Cabeçalho de Manuel A. e Sousa
Revista TriploV de Artes, Religiões & Ciências . ns . nº61. novembro-dezembro 2016 . ÍNDICE
Homenagem de A viagem dos argonautas e do Triplov a José Afonso

José Roberto Baptista (Brasil).
Editor da ARTE-LIVROS Editora. Foi professor universitário e Diretor-Acadêmico de tradicionais instituições de ensino superior em São Paulo. É estudioso da fenomenologia parapsicológica e autor, entre outros, do livro Introdução ao Estudo da Parapsicologia (Arké, 2007), além de já ter escrito vários artigos sobre o tema. Dirigiu o IEP-SP - Instituto de Estudos Psicobiofísicos de
São Paulo voltado, exclusivamente, ao estudo e ao ensino da Parapsicologia.

JOSÉ ROBERTO BAPTISTA

Parapsicologia e Religião x Parapsicologia sem Religião

I

Sempre que abordamos o tema Parapsicologia percebemos uma reação imediata das pessoas que, quase instintivamente, tendem a relacionar a Parapsicologia ao sobrenatural. Fantasmas e demônios assumem presença obrigatória. É o mundo "do outro lado" que arregala olhares indecisos.

No senso comum a Parapsicologia é "algo", isso mesmo, "algo",  envolvido com os espíritos dos mortos; daqueles que ultrapassaram a barreira da vida e, por razões desconhecidas (talvez não tão desconhecidas para alguns), continuam "presos" a este mundo: o mundo dos vivos.

Isso se deve, em grande parte, ou totalmente, a matérias equivocadas em revistas, sites e também a "shows pirotécnicos" que vemos, vez ou outra, em programas televisivos inapropriados para conduzir tal temática. Sem contarmos com as risíveis definições que relacionam a Parapsicologia com o estudo ou investigação de supostos (alguns chegam a falar inexistentes) fenômenos paranormais. É uma maravilha!

Mas, afinal, está a Parapsicologia envolvida com o mundo sobrenatural?

A resposta é sim e não.

A justificativa é relativamente simples. As pesquisas sobre uma gama variada de fenômenos, atribuídos aos "desencarnados", foi a motivação que deu origem ao que hoje conhecemos por Parapsicologia. O principal fato está relacionado a uma série de fenômenos, de natureza incerta, todavia atribuídos à ação dos desencarnados.

Para compreendermos um pouco essa problemática convém revisitarmos a origem de tudo.

 

Parapsicologia no contexto do século XIX 

Os espíritas tomaram a data de 31 de março de 1848 para marcar oficialmente o início do Espiritismo. A razão, até certo ponto questionável, uma vez que se liga a um acontecimento cujas circunstâncias "eram mesquinhas, os atores humildes, o lugar remoto, a comunicação sórdida, de vez que obediente a um motivo tão baixo quanto a vingança." (DOYLE, s.d., p.73)

Nos referimos à ocorrência que envolveu uma modesta família de crentes metodistas, no vilarejo de Hydesville, em dezembro de 1847. 

Hydesville é um vilarejo típico do Estado de New York, com uma população primitiva, certamente semieducada, mas, provavelmente, como os demais pequenos centros de vida americanos, mais livres de preconceitos e mais receptivos das novas ideias do que qualquer outro povo da época. Aquela povoação, situada a cerca de vinte milhas da nascente cidade de Rochester, consistia de um grupo de casas de madeira, de tipo muito humilde. Foi numa dessas casas, residência que não satisfaria as exigências de um inspetor de conselho distrital britânico, que se iniciou o desenvolvimento que, atualmente, na opinião de muitos, é a coisa mais importante que deu a América para o bem-estar do mundo. (CONAN DOYLE, s.d. p. 73-74). 

A casa ocupada pela família Fox, em dezembro de 1847, há algum tempo vinha expulsando seus inquilinos devido a uma série de ocorrências estranhas, insólitas.

De início, os novos habitantes nada perceberam. Tudo corria na mais perfeita ordem. Contudo, após algum tempo, as indesejáveis ocorrências, já relatadas pelos moradores antigos, voltaram, agora, a perturbar os novos moradores.

Batidas leves, ruídos estranhos, que se assemelhavam a arranhões e podiam ser ouvidos tanto nas entranhas da parede, como no assoalho e móveis, começaram a ser percebidos, com estranheza, pelos Fox. 

Tais ruídos pareciam sons pouco naturais para serem produzidos por visitantes de fora, que quisessem advertir-nos de sua presença à porta da vida humana e desejassem que essa porta lhes fosse aberta. Exatamente esses arranhões (todos conhecidos desses fazendeiros iletrados), tinham ocorrido na Inglaterra em 1661, em casa de Mrs. Mompesson, em Tedworth. Esses arranhões também são registrados por Melancthon, como tendo sido verificados em Oppenheim, na Alemanha, em 1520. Também foram ouvidos em Epworth Vicarage, em 1716. Aqui o foram uma vez mais e, por fim, tiveram a sorte de ver a porta abrir-se. (CONAN DOYLE, s.d. p. 74). 

A família, contudo, de forte concepção religiosa, contraditoriamente, não demonstrava nenhum temor, preocupando-se em buscar explicações com causas naturais para os recentes acontecimentos.

Mas, os ruídos não tardaram a crescer de intensidade. Batidas e sons que se confundiam com móveis sendo arrastados acabaram colocando as filhas do casal, de sete e oito anos e meio, Katherine Fox e Margaret Fox,  em polvorosa, levando-as a recusarem-se a dormir sozinhas em seu quarto.

À luz do dia, todavia, os fenômenos não aconteciam. A possibilidade de fraude impôs-se. Todavia, nada foi constatado.  

Finalmente, na noite de 31 de março houve uma irrupção de inexplicáveis sons muito altos e continuados. Foi nessa noite que um dos grandes pontos da evolução psíquica foi alcançado, desde que foi nessa noite que a jovem Kate Fox desafiou a força invisível a repetir as batidas que ela dava com os dedos. Aquele quarto rústico, com aquela gente ansiosa, expectante, em mangas de camisa, com os rostos alterados, num círculo iluminado por velas e suas grandes sombras se projetando nos cantos, bem podia ser assunto para um grande quadro histórico. [...]

Conquanto o desafio da mocinha tivesse sido feito em palavras brandas, foi imediatamente respondido. Cada pedido era respondido por um golpe. Posto que humildes os operadores de ambos os lados, a telegrafia espiritual estava funcionando. Deixavam à paciência e à dedicação da raça humana determinar as alturas do emprego que dela faria no futuro. Havia muitas forças inexplicáveis no mundo, mas aqui estava uma força que pretendia ter às suas costas uma inteligência independente. Isto era a suprema significação de um novo ponto de partida. (CONAN DOYLE, s.d. p. 74-75) 

Some-se a isso que o autor-defunto, ou defunto-autor (lembrando as palavras de Machado de Assis em Memórias Póstumas de Brás Cubas)  das pancadas alegava ter sido assassinado e enterrado no subsolo da casa e também revelava coisas desconhecidas por todos, que eram verificadas em seguida. Mas, não parou por aí. Outros invisíveis se apresentaram e consentiam conversar por intermédio de mesas que se moviam e produziam, como que livres de qualquer influência, batidas, com os pés, no assoalho. 

Isso, admitindo-se a incompletude do fato, aqui exposto em linhas muito gerais,  foi o elemento motivador que dará origem ao Espiritismo, que iria se firmar como doutrina a partir de 1857, com o lançamento de O livro dos Espíritos, ditado pelos invisíveis a Allan Kardec, segundo J. Herculano Pires, "o código de uma nova fase da evolução humana." (KARDEC, 1979, Introdução)  

Sua difusão foi extraordinariamente rápida. Na Inglaterra, sob o nome ambíguo de 'espiritualismo', na França, na Alemanha, os médiuns eram descobertos aos milhares e suas sessões organizadas em todos os salões. Fazia-se girar mesas, cadeiras, chapéus. A língua dos espíritos estava em progresso. Não se contentavam mais em responder sim ou não, ou em compor frases batendo um número de golpes correspondentes à posição de cada letra do alfabeto. Prendia-se um lápis ao pé da mesa, ou de uma simples prancheta, e eles próprios escreviam. Melhor ainda, o médium segurava o lápis e eles dirigiam sua mão. Transmitiam, assim, as mais diversas comunicações, desde receitas culinárias até elevadas considerações sobre a imortalidade da alma e a bondade da Providência. Joana d'Arc e Napoleão não desdenhavam de se manifestar. Havia espíritos solenes, facciosos, havia enfim obscenos: eram os espíritos das baixas esferas, os maus espíritos. [...] O São Paulo dessa nova religião foi o Sr. Rivail, que tomou o nome de Allan Kardec. Em 1857, com a idade de cinquenta e quatro anos, escreveu ele, por ditado dos Invisíveis, seu Livre des esprits que foi traduzido em todas as línguas e que ainda é o Credo da fé espírita.(SUDRE, 1966, p. 39-40) 

O espiritismo, que se desenvolveu com grande força na Europa dos séculos XVIII e XIX, segundo Conan Doyle,  deve muito a Emmanuel Swedenborg, famoso dotado sueco, que antecipou algumas ideias presentes hoje na doutrina, como a possibilidade de contato entre dois mundos: o físico e o espiritual.

O Espiritismo conseguiu se firmar no continente europeu na segunda metade do século XIX, segundo Gil (2010), graças a um discurso em harmonia com os valores que faziam parte do imaginário da época, tais como o cientificismo, a racionalização, a experimentação, a laicização da sociedade e o positivismo. Desde o seu início buscou harmonizar ciência e religião, estabelecendo um duplo vínculo, nem sempre claro o suficiente para grande parte de seus praticantes, muitas vezes oscilantes entre o aspecto experimental e científico, por um lado, e por outro, apegados mais aos componentes religiosos da doutrina.

Mas isso assemelha-se mais a deslizamentos semânticos do que propriamente ideias contrárias sobre uma mesma doutrina.

O Espiritismo buscou sempre, desde suas origens, separar as possíveis contradições presentes no seu domínio entre ciência e religião, cultivando uma forte identidade entre seus seguidores.  

Nesse sentido, várias são as situações de duplo vínculo que permeiam os jogos de identidade e as articulações semânticas singulares que fazem os livros publicados, as declarações públicas e os posicionamentos de informantes deslizarem no eixo ciência-religião de forma nem sempre percebida como coerente pelos atores. Os espíritas praticantes têm muitas situações diversas a interpretar e contextos de interação para lidar, que conjugam relações com outros médiuns, espaços rituais, relações com pessoas de fora do movimento, assim como momentos solitários de auto-reflexividade para os quais é positi- va a indeterminação da relação ciência-religião (ou racionalidade e crença), permitindo ao espírita a gestão da própria identidade entre outras coisas, pelo deslizamento no eixo ciência-religião. (LEWGOY, 2006) 

O fato possível de ser percebido é o uso pragmático dos conceitos de ciência e religião que orbitam em torno do Espiritismo, em particular, e das religiões no geral.

 

II.

Procuraremos tratar neste artigo, o mais didaticamente possível, sem a pretensão de abarcar a totalidade dos aspectos envolvidos nos estudos parapsicológicos, quais os objetivos e, consequentemente, a linha divisória entre a  Parapsicologia e os fenômenos atribuídos aos desencarnados.

Antes de tudo, cabe deixar claro que, para os estudiosos da área, como em todos os campos do saber, as incertezas são sempre maiores, infinitamente maiores, que as certezas.

Mesmo assim, algumas certezas podemos ter.

Em primeiro lugar a existência, ou não, dos espíritos, para os estudos parapsicológicos, é indiferente. A Parapsicologia, sem negar a existência de tais personalidades, buscou explicações para uma gama variada de ocorrências, antes atribuídas à ação dos desencarnados,  e chegou a novas respostas.  - Não são os espíritos dos mortos, demônios ou qualquer que seja a denominação que queremos lhes dar, que estão por trás das ocorrências paranormais, mas a mente humana.  

Parece-me minimamente razoável dizer que tal posicionamento motivou um divisor de águas entre aqueles que defendiam a participação dos espíritos (Espiritismo), em inúmeras ocorrências, e aqueles que estavam convencidos que os fatos observados nada tinham a ver com os desencarnados (Parapsicologia). Inclusive, muitos espíritas, vários merecedores da mais digna consideração, aceitam que muitas ocorrências, atribuídas aos espíritos, são fruto da mente dos médiuns. Todavia, não descartam a possibilidade de que outras estejam ligadas, direta ou indiretamente, a tais entidades. Mas, não estabelecem uma linha demarcatória, clara e precisa, que estabeleça uma separação entre um caso e outro.

Em resumo, podemos afirmar, não sem opositores, que a diferença fundamental entre a Parapsicologia e as doutrinas espiritualistas, particularmente o espiritismo kardecista, é que estas aceitam, como certo, a independência de seres, transcendentes à morte física, capazes de intervir neste mundo (dos vivos), o que justificaria a ocorrência de vários fenômenos observados por uma gama infinita de pesquisadores. A Parapsicologia, sem negar tal intervenção, trabalha com a convicção de que os fenômenos de natureza parapsicológica emergem do complexo, e ainda pouco conhecido, psiquismo humano. O fato que merece destaque  é que nunca foi constatada, pela Parapsicologia, em experimentos controlados,  a presença dos espíritos. Justifique-se também que os mesmos resultados atribuídos à ação dos desencarnados podem ser obtidos por pessoas hipnotizadas, ou simplesmente sugestionadas/autossugestionadas, partidárias, ou não, da ação dos invisíveis. Devemos, portanto, cuidar para que fenômenos de natureza parapsicológica sejam separados dos fenômenos de natureza mediúnica ou espírita. Parapsicologia nada tem a ver com crenças e afirmações religiosas.

O fato, em resumo, é que quanto mais avançavam (e avançam) os estudos, mais distantes ficavam as alegadas participações/intervenções dos espíritos. Isso evidenciou que os desencarnados não eram (e não são) a melhor opção de resposta.

 

III.  

Sobre a capacidade de perceber o futuro 

A parapsicologia reconhece que fatos, num futuro próximo, ou mesmo distante, podem ser percebidos por determinadas pessoas, em determinadas condições, sempre variáveis. Mas, o assunto merece uma série de considerações, para não cairmos no "canto da sereia". Antes, deixemos claro, que essa capacidade de prever o futuro, sob o ponto de vista da  Parapsicologia, nada tem a ver com os atos premonitórios defendidos pelos espiritualistas. Muito menos com as chamadas "previsões" feitas a preços módicos (nem sempre), por vezes com hora marcada, por vendedores de ilusões. Os chamados videntes. Muitos não passam de estelionatários. 

Sob a perspectiva parapsicológica a precognição (termo preferível), nome dado à percepção de fatos que ocorrerão no futuro,  nada tem a ver com "avisos" ou "influências" de outra natureza. Para a Parapsicologia é uma capacidade humana. É talvez a capacidade humana que mais tira o sossego dos experimentadores.

Limito-me a dizer, sem negar outras possibilidades,  que tal aptidão não ultrapassa os limites das concepções mentais.  Neste sentido, comungo com Santo Agostinho quando reflete sobre como se faz para falar do passado ou para predizer o futuro.  (1984, Livro IX) 

Qualquer que seja a natureza dessa misteriosa previsão do futuro, não podemos ver senão o que existe. Mas o que existe não é futuro, e sim presente. Por conseguinte, quando dizemos que vemos o futuro, não se veem os próprios acontecimentos ainda inexistentes, - isto é, o futuro, - mas sim as causas ou os sinais precursores que já existem. Portanto, para quem vê, não se trata de futuro, mas do presente, do qual é tirada a predição de um futuro concebido na mente. (Livro IX, p. 322, gn.) 

Parece-me bastante razoável esta linha de reflexão de Santo Agostinho.

Contudo, dizer-se "bastante razoável" não significa dizer suficiente. Nem todas as ocorrências precognitivas podem ser explicadas dessa forma.

 

Eu vejo os espíritos 

Durante muitos anos ouvi, por parte de alguns médiuns, dizer que viam os "espíritos" nas sessões que participavam e mesmo em lugares comuns, frequentados por todos. Suspeitando de tanta confiança declarada fiz, sem alarmes antecipados,  o seguinte teste:

Coloquei três médiuns videntes, em condições controladas, para descreverem o "espírito" que se apresentaria, numa determinada sessão.

Os médiuns, ao serem perguntados, em conjunto, sobre as características físicas do "espírito" que se manifestou, (altura, sexo, vestuário, etc.) todos, sem exceção, o descreveram da mesma maneira,  com mínimas variações.  

Contudo, quando a experiência foi repetida e separados os médiuns, para que não tivessem conhecimento do que cada um estivesse descrevendo,  apresentaram  resultados totalmente diferentes, incompatíveis até, em relação ao "espírito" que, segundo eles próprios, estava se apresentando.

Ora, isso nos leva a pensar, pelo menos num primeiro momento, que tais médiuns, diferentemente do que afirmavam, ou seja, "ver" tais entidades,  tinham apenas sensações, quase certamente motivadas pelo contexto cultural e religioso em que estavam inseridos. Nada mais.  Esse tipo de teste, com maiores ou menores variações, repeti, ao longo do tempo,  várias vezes, e os resultados sempre foram equivalentes. A justificativa de que um único espírito pode apresentar-se de várias formas a pessoas diferentes, ao mesmo tempo, nada justifica, admitindo-se, contudo, o grau de alienação religiosa que envolve tais argumentadores. Deixo claro que não se trata aqui de uma ofensa a quem comunga com tais ideias. Por outro lado, ofende a capacidade intelectiva do interlocutor um argumento rasteiro colocado como se fosse uma verdade inquestionável.

 

Uma outra afirmação. O mesmo problema. 

Muitos afirmam sair do corpo "em espírito" e "viajar" por mundos desconhecidos. São as conhecidas viagens astrais, projeção de consciência, o nome não é importante, e ver tudo o que ocorre em tais lugares. Trazem informações minuciosas de um mundo estranho, distante, por vezes extremamente complexo, detalhes dos próprios detalhes. Bem, "a língua não tem osso", dizia minha mãe.

Todavia, tenho um código escrito, preparado por mim, sob determinadas condições, que está envelopado há mais de uma década. Sempre pedi a tais viajantes para que me trouxessem esse código. Simples assim. - Inclusive, creio tarefa pequena para quem traz tantas e tão detalhadas informações de mundos tão distantes e pouco acessíveis, como as alegadas por tais viajantes astrais. Afinal, o meu código está neste mundo, a poucos passos, com endereço completo, número, local exato e, acima de tudo,  autorizado o acesso. Explicações diversas, justificativas injustificáveis. Mas, em relação ao código: NADA.

Aparentemente uma experiência nada tem a ver com a outra. Todavia, quando tais viajantes encontram-se aqui, em terra firme, com seu grupo privilegiado, composto por outros viajantes astrais, conversam entre si como se tivessem vivenciado, por vezes, a mesma e única experiência. Chegam, segundo eles, a marcar um local determinado para encontro no plano astral. Veem as mesmas coisas e, com facilidade, complementam-se entre si. MEU CÓDIGO, contudo, continua à espera.

 

As alucinações sob a perspectiva parapsicológica 

Sabemos que alguns distúrbios mentais levam a visões ou, mais adequadamente, alucinações. Devemos ter em mente, todavia, que as alucinações, no âmbito da Psicopatologia, não estão associadas a nenhum tipo de ocorrência no mundo real. Daí serem percepções reais de objetos inexistentes, dito de outra maneira, percepções sem um estímulo externo.

Em relação à fenomenologia parapsicológica devemos guardar certa distância, e um enorme cuidado, ao falarmos em alucinações.  

Em parapsicologia não há alucinações, nos termos tratados pela Psicopatologia.[1] Também as ocorrências de natureza parapsicológica não estão associadas a distúrbios mentais.

O termo alucinação é usado em Parapsicologia apenas por falta de uma terminologia própria, e aceita por todos os estudiosos, que identifique adequadamente os estados em que há uma "alucinação parapsicológica" (na verdade uma percepção paranormal). Não há em Parapsicologia uma "alucinação", por definição, uma percepção independente de um objeto, ou evento externo real. Isso, por si só, já deveria desqualificar o uso do termo no domínio da Parapsicologia.  Algo de real no mundo físico propicia a "alucinação"/percepção parapsicológica, ou seja, há sempre um estímulo motivador externo, objetivo. Nenhum dotado tem uma "alucinação"/percepção parapsicológica de morte sem que haja ocorrido uma morte, de fato, no mundo real. O fato dessa percepção transformar-se em uma projeção inconsciente (ideoplasmia), muitas vezes capaz de ser vista por outros que estiverem no mesmo ambiente,  não fazem dela uma alucinação, nos termos que aqui abordamos. Apenas reforça a ideia de um fenômeno distinto, de outra natureza. Talvez seja bom dizer que em Parapsicologia existem percepções em relação ao futuro (precognição), em relação ao passado (retrocognição) e também aquelas relacionadas ao momento presente (simulcognição), todas pertencentes à categoria das PES - Percepção  extrassensorial ou (Psi-Gamma).

 

Visões e aparições: limitando os conceitos 

Separemos ainda conceitos que andam de boca em boca como sinônimos.

Em termos parapsicológicos visões são diferentes de aparições. As visões sempre são de natureza subjetiva. As aparições, por vezes chamadas de materializações, é um dos fenômenos do grupo das ectoplasmias. Implicam em materialidade.

Observemos ainda, o que é comum, que muitos ao afirmarem terem "visões do outro lado", nada mais têm do que sensações, quase sempre associadas a crenças. Tais testemunhos dos "videntes" quando repetidos e sob olhares (e ouvidos) gentis, que não exigem um mínimo de racionalização, tornam-se aparentemente verdades. Nada mais falso.

Guardadas as devidas proporções, isso me fez lembrar de Pirro (318 a.C - 272 a.C), rei dos epirotas, cujo dedo grande do pé, dizia-se, fazia milagres e curava doenças.  Ora, como patranha cria patranha o povo criou, além de tudo, a lenda de que o dito dedo sobreviveu a  cremação do próprio corpo de Pirro. Tudo isso, forjado pelo povo, e repetido à maneira de um mantra, também foi acreditado, como verdade, pelo próprio povo. 

Também o imperador romano Vespasiano ficou célebre por fazer muitos milagres, dentre eles, recuperar a visão de cegos.

Sem querer ser irônico, ou forçar um trocadilho, só "cego" para acreditar nisso. 

Notas 

[1] Discutimos esse assunto em artigo publicado nesta mesma revista com o título O uso do termo alucinação no âmbito da psicopatologia e sua utilização em parapsicologia.

in http://triplov.com/psique/Jose-Roberto-Batista/2012/alucinacao.htm

 

Bibliografia 

AGOSTINHO, Santo, 354-430. Confissões. [trad. Maria Luiza Jardim Amarante. São Paulo: Paulus, 1985. (Coleção espiritualidade)

BAPTISTA, José Roberto. Introdução ao estudo da Parapsicologia. São Paulo: Arké, 2007.

DOYLE, Arthur Conan. História do Espiritismo. [trad. Júlio Abreu Filho], São Paulo: Ed. Pensamento, sd.

GIL, Marcelo Freitas. A inserção do espiritismo no universo cultural europeu: uma análise panorâmica. Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano II, n. 6, fev. 2010 - ISSN 1983-2850 in  http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artigos

HEYDECKER, Joe. Fatos de Parapsicologia: introdução às ciências ocultas. [trad. de Edith Wagner. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1984.

LEWGOY, Bernardo. Representações de ciência e religião no espiritismo kardecista: Antigas e novas configurações. Civitas. Porto Alegre, v.6, n.2, jul.-dez.2006, p. 151-167.  

SUDRE. René. Tratado de Parapsicologia. [trad. Constantino Paleólogo], Rio de Janeiro: Zahar, 1966

 
 
 
 


 
 
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