Cabeçalho de Manuel A. e Sousa
Revista TriploV de Artes, Religiões & Ciências . ns . nº61. novembro-dezembro 2016 . ÍNDICE
Homenagem de A viagem dos argonautas e do Triplov a José Afonso

Mark Strand, 1934 -2014, americano nascido no Canadá, foi poeta, ensaísta e tradutor. Ensinou Inglês e Literatura Comparada, na Columbia University, de 2005 até à sua morte. Ganhou o Pulitzer Prize em 1999 e o Wallace Stevens Award em 2004. Os seus Collected Poems foram publicados em 2014 pelo Knopf  Doubleday Publishing Group.

MARK STRAND

Poemas

Tradução de Francisco Craveiro 


 

Guardião

 

O sol a pôr-se. Os relvados em fogo.

O dia perdido, a luz perdida.

Por que amo eu o que esmorece?

 

Tu que partiste, que estavas a ir-te embora,

em que escuros quartos vives?

Guardião da minha morte,

 

protege a minha ausência. Eu estou vivo.

 

 

O monte

 

Cheguei até aqui pelas minhas próprias pernas,

perdendo o autocarro, táxis,

sempre a subir. Um pé à frente do outro,

comigo as coisas são assim.

 

Não me incomoda, a forma como o monte continua.

Relva na berma, uma árvore a agitar

as folhas negras. E depois?

Quanto mais caminho, mais longe estou de tudo.

 

Um pé à frente do outro. As horas passam.

Um pé à frente do outro. Os anos passam.

As cores  da chegada desbotam.

Comigo as coisas são assim.

 

 

De The Sargentville Notebook

 

Penso em HB e RH e HM e SF

e WB e DJ ao sentar-me a ler HV sobre WS. 

* 

Sabedoria num homem chato

é como aplausos  a mais. 

Um homem que não deseja ser identificado

disse que não conhece ninguém feliz. 

* 

O que o morto sabia sobre pássaros

escapou nebulosamente da sua cabeça ao morrer. 

* 

Os dias vão à frente

1.926.346 para 1.926.346.

Mais tarde as noites vão apanhá-los. 

* 

Um homem sentado num café

tinha uma orelha enorme

e outra pequena.

Qual era a falsa? 

* 

Quando X. tinha 37 anos celebrou os 49 e 50

para se ver livre deles. 

* 

No dia 9 de Abril de 1761 choveu em Londres.

A 9 de Abril de 1934

nasceu Nancy Stetson. 

* 

D. aconselha a que se durma.

Ele dorme e é feliz.

Acha que eu devia dormir mais.

 

(usado, ate aqui, fanzine 107) 

*

Muitos poetas maus são inacreditavelmente feios.

Alguns bons também. 

* 

Os poetas têm tão pouco a ganhar,

tão pouco a perder,

que se podem permitir ser invejosos. 

* 

3 de Novembro: Hoje não é excepção. 

*

Primeira linha para uma peça:

Vai levar os seus gatos para o México? 

* 

Ouvido por acaso num jantar:

Nunca mais viste aquele corvo? 

* 

Se ela fosse verdadeira não a deixava entrar neste apartamento. 

* 

Se me concentrar um momento,

consigo lembrar a quietude

do momento anterior. 

 

5 de Novembro: Amanhã sim. 

* 

Vários dias mais tarde...

Algumas semanas, talvez.

Correio nenhum.

Neve.

Sem vontade de continuar.

Um dos meus cães foi comido pelos outros.

 

Tu o dizes

 

É tudo mental, dizes, e  não tem

nada  que ver com a felicidade. A chegada do frio,

a chegada do calor, a mente tem todo o tempo do mundo.

Pegas-me no braço e dizes que algo acontecerá,

algo invulgar para que estivemos sempre preparados,

como o sol a chegar depois de um dia na Ásia,

como a lua a partir depois de uma noite connosco.

 

A boa vida

 

Estás de pé à janela.

Há uma nuvem de vidro em forma de coração.

Há os suspiros do vento que são como cavernas na tua fala.

És o fantasma na árvore lá fora.

 

A rua está tranquila.

O tempo, como amanhã, como a tua vida,

está aqui em parte, em parte no ar.

Não há nada que possas fazer.

 

A boa vida não avisa.

Resiste  aos climas de desespero

e surge, a pé, sem ser reconhecida, não oferecendo nada

e tu estás lá.

 

Lua

 

Abre o livro do anoitecer na página

onde a lua, sempre ela, aparece

 

entre duas nuvens, a mover-se tão lentamente que parecerá

terem passado horas até chegares à página seguinte

 

onde a lua, mais viva agora, baixa um caminho

para te levar para longe do que sempre conheceste

 

até àqueles lugares onde aquilo que desejaste acontece,

a sua sílaba solitária como uma frase em equilíbrio

 

à beira do sentido, esperando que digas o seu nome

mais uma vez quando levantares os olhos da página

 

e fechares o livro, sentindo ainda como foi

morar naquela luz, aquele súbito paraíso de som.

 

 
 

 
 
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