Gabriella, no Colégio São João, na
Cobal ou mesmo num Ford Galaxie Landau. De João
Pessoa ao Rio de Janeiro, passando por Viçosa,
Sobral, Várzea Alegre e Camocim; do Mondubim ao
Alto do Bode, o espaço se alarga para dar
passagem à caravana da alegria. Nada oficial.
Nada oficioso. É a vida se desenhando em verde e
azul, em todas as matizes e nuanças que a
alegria possa traçar no coração de quem sabe que
rir é, ainda, a melhor saída em todas as
situações.
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