Era final de abril do ano de dois mil e
dezesseis de Nosso Senhor. Estavam em um pé-sujo
na rua atrás da universidade, nas imediações do
Largo de São Francisco, Rio de Janeiro. Bebiam
cerveja e comiam uma porção de linguiça
calabresa acebolada. Uma prostituta já bastante
velha tentava fazer comunicação visual com
qualquer um dos dois. Tinha um puteiro rançoso
sobre o bar, subindo uma escada estreita pela
calçada. Ela estava do outro lado da rua
encostada em um carro. Fumava. Usava um batom
vermelho escarlate — "evidentemente", pensou
José, distraído, quando se deu conta de que
encarava a prostituta velha de volta. Virou-se,
então, para o amigo. A mulher ainda fez um gesto
obsceno na direção deles, jogou a guimba no chão
e passou a encarar alguns homens que passavam na
rua.
— Não ouviu porra nenhuma do que eu disse. —
Falou Leon.
— O que você disse? — Perguntou José.
— Eu disse que a única saída agora é a gente
pegar em armas, porra.
— Armas?
— É, porra. O que há com você?
— Que armas, rapaz? Você pensa que vão fazer
revolução com canivetes, facas de cozinha e
estilingues? Porque quem tem armas de fogo no
país é a direita.
— Tem razão. Mas, e agora?
— E agora? E agora? Vocês só sabem falar e
agora?
— Tem que existir uma saída, porra.
— Tem.
— Tem o quê?
— Uma saída, porra.
— Qual? Para de fazer suspense! Diz, aí.
— A gente precisa derrubar o estatuto do
desarmamento junto com os caras.
— O quê? Ficou maluco? Foi pra extrema-direita,
Zé? Porra, eu estou bebendo com um filho da puta
de um fascista aqui?
— Hein, relaxa, Leon. E não grita.
— Não grita? Olha a merda que você está falando.
— Cala a boca e escuta. Penso nisso há mais de
uma década, desde que a esquerda chegou ao poder
sentando à mesa pra conciliar com o capital.
— O que é, então? Fala...
— Se é pra fazer direito, que agora derrubem o
estatuto do desarmamento de vez e armem e
treinem cada sindicalista desse país, cada sem
terra, cada sem teto, cada trabalhador
consciente de classe. Que infiltrem camaradas na
base das forças armadas e coloquem gente em
posições estratégicas das polícias. Então que
comecem a cortar cabeças. Banqueiro. Industrial.
Empresário. Só pra começar.
José parou de falar. Leon olhava para o amigo
sem nada dizer. Ficaram assim quase um minuto.
— Mas, claro, nada disso vai acontecer. — Disse,
por fim, José.
— Claro, nada disso vai acontecer. — Repetiu
Leon, soturno. — Vladimir, desce outra gelada
aqui, por favor.
Ficaram sem falar mais alguns minutos. A
prostituta continuava no mesmo lugar e fumava
outro cigarro — "era o capitalismo decrépito",
pensou José. Foi Leon quem quebrou o silêncio
dessa vez:
— Porra, Zé, você é perigoso pra caralho.
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