Revista TriploV
ns . nº62. janeiro-fevereiro 2017 . ÍNDICE

 
Cristino Cortes nasceu em Fiães (1953), uma pequena aldeia do concelho de Trancoso. Licenciado em Economia, reside em Lisboa desde 1971. A sua actividade profissional decorreu, quase toda, no Ministério da Cultura. Fundamentalmente poeta, publicou 10 livros desde 1985.Havendo de destacar alguns citaremos: Ciclo do Amanhecer, por ter sido o primeiro; 33 Sonetos de Amor e Circunstância, em 1987, por ter tido uma segunda edição em 1993; Poemas de Amor e Melodia, em 1999, pela mesma razão, dez anos mais tarde, em versão aumentada e definitiva; O Livro do Pai, em 2001, por ter sido traduzido em francês ( 2006 ) e em castelhano ( 2011 ), tendo tido uma segunda edição bilingue no primeiro caso; Sonetos (In)temporais, em 2004, por ser uma edição exclusivamente para o Brasil; e Música de Viagem, em 2008, por ter sido o último. Tem, também, versado outras modalidades (o conto, a crónica, o artigo de opinião, a página de diário) em vários jornais e revistas, nacionais e estrangeiras, tendo reunido alguns desses trabalhos em quatro livros. Para a Universitária Editora organizou, ainda, duas antologias. Apresentou publicamente livros e proferiu conferências. A sua obra tem tido algum eco em países estrangeiros ( Espanha e França, sobretudo, mas ultimamente também na Alemanha, na Bélgica e no Brasil ) e ele próprio, tem traduzido e publicado poemas em francês. Os seus livros tiveram apresentações públicas em diversos locais do País. Está representado em várias antologias e livros colectivos. A sua obra tem sido objecto de alguma atenção crítica destacando-se, em forma de livro, José Fernando Tavares, Júlio Conrado e Isabel Gouveia.

CRISTINO CORTES

A (IM)PERFEIÇÃO DOS DIAS

de José Manuel Monteiro

A (Im)perfeição dos dias, de José Manuel Monteiro. Lua de Marfim, Póvoa de Sta. Iria, 2015, 99 páginas. Colecção Luar de Poesia nº. 77.

Procedi à apresentação pública deste livro na Amadora, na livraria da Editora, a 14 de Novembro de 2015.


O SONHO DA PERFEIÇÃO

As minhas primeiras palavras são de agradecimento ao Autor e ao Editor pelo convite que me fizeram, e pela honra que assim me dão, para aqui proceder à apresentação pública deste livro de José Manuel Monteiro, A (im)perfeição dos dias. É sempre um motivo de júbilo verificar que a poesia continua a ter os seus cultores, que há novos poetas que por ela continuam a ser tocados e que há Editores que à sua publicação dedicam o melhor dos seus esforços.

Neste caso concreto de José Manuel Monteiro, se é este o seu primeiro livro, autónomo e exclusivo, há que reconhecer, com grande satisfação, que A (im)perfeição dos dias se insere numa colecção __ Luar de Poesia __ caracterizada por um grande dinamismo. Basta dizer que lhe foi atribuído o número 77, o que não deixa de ser um facto simpático e agradável, propiciatório e feliz, de algum modo um número perfeito (e mesmo mágico para aqueles que, como eu, se divertem com estas minudências). Também por essa via, admitamos, se convoca a boa sorte e os melhores augúrios para a obra que aqui apresentamos.

José Manuel Monteiro coloca a sua procura do Graal sob o signo da perfeição. A mim parece-me que o prefixo que ajuda a compor o título ­­ __A (im)perfeição dos dias __ deve ser entendido como modéstia de autor. E foi talvez também por excessiva humildade que ele não convocou explicitamente, ao nível dos paratextos, o nome de Cesário Verde. É que a mim, com franqueza o confesso, ao pela primeira vez folhear o volume, o que logo me veio à mente foram os versos famosos do poeta novecentista:

             Se eu não morresse nunca! E eternamente

             Buscasse e conseguisse a perfeição das cousas!

constantes, como se sabe, do justamente célebre O sentimento dum ocidental, dedicado a Guerra Junqueiro.

Vejamos, no entanto, com algum pormenor, como se organiza esta obra de José Manuel Monteiro. Apesar de este ser o seu primeiro livro publicado, e de os poemas não serem datados, é manifesto que se trata de um poeta experiente, conhecedor dos segredos da língua. Parte deste à vontade lhe virá, certamente, para lá da idade, do seu labor profissional de professor de português (e de literatura). Ele tem, visivelmente, uma cabeça bem arrumada e o que em primeiro lugar se pode dizer deste A (im)perfeição dos dias é que se trata dum livro homogéneo e coerente, e não duma mera colectânea de poemas, como tantas vezes acontece.

Ele reúne 77 poemas __ cá está, outra vez, o número mágico, ímpar, símbolo da totalidade. Organiza-se em oito partes, de desigual extensão, mas todas precedidas por epígrafes __ ou dedicatórias, apenas num caso __ de outros escritores. Talvez se pudesse sugerir, neste ponto, que nos fosse dada a indicação concreta das obras donde estes excertos foram retirados __ já que se a mesma é evidente para o poeta, já o não será para a generalidade dos seus leitores.

O livro arranca com o que poderemos chamar uma parte teórica, Palavras vivas, sobre a própria poesia, o instrumento, digamos assim, de que o poeta se serve para alcançar a almejada perfeição. São apenas três instantes precedidos por uma epígrafe de Alberto Caeiro: «Eu nem sequer sou poeta: vejo. / Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho: / O valor está ali, nos meus versos.» Entendo-a como um apagamento do criador face à sua criação. O poema que me parece mais eloquente deste ponto de vista, mais significativo mesmo do que quaisquer palavras que eu pudesse encontrar __ é o terceiro poema desta primeira secção, intitulado, singelamente, Poema (página 10 ):

 

Um poema é vida: avança / sem medo / e em cada penedo / de serra temerosa e altaneira / encontra a esperança / do recomeço.

E ao chegar ao cume do cabeço / (obstáculo transformado em verso) / a bonança prometida / em cada vale apazigua, / dos sentidos, a ansiedade.

Porém, renovado o desejo, / como quem recebe um amoroso beijo, / a profusão de uma estrofe / constrói-se dia a dia / na chama da palavra escolhida.

Feita a selecção / e escrito verso a verso / o poema retrata a perfeição / da imperfeição humana seu reverso.

 

Vêm depois seis composições que creio estarem na origem da edição de todo o volume. José Manuel Monteiro quis prestar uma homenagem aos seus pais, no centenário do seu nascimento. Quantitativamente é a evocação da mãe que predomina, com quatro poemas, contra os dois do pai, que são os primeiros. Como eu o entendo, ao último verso __ «Fazes-me falta!» __ deste segundo poema, dito In memoriam.

A terceira secção destina-se ao desenhar do mundo, ao balizar das fronteiras, ao fixar das relações da família poética de José Manuel Monteiro. Ele evoca aqui, ou fala, de algumas das personalidades a cuja leitura foi mais sensível. A epígrafe, de Antoine de Saint-Exupéry, é particularmente adequada: «Cada um que passa em nossa vida, / passa sozinho, mas não vai só / nem nos deixa sós. / Leva um pouco de nós mesmos, / deixa um pouco de si mesmo.» As devoções, digamos assim, do nosso trovador passam por Sophia de Mello Breyner Andresen, Miguel Torga (um poema perfeitíssimo, Urze, com dedicatória explícita, página 21), Ricardo Reis, José Carlos Ary dos Santos, António Lobo Antunes, Eugénio de Andrade, Mário de Sá-Carneiro e várias vezes, ainda que não explicitamente, nem apenas nesta parte, outros heterónimos de Fernando Pessoa.

Este poeta múltiplo, o único que pode emparceirar com Camões e o único que como ele tem sepultura nos Jerónimos, é talvez a maior presença neste A (im)perfeição dos dias. Não só figura, como vimos, nesta secção de Pegadas, como é sua a epígrafe que abre a parte IV, Sensis __ «Sentir? Sinta quem lê! __, e vários outros passos me parecem denotar a sua frequência, diurna e nocturna, como aos dicionários aconselhava Mestre Aquilino Ribeiro. (Nas páginas 90 e 92 as referências pessoanas são explícitas.)

Esta divisão IV, tal como a última, Outonices __ com uma inscrição de Augusto Gil: «Outono. Morre o dia. / Cai sobre as coisas plácidas e calmas / um véu de sombra e de melancolia / que dulcifica e embrandece as almas.» __ introduzem poemas sem título, apenas numerados, 8 no primeiro caso e 4 no último.

Resta-nos falar __ até porque a apresentação de uma obra de poesia não deverá ser longa __ das três restantes secções. Em Sensis são, de facto, as sensações que predominam __ e o vocábulo surge, explicitamente, em cinco dos oito variações que a integram. Lerei a número 5 em que ele, curiosamente, não figura __ página 38:

 

Explode coração louco! / Já te resta muito pouco / da velha sensatez.

Perdeste a agilidade / malefícios da idade: / estaticismo e rigidez.

Revolta-te, clama, grita / o amor é a nobre dita, / o elixir da juventude.

Revive a velha paixão! / Liberta-te, coração, Amar é plenitude!

 

O  V conjunto intitula-se Emoções, dez poesias em que é mais nítido o envolvimento emocional, e mesmo erótico, do poeta. A epígrafe preambular é de Fernando Pinto do Amaral __ «Não vás embora, / precisarei de mais alguns minutos, / horas, dias, semanas, meses, anos, / eternidades para te esquecer…». Referências explícitas podem encontrar-se na página 44, Cerejas: «Essas maduras cerejas / Que encaixilham tua boca / Dizem: Não me beijas? / Não é isso que desejas / na tua imaginação louca?» mas é o poema da página 45, Abraça-me, que melhor me parece sintetizar o espírito desta parte central.

 

Abraça-me devagarinho / como se fosse de manhã / à hora em que o sol se levanta / e tu cheia de carinho / me retiras docemente a manta / fresca, sadia e louçã.

Abraça-me com paixão / como se fosse meio-dia / e o sol em esplendor / deitasse sobre a bela flor / a seiva da brava alegria / e a semente da ilusão.

Abraça-me, não digas nada / como a noite fechada / que envolve a serra inteira / num beijo de melancolia. / Aspira a brisa derradeira. / Abraça-me… Já é dia?

 

Luarejos, divisão sexta, é como que um intervalo, uma espécie de repouso, um tomar de balanço, no percurso do bardo. São apenas cinco poemas, precedidos por uma citação de Miguel Torga __ «E vão lá desdizer o sonho do menino / Que se afogou e flutua / Entre nenúfares de serenidade / Depois de ter a lua!». Todos eles têm a ver com a lua, ou o luar __ mas o quarto, intitulado Tu, página 59, é uma pequena delícia:

 

Saio à rua / E no espesso nevoeiro / Entrevejo-te. Pareces-me nua. / Mas vista de mais perto / Entre as gotículas que joeiro / Finalmente acerto: / Não és tu, é a lua!

 

E assim chegamos à parte mais volumosa deste livro, a sétima, designada por Ocasionais, 29 poemas, precedida pelo seguinte excerto de Cecília Meireles: «O vento do meu espírito soprou sobre a vida. / E tudo o que era efémero se desfez. / e só ficaste tu que és eterno.» Este penúltimo conjunto de poemas de A (im)perfeição dos dias, sendo o mais extenso é também o mais variado e poderia mesmo funcionar como uma síntese de todo o livro, e quiçá de toda a poesia do autor.

Formalmente é aqui que comparece o primeiro dos dois textos em prosa poética que integram o volume. (O segundo é logo a seguir, mas já na última divisória do livro, Outonices, com referências explícitas a Alberto Caeiro e Ricardo Reis,) É aqui, na página 65, que figura o eco assumido do Camões lírico, interrogando-se o vate__ A quem «cantarei de amor tão docemente?» __ e utilizando aspas, como quem sabe dar o seu a seu dono.

Também aqui figuram as referências à liberdade __ Em Abril, página 66 __ e os títulos em latim: spes, esperança, nas páginas 68/69. O poema da página 77 parece-me ser uma espécie de resposta ao carme talvez mais famoso de Augusto Gil: «Batem leve, levemente / Como quem chama por mim…», a Balada da Neve, incluída no seu livro Luar de Janeiro. Mas José Manuel Monteiro tem, neste caso, o dom da concisão e não precisou de mais de duas sextinas para tratar o mesmo tema, Neve.

 

Caia lenta e breve / levada no vento vindo / do alto cume dos céus / envolta em ténues véus / ensaiando ao de leve / um breve bailado lindo.

Caía lenta e branca / de imaculada beleza / descendo sorrateira / caiando de qualquer maneira / sem porta nem retranca, / noivando a natureza.

 

E assim chegamos ao fim deste processo panorâmico, à vol d’oiseau como diriam os franceses, sobre esta primeira mas muito meditada realização poética de José Manuel Monteiro, um nome a fixar.  É altura de terminar, mas não o quero fazer sem antes explicar o título que dei a este meu trabalho, «O sonho da perfeição». Mas pensando melhor, afinal, creio que não será necessário alongar-me em justificações.

Estou convicto que a qualidade da poesia que aqui apresentámos é, neste momento, óbvia para qualquer um de nós __ mais firmemente estabelecida do que estas minhas hesitantes expressões que andaram à volta desse objectivo sem do mesmo jamais se terem assenhoreado.

Mas assim mesmo é que deve ser, a poesia está e vai sempre à frente, e sobrepuja em importância todas as paráfrases que, quais borboletas tontas, possam andar à volta dela, da luz que da mesma irradia. E é por isso mesmo que eu me atreverei a pedir a todos os presentes, dentro em breve, uma grande salva de palmas: para celebrar a poesia em primeiro lugar, esta linguagem divina que os deuses nos deram para nosso consolo e superação, e depois para felicitar José Manuel Monteiro por este seu tão conseguido labor. Francamente espero __ e assim termino __ que este vosso apoio possa ser o estímulo suficiente para ele se abalançar à publicação de outros títulos, já que, visivelmente, as necessárias qualidades não lhe faltam. O poeta está de parabéns, Apolo e as musas estão certamente satisfeitos.

Muito obrigado a todos pela vossa atenção.

Tenho dito.

 

 

Cristino Cortes

 
 
 
 
 
 
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Maria Estela Guedes
PORTUGAL
 
 
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