Cabeçalho de Manuel A. e Sousa
Revista TriploV de Artes, Religiões & Ciências . ns . nº61. novembro-dezembro 2016 . ÍNDICE
Homenagem de A viagem dos argonautas e do Triplov a José Afonso



Gabriela Rocha Martins ,poeta ,escritora e ensaísta ,tem quatro livros editados ,e ,encontra-se representada em várias Antologias e Revistas ,em Portugal e no estrangeiro .Participou em 5 projectos poéticos ibéricos ,faz parte dos Poetas del Mundo e encontra-se representada em Projecto Vercial e na Wikipédia
Colabora nas revistas virtuais Triplov e InComunidades
blogue - “.cante-chão. (contra.ditos e escritos)” (http://cantechao3.blogspot.pt/)

GABRIELA ROCHA MARTINS

a Cultura como poder
ou como instrumento de relações sociais

 

A cultura é um instrumento de relações sociais e a forma pela qual os homens actuam em sociedade” - Célio Turino*

 

a Cultura ,quer queiramos ,quer não ,está presente em todas as acções sociais .a resignação ou inconformismo com que o cidadão encara a sua realidade é, sobretudo, uma conduta cultural .o próprio facto de o indivíduo se aperceber ,enquanto cidadão ,é ,de per si ,fruto de condicionantes culturais e históricas .uma acção governativa que se pretenda progressista ou transformadora ,deverá ter a Cultura como prioridade.

mas a Cultura não pode ser confundida com eventos isolados, que se bastem em si mesmos .muito menos pode ser reduzida a mero entretenimento ou restrita às Belas Artes ou à “alta cultura”, erudita e hermética .a Cultura é isto ,mas não só  .é ,também ,formada pelas referências históricas ,pelos costumes ,pelas condutas ,por desejos e reflexões .evidentemente ,o evento artístico ,como concretização de um processo ,tem um papel fundamental e ,muitas vezes ,é nesses acontecimentos que as pessoas tomam contacto ,pela primeira vez ,com determinadas obras de arte ,e ,são tocadas por elas .o entretenimento ,também ele ,traz uma componente lúdica importantíssima para o Fazer Artístico e seria um profundo elitismo masoquista negar este aspecto agradável da Arte .mas, antes de tudo ,Cultura é “o cultivo da mente” ,ou ,nas palavras de Bertolt Brecht, “(...) é pensar ,é descobrir“.

democratizar a Cultura é democratizar o acesso aos bens culturais universais, permitindo às pessoas adquirirem uma autoconsciência de participação ,e ,ampliar o raio de ação das obras culturais e não ,simplesmente ,adaptá-las ,moldá-las ou enfraquecê-las .permite ao ser humano apropriar-se de instrumentos capazes de romper a falsa consciência alienada e particularista que o impede de desenvolver uma postura crítica diante do mundo em que vive .“deve-se elevar a cultura do povo!” ,defendia e ,muito bem ,Maiakóvski.

a distinção entre Cultura Erudita e de Massas ,e ,destas últimas ,da Cultura Popular ,é uma maneira de hierarquizar as diferenças e assegurar a sobrevivência de um regime social .esta distinção apresenta a elite como detentora de um saber e bom gosto que a legitima ao pleno exercício do poder .às massas – como se existisse esta categoria amorfa e compacta – é oferecida uma cultura pasteurizada, feita para atender às necessidades e aos gostos medianos de um público que não deve questionar o que consome .manter esta distinção significa manter um estatuto de domínio .romper com esta realidade ,difundindo uma cultura que seja instrumento de crítica e conhecimento ,é ,em nosso entender ,o caminho certo para a ampliação da cidadania .vista deste modo, a Cultura deixa de ser um bem secundário em países ,regiões ou comunidades carenciados e passa a ser um bem social ,tal como a Saúde e a Educação .por todas estas razões ,uma gestão pública de Cultura deve ser entendida como prioritária e como alavanca de transformações

 

Gestão cultural

assim sendo ,há que recordar que estes conceitos que envolvem a Cidadania Cultural estão alicerçados no património cultural ,na formação ,na informação e na criação .não se realizam instantaneamente e têm um caminho longo a percorrer .sofrem recuos ,dependem de reavaliações ,e ,geralmente ,são incompreendidos no momento da sua aplicação .num processo de mudanças sociais ,as mentalidades acabam por mudar ,mas sem princípios condutores de mudança nas mentalidades ,não há transformação possível

gerir é – antes de mais – definir políticas .e definir uma política cultural implica ,em primeiro lugar ,um posicionamento ideológico, não podendo ser confundida com um processo neutro de gestão ,porque as decisões nunca são neutras ,assim como a burocracia .cabe lembrar que uma gestão profissional ,e competente ,não é sinónimo de tecnocracia ,mas sim de condutas públicas coerentes ,em que conceitos e políticas são apresentados à sociedade de forma clara ,permitindo o debate e transformando esse debate em realizações e conquistas da cidadania .por isso a criação de Conselhos Culturais locais são essenciais ,no que às Autarquias concerne ,cabendo-lhes a mediação entre o Poder Político e a Sociedade .uma postura democrática de gestão deixa abertas possibilidades para experiências alternativas e ,deste modo ,permite continuidade no agir  ,e não rompimentos a cada nova equipa governativa ,como se a esta coubesse o “inventar a pólvora” .antes fomenta aquilo que é positivo e o ir em frente ,rumo a uma efectiva e consistente transformação .mais que executar ,cabe nobilitar as potencialidades da sociedade ,abrindo espaço a outras Instituições e agentes que não estejam na esfera pública .o Poder político ,seja ele nacional ,regional ou local ,tem de estar ao serviço da Sociedade e nunca o contrário .assumir uma postura mais humilde e menos impositiva quanto à proposição e execução de programas faz a administração pública crescer e coloca-a no importante papel de articuladora de recursos materiais e humanos .romper com a ideia do Poder político omnipresente e autoritário é perceber na Sociedade – e em todos os cidadãos – a principal fonte de produção cultural

 

Cultura como filosofia de gestão governativa

em princípio ,Cultura pressupõe a gestão de todas as acções sociais ,e ,consequentemente ,de todos os programas que a tenham como principal objectivo  ,porque ,antes de mais ,Cultura pressupõe comportamentos .manifesta-se nas mínimas relações do quotidiano e obriga a uma determinada postura frente ao mundo e aos Outros .por exemplo ,a organização das filas num supermercado ,é cultura .a chamada de atenção ao desrespeito e às humilhações ,é cultura .a resistência ou o modo de encarar as adversidades ,é cultura .as lutas ,individuais ou coletivas ,são cultura ,e ,é através da mesma que superaremos as nossas realizações e atingiremos as necessárias reformas

o desafio à Sociedade deve vir através da reflexão crítica dos seus próprios anseios ,redefinindo valores e comportamentos .definindo projectos sociais  .é através da cultura que cada sociedade se afirma – de forma consciente ou não – como passiva, reivindicativa ou participativa .e por mais repetitiva que possa parecer ,é com a cultura ,que uma Comunidade se supera ,quando solidária ,no direito à apropriação das suas memórias ,e ,consequentemente ,toma conhecimento da importância do seu papel transformador

destarte ,cabe desenvolver programas a fim de desenvolver o chamado turismo social .realizar eventos de lazer, cultura e desporto que promovam inter-acções entre os cidadãos .cabe lembrar que a violência urbana ,como todos sabemos ,tem inúmeras matrizes ,sendo ,no entanto ,algumas delas  a ausência do lazer e a falta de perspectivas para “passar o tempo” .a necessidade de cultivar a mente .geralmente ,os  espaços de lazer são pensados para os homens, do mesmo modo como os cafés ,os bares e as mesas de bilhar .às crianças ,às mulheres e aos idosos sobra a televisão e as ruas, quando muito .aos jovens nem isso .a estes resta a falta de perspectivas

Cultura como filosofia de gestão é rendível ,social e amplia os horizontes .por isso mesmo ,devemos estar abertos a importar e exportar diferentes e alternativas experiências culturais .este é o motor da mudança -  o desenvolvimento através do intercâmbio e da troca .a cultura integra acções ,dá sentido às realizações e às reformas .é o fio condutor que une o direito à saúde ,ao transporte ,à escola ,ao trabalho e à cidadania .com ela ,e ,só com ela ,seremos capazes de conduzir as nossas sociedades à igualdade democrática ,recolocando os cidadãos no caminho da emancipação humana.

em resumo: um programa de acção governativa pautado no princípio da cidadania cultural administra a cultura de forma integrada ,sistémica .reconhece ao património histórico e cultural a base da sua acção ,preservando e dinamizando os bens que constituem referências fundamentais para a afirmação e construção de identidades .forma consciências .oferece alternativas e amplia o repertório cultural .informa ,democratiza o conhecimento ,e ,sobretudo ,ouve e respeita as diferenças .convida as pessoas a reflectirem sobre sua realidade e sobre aquilo que desejam .cria ,arquitecta e transforma.

 


*Célio Turino ,historiador

 

Gabriela Rocha Martins
,Setembro de 2016

 
EDITOR | TRIPLOV
Contacto: revista@triplov.com
ISSN 2182-147X
Dir.
Maria Estela Guedes
PORTUGAL
 
 
Página Principal
Índice por Autores
Série Anterior
 
www.triplov.com
Apenas Livros Editora
Revista InComunidade
Canal TriploV no YouTube
António Telmo-Vida e Obra
Agulha
A viagem dos argonautas
Triplov Blog