REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


NS | número 59 | julho-agosto | 2016

 
 
 
 
 

WILSON ALVES BEZERRA

Do pau do Brasil

 

 

1:3

 

Senhor, venha agendar sua morte em terra tropical de avícola belezura. Venha entre morenas índias com cachos de tetas murchas, venha entre os bagos vermelhos conhecer os pentelhos inexistentes indígenas. Venha morrer como fazemos há meio milênio, pois não faltarão modalidades na copa dos corpos importados. Morrer de noite de susto de dengue de pressa de sangue de tiro. Aqui se morre feliz. Se morre depressa. Se morre com a benção da carcaça corrupta que esvaziou o versículo da bíblia da camisinha da traveca sem remédio no posto logo de manhã no assalto do resíduo minério. Venha que afundo sua língua na minha serra pelada de entranhas sem sombra. O corpo da menina custa o que custa uma cerveja gelada, e estamos conversados. Sua olímpica morte, seu dinheiro compra tanto aqui. Venha de viés que há de durar sua oblíqua impressão. Venha para a apoteose do saci no saguão do aeroporto; apenas um par de moedas pelo cheiro de merda, e todo um rio de janeiros. Em que mais posso ajudá-lo, senhor? Aceita uma boceta com maconha, um filé de bronha, um rabo de leite ou prefere ver o menu? Nós aceitamos convênios, nós assinamos contratos. Venha para morrer encostado, com seu dinheiro e seu tédio. Nós podemos lhe satisfazer por dias a fio, até sua carne ficar molinha para nós.


 

1:6

 

Amo meu país, seus quadris prazenteiros, habilidosos em capturar o mais volátil capital. Amo cada miss que derrota uma venezuelana; amo quem conquista a cobiça, com uma cruzada roliça, cada infiel que passou. Não há volatilidade. Não há. Foram anos dividindo para todos. E se hoje falta, um exército de putas há de prover carestias. Pátria grande, eu te evoco, dos pipocos que ouço do Morro dos Macacos, dos arrepios que tenho no sovaco da mulher amada, que a ordem há de imperar, que o os morros serão pacificados e a bala será detida em seu voo pela fé do pastor. Eu prometo, nunca mais molharei a mão da polícia, nem farei gato de água, luz e internet. Observo cada mandamento de Deus. E com a vizinha já não me engraçarei, uma ou duas vezes na semana, porque respeito o compadre Jackson, jornalista bem informado, que nunca mais fará matéria sobre boi zebu. E o fiofó de Eulália não mais comercializarei. Desde que o rábula sacripanta se apropriou de nós, entendi o sentido de mim, e lhe faço oferendas, comunistas em bandejas de prata, para que o novo patriarca nos possa prover. E nesta nova pátria é que quero morrer, contente e contrito, de braços dados com o Juiz a quem dirijo grito, prece e o rabo guloso de minha irmã. Assim será a terra de Jubiabá, ancas para os governantes e dedicação infinita para nós.


 

 

 

3:2

 

 

Como vota o senhor deputado, nobre colega, meu correligionário? Pela família, pela Igreja, por Deus, pela Nação. Voto pelos meus eleitores, da minha cidade, pelo meu bairro, minha rua, pelo destino financeiro dos meus filhos, pela manutenção das nossas terras, porque hoje é um dia feliz, em que vamos tirar o país da mão dos bandidos, que assaltaram nossos cofres, que criaram um rombo e desemprego, que botaram discussões de gênero nas escolas, que redistribuíram renda aos miseráveis que não trabalham. Vamos escorraçar esta corja. E eu voto, com a consciência, com as mãos limpas, por um novo tempo, porque defendo as esperanças, para nossas crianças, pelo estado do tempo, pelos peixes dos rios, pelas filas de formigas que rumam ao formigueiro, pelo mosquito da dengue, que não vai mais picar nenhum brasileiro, pelo fim da companheirada, das esquerdas, eu voto sem medo, eu voto com a mão do grande herói nacional, Coronel Ustra, nosso salvador, eu voto contra os gays que emporcalham nossas mentes, eu voto pela tortura, pelo exército, eu voto consciente de que os fracos não perseverem, eu voto pela livre iniciativa, pela natureza, pela vida, eu voto com uma pistola em riste, neste dia feliz, pelas forças armadas que hão de conduzir a nação. Eu voto com convicção, sem desejo, sem dúvida, sem sim e sem não. Eu não acredito em voto: eu mando, eu mato. 

 

Debate sobre O Pau do Brasil, na
Universidade Federal de São Carlos:
https://youtu.be/1aIwuc7xl7k

O PAU DO BRASIL
Wilson Alves-Bezerra
Urutau, 2016

Wilson Alves-Bezerra é escritor, crítico literário, tradutor e professor do Departamento de Letras da Universidade Federal de São Carlos (Brasil), onde atua na graduação em Letras e na pós-graduação em Estudos de Literatura. Atualmente é Coordenador de Cultura da universidade. É doutor em literatura comparada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, mestre em língua espanhola e literaturas espanhola e hispanoamericana pela Universidade de São Paulo. Tem um livro de contos - Histórias Zoófilas e outras atrocidades (EDUFSCar / Oitava Rima, 2013) e outro de poemas, Vertigens (Iluminuras, 2015). Traduziu dois romances do argentino Luis Gusmán – Pele e Osso (2009) e Hotel Éden (2013), ambos pela Iluminuras; sua tradução de Pele e Osso foi finalista do Prêmio Jabuti 2010 na categoria Melhor tradução literária espanhol-português. Traduziu ainda três livros de contos do uruguaio Horacio Quiroga: Contos da Selva (2007), Cartas de um caçador (2007) e Contos de amor de loucura e de morte (2014), todos pela Iluminuras. Como ensaísta, lançou Reverberações da fronteira em Horacio Quiroga (Humanitas/FAPESP, 2008) e Da Clínica do Desejo a sua escrita (Mercado de Letras/FAPESP, 2012). Como resenhista na área de literatura tem textos publicados nos suplementos literários dos jornais O Globo, O Estado de São Paulo, Zero Hora, Jornal do Brasil, além do mexicano El Universal. Atualmente colabora também com a revista argentina Los Inútiles (de siempre). O texto "Da cremação de Herberto Helder" fará parte do livro Romã sem rosto, de lançamento próximo. 

Links pessoais:

facebook.com/historiaszoofilas
https://youtu.be/jdbrLUn0R98
https://youtu.be/INbNTCBJpM8
https://youtu.be/L8h61wrfqJ0  

 

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