Revista TriploV de Artes, Religiões & Ciências . ns . nº 60. setembro-outubro 2016
ÍNDICE

Luís Costa escreve poesia e mais algumas coisas. Nasceu numa Sexta - Feira Santa. Já teve o prazer de participar em várias revistas digitais e também (com 4 poemas) no primeiro número da Revista Objeto Surrealista DEBOUT SUR L'OEUF. mas até agora continua inédito em livro. Para além disso pouco há a dizer. Ah!Diz que a biografia do poeta é a sua poesia, pois, a seu ver, fora do poema o poeta não existe. Ama a poesia, mas também a odeia. Sim, poetar é para ele uma questão de ódio e amor. Uma violência amorosa. Talvez mesmo o ( des ) contínuo assassinato do eu para que o poeta se faça. 
LUÍS COSTA

Desglória in excelsis

 

 

I

 

Perdoa-me pai, mas tive que te

Assassinar para sobreviver

Nesta terra onde o terror grassa

Onde cada letra é o princípio

Da desgraça

 

Perdoa-me pai, se maculei

A nossa ínclita raça

Mas tinha de ser, os irados

Deuses assim o quiseram

E assim a fornicar minha mãe

Obrigado fui sem o saber

 

Mas só assim, de facto

Pude aprender a ver

(Tarde de mais?) através

Do sangue na grande cegueira

 

(Preferível teria sido a castração,

mas a pura ignorância dos dias

habitamos)

 

E da minha infame e tardia

Glória, a Sigmund devo a honrosa

Menção.

II

 

 

so weit im Leben ist zu nah am Tod!

                                                       Cristian Friedrich Hebbel

 

 

Osculei o cadáver de minha mãe

Ferido pela sécia do desespero

Como quem beija a própria carne osculei

 

Os seus olhos azuis 

Duas negras pedras reviradas

Mostravam-me a verdade da vida

 

Osculei o cadáver de minha mãe

Senti nos lábios a acrimónia do nada.  

III

 

 Para Charles Baudelaire

 

 

Obscuras lanternas do lado esquerdo

Obscuras lanternas do lado direito

Plátanos com folhas de lata enferrujada

Jovens cavalos pendurados de cabeça

Para baixo na maquete dos pensamentos

 

Vagueias ao longo do ghetto interior

       (um escalpelo entre os dentes)

O ghetto onde as mulheres adormecem

Com crianças sem olhos ao colo

                  Nas trevas de seus peitos

Viceja a secura do leite de Fílis

 

Além   os cemitérios esquecidos

Os cemitérios suburbanos

Onde moram os fantasmas com máscaras de corvo

Onde na encruzilhada dos metropolitanos

Um anjo de pedra te cobiça os olhos

Um anjo de pedra que é um demónio

Um anjo feroz de pedra que te cospe

            Nas faces ainda sujas de Deus

 

Através das linhas que se vão apagando

Cambaleias por entre ossos de esquecimento

Ossos alinhados à altura do sol noturno

Nas maravalhas

Ossos sobre muros de ventrículos

Que as prostitutas erguem

                 Com suas coxas ainda pulsantes

 

Assim transportas os pulsos cortados

Nas mãos abertas

Erguidas para o céu

                                  E do fundo roxo

A luz dos metais sobe

Sobe pelos metacarpos esburacados 

Uma última luz de cocaína no encéfalo gretado

 

Depois   as aves adormecem  coladas

             Aos vidros do tórax

                                       Adormecem

 

Lá dentro   cintilantes

                                   As rosas malditas.

 

David com a cabeça de Golias, Caravaggio

 

IV

 

 

I watched with glee

While your kings and queens

Fought for ten decades

For the gods they made

 

                   Rolling Stones

 

 

Com a justeza dos grandes apaixonados

                  E dos frutos negros, confesso:

 

Ébrio de lucidez vejo a pobreza

Das rosas depostas à porta da fraternidade

E sinto uma ira profunda

Percorrendo-me o palato.

Nunca me conformei,

Nunca fui capaz de me adaptar,

Pois sempre vi no conformismo uma forma

De traição e fraqueza.

Sim, desconfio dos adaptados.

 

Nasci no seio de uma raça que cultivava o fogo,

Uma raça barbárica,

De nobres esfoladores,

Com sentimentos áridos e húmidos.

Nunca tive um ofício.

Deambulo pelo mundo,

Filho do não-lugar, deambulo

E desprezo a humanidade

Com uma fúria secreta, mas ígnea. 

Desprezo as suas pequenas vaidades,

Virtudes e jubilosas alianças

Onde a pureza do animal de facto não existe.

 

Nunca acreditei no beijo dos irmãos com seis sentidos,

Sempre considerei mais sincero o beijo de judas.

 

Sou de facto um animal desesperado,

Rancoroso, mas forte, sujo como a pureza,

Cepticamente intacto e noturno,

Pleno de sede vingativa,

Incapaz de acreditar nos homens

E no seu doce amor social

             Nas suas altivas palavras.

 

Por vezes metem-me pena, os homens

E uma compaixão esbranquiçada inunda-me a alma. 

 

Mas a ira e toda a sua desconciliação

Continuam a crescer em mim;

Como a água doentia e medicinal

Que morde as raízes das flores maléficas

                     Crescem em mim.

 

Sim, cultivo metodicamente a desconfiança

E o desprezo por tudo quanto é humano

              Sou uma erva venenosa

              Nos campos das áureas virtudes.

 

V

 

Estava enfermo, a grande doença tinha-me tomado. Olhava o mundo e só me apetecia vomitar. Ah cada vez mais detestava os homens! A sua pequenez e a sua grandeza. Tão senhores de tudo! Que nojo! Pensava no suicídio. Não queria viver mais no meio destas criaturas. Queria desaparecer. Estava sozinho.  Sofria. Mas era preferível sofrer do que conviver com os homens.

Meti-me no meu quarto, fechei as portas e as janelas. Despi-me. Deixei de comer. Feria-me com os cacos de uma garrafa de Macieira que tinha atirado contra a parede. Batia com a cabeça na parede. Até que o sangue escorresse. Estava farto. Farto. Já não havia salvação. Era um caso perdido. Um caso perdido. As noites e os dias passavam. Só me restava a morte. A morte. A morte. Ah como definhava! Definhava.

Foi então que apareceste. Como por milagre, vinda do nada, apareceste dentro do meu quarto. Estava deitado sobre a cama. Todo nu. Os brancos lençóis sujos de urina, sangue, fezes. Já sem forças. A carne chupada, o rosto lívido, vazias, as pupilas. Pois numa das muitas crises arranquei os próprios olhos.

Aproximaste-te de mim. Deitaste-me ao meu lado. Com etéreos olores, lavaste o meu corpo. Beijaste-me a testa, beijaste-me os lábios. Disseste-me palavras doces. Ah, eu nada via, mas sentia que algo de belo se fazia em mim. Algo de grande. Era uma luz que rasgava as trevas….

E beijavas todo o meu corpo. Beijavas… então, meti-te as mãos entre as pernas. Não te via, mas sentia a humidade do teu sexo, correndo pelos meus dedos. Meti-te um dedo no ânus, outro no sexo. Ah os teus gemidos na minha escuridão! Sentia uma enorme alegria. Sentia a vida regressar a mim. Era um animal ferido que se levantava, urrante, por uma última vez.

Agarraste o meu sexo. Meteste-o na boca. Sentia-o todo na tua boca. Estava esgotado e sofria, mas era um sofrimento divino. A tua boca no meu sexo. A tua boca chupando-o, cuspindo-lhe, e, de novo, chupando-o. Sentia-me ressuscitar. Como lázaro que deixava para trás o seu túmulo e viril caminha por sobre a água.

Chupavas-me e metias-me um dedo no cu. E eu estremecia. Estremecia. Delirava. Delirava. Estremecia. Éramos o mundo. Eu e tu: NÓS. O Nó. Estremecíamos como uma arquitetura.

Por fim, vim-me na tua boca: A tua boca cheia de porra. A tua boca Sedenta. Cheia de porra. O meu corpo enfraquecido, mas feliz. A morte chegava. Sim, chegava. Morria na tua boca. Era a noite da luz. A Grande Iluminação!

 

Caxinas, 2016

 
 
 
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Maria Estela Guedes
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