Tem quatro obras publicadas:
Além-Rio,
poesia, prémio nacional Raúl de Carvalho (1999);
Guynea,
poesia; Sete
Histórias de Gatos,
contos, em co-autoria com Dora Gago; e
Impressões do real,
poesia,
prémio de poesia do
Concelho de Alvito, no âmbito do prémio nacional
de poesia Raúl de Carvalho (2013). Integra ainda
a Nova
Antologia dos Poetas Alentejanos,
cuja direcção é de Eduardo Raposo.
Obteve Licença Sabática e realizou um projecto
literário do qual resultaram três obras:
Fábulas de
Portugal e da Guiné-Bissau
(ensaio),
Contos da
Terra Vermelha
(ficção) e
Guynea
(poesia; já
publicado). Tem artigos e poemas
dispersos em jornais e revistas e participa em
conferências, tertúlias e eventos relacionados
com a língua portuguesa, a literatura e a
música.
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Alice acordara com o
forte cheiro a maresia. Entre a névoa do
mosquiteiro foi descortinando os sons: os
pássaros no seu jardim das maravilhas, as vozes
na estrada, o chocalhar da água junto à janela,
brincadeira de cardume por cima das
margaridas... e o perfume salgado, melancia no
verão, já perto dos lábios. Levantou-se e, no
seu passo miudinho e rápido, abriu a janela.
Sacudiu as pestanas, abriu muito os olhos e
meteu-lhes dentro o tio Augusto, com a água
pelos joelhos , dentes no
canhuto
(1), que lhe mordeu
um bom dia,
sinhôra e
sorriso no olhinho vivo e malandro, lá foi
explicando que a água subira na vala e alagara o
jardim e a estrada.
Alice atentou no seu
jardim das maravilhas e não viu as margaridas,
nem as begónias, nem as violetas, nem os
amores-perfeitos e nem as muitas outras,
trazidas semente de um supermercado europeu.
Água – lodo cinza - , o cheiro a maré e o
gargalhar da enchente nas rótulas
descarnadas do tio Augusto que num vaivém
acarretava enormes pedregulhos, a fazer de
passadeira.
Alice embalou no
barulhinho, olhou as copas das palmeiras
ponteadas de sol e foi para outro filme – os
jardins suspensos da Babilónia...
-
Um jardim
suspenso... É isso mesmo!... Umas
pontes...tapetes de hera e rosmaninho...estrados
de madeira, mesas, baloiços, o pano da tenda
nupcial tuaregue e muitos véus (é exótico e
protege dos mosquitos)...Em baixo, o charco... (lapsus
linguae) o
lago...Vou pedir ao tio Augusto que plante
nenúfares... Será que fica bem um ou dois
crocodilos bébés?...
Um grito fê-la sair da
cena e entrar no mundo do circo. Brigite, a
vizinha e companheira de madrugares, saía de
casa de cadeira em cadeira.
Acostumada às inundações
das chuvas, experimentara já vários exercícios
de arame e, nas últimas monções tinha vindo a
ensaiar o número das cadeiras.
Assim, quando ao acordar
se viu rodeada de água, pensou que a chuva tinha
chegado mais cedo e foi calmamente tirar os
rolos com que dormia todas as noites, ao mesmo
tempo que gritava pelo nescafé.
Depois de desfazer os
rolos, empeçar o postiço (que lhe dá a meio das
costas e roça os candeeiros de tecto), desenhar
nos olhos o traço de rainha egípcia, vestir e
despir três ou quatro
toilettes
, aspergir-se com três ou quatro perfumes
franceses, engolir o nescafé e o cigarro, saíu
de casa de cadeira em cadeira que,
diligentemente, a empregada ia mudando. Enquanto
Brigite, de tacão alto e esguio, se empoleirava
numa das cadeiras, a moça, com a água pelos
joelhos, a tropeçar em peixes-sapato (2)
e cagalhões, fazia avançar a outra cadeira. Qual
gazela recém-nascida, lá ia aos gritos mudando
de cadeira, unhas cravadas na carapinha da
rapariga.
Alice esquecera o jardim
suspenso, bruscamente cortado pela cena
almodovariana e seguiu na direcção do perfume do
café acabado de fazer.
Ao som da harpa céltica,
magicava na maneira de sair de casa. Primeiro
pensou no trapézio – umas lianas... e poderia
sair de palmeira em palmeira...Não. não era lá
grande ideia...mesmo porque o tio Augusto não se
parece com o Tarzan... De gôndolaaaa!...Não. não
era muito prático. Também não podia copiar o
número da cadeira!
E acabou personificando
Inês Pereira. Saíu às cavalitas do tio Augusto,
abraçada ao colarinho do seu jaquetão, lustroso
de muito uso e pouco sabão, nariz franzido ao
pensamento “ Antes asno...mas tão fedorento!”.
Com o passar dos dias
já ensaiou outras
performances
. Por exemplo passar de calhau em calhau com o
tio Augusto a fazer de cajado. Mas lá estava o
maldito bafo!
Quem faz agora de asno é
a Fina. Comadre - cozinheira, perfumada,
pintada, penteada segundo modelo pombalino,
penduricalhos nas orelhas, pau de canelas
submersas, riso de graça e de medo, segue em
ziguezague até piso seco. Alice vai formosa e
bem segura, a gritar para o tio Augusto que lhe
arranje um casal de pelicanos para o jardim das
maravilhas...
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