REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


NS | número 59 | julho-agosto | 2016

 
 



MAURÍCIO SILVA &
MÁRCIA FUSARO
Organizadores

MIA COUTO

Uma literatura entre palavras
e encantamentos


São Paulo, 2011

ÍNDICE

Literatura e ciência em Mia Couto

MÁRCIA FUSARO*

Sou escritor e cientista. Vejo as duas actividades,
a escrita e a ciência, como sendo vizinhas e complementares.
A ciência vive da inquietação, do desejo de conhecer
para além dos limites. A escrita é uma falsa quietude,
a capacidade de sentir sem limites. Ambas resultam
da recusa das fronteiras, ambas são um passo sonhado
para lá do horizonte. A Biologia para mim não é tanto
uma disciplina científica mas uma história de encantar,
a história da mais antiga epopeia que é a Vida.
É isso que eu peço à ciência: que me faça apaixonar.
É o mesmo que eu peço à literatura.

 

(Uma palavra de conselho e um conselho sem palavras - Mia Couto)

Introdução          

 

             Para falar de literatura e ciência na obra de Mia Couto recorro, de saída, à lembrança de outros grandes pensadores igualmente tocados pela busca da harmonia e dos encantamentos entre arte e ciência.

            Richard Feynman, Nobel de Física de 1965, teve uma carreira brilhante e destacou-se ao desafiar, por meio de seu olhar crítico-criativo, o status quo da NASA, quando foi membro da comissão presidencial que investigou os motivos que levaram à explosão da nave espacial Challenger, em 1986. Dono de uma personalidade marcante e inspiradora, segundo aqueles que o conheceram de perto, Feynman tocava bongô e era sensível admirador de arte e cultura. Quanto mais exótico o contexto artístico e cultural, mais este o atraía. Por isso, inclusive, tornou-se amigo do Brasil, que chegou a visitar e onde passou a admirar a excentricidade do samba e do Carnaval. Há um capítulo delicioso sobre essa história no livro O senhor está brincando, Sr. Feynman! (2006). Outro de seus interesses artísticos foi o desenho. Reproduzo aqui uma de suas falas, com destaque ao motivo que o levou a se interessar por essa arte, não muito diferente do interesse que vemos em Mia Couto e em outros cientistas-artistas-pensadores:

 

"Eu queria muito aprender a desenhar, por uma razão que eu guardava comigo: eu queria transmitir a emoção que sinto sobre a beleza do mundo. É difícil descrevê-la, por ser uma emoção. [...] É uma apreciação da beleza matemática da natureza, de como ela funciona por dentro; uma percepção de que os fenômenos que vemos resultam da complexidade dos mecanismos internos que envolvem os átomos; uma sensação do quão dramático e maravilhoso isto é. É uma sensação de reverência – reverência científica -, a qual eu sentia que poderia ser comunicada por meio de um desenho a alguém que também tivesse sentido essa emoção" (FEYNMAN, 2006, p.256).

 

            David Bohm, físico quântico que trabalhou com Einstein, na Universidade de Princeton, após a Segunda Guerra Mundial, lecionou na Universidade de São Paulo, na década de 50, quando veio para o Brasil fugindo das perseguições do macartismo (FREIRE, PATY e BARROS, s/d). Para viabilizar sua vinda para a USP, contou com o amigo Albert Einstein, que escreveu para Abrahão de Moraes, então Chefe do Departamento de Física da USP, para o Presidente Getúlio Vargas e para o Governador do Estado, Lucas Nogueira Garcez. Contou também com o empenho do físico brasileiro Mário Schenberg, na época Catedrático de Mecânica Racional e Celeste, além da colaboração de José Leite Lopes e Jaime Tiomno, atuantes em Princeton, naquele período. Na USP, foi nomeado Professor da Cátedra de Física Teórica e Física Matemática, chegando ao Brasil em outubro de 1951 e permanecendo até janeiro de 1955.

            Bohm também trouxe à baila, finamente, a possibilidade de um diálogo entre a arte e a ciência, propondo como pontos em comum às duas áreas o uso da criatividade, a busca de uma verdade e o desejo essencial da harmonia estética. Segundo ele, tanto o artista, quanto o músico, o arquiteto e o cientista, por exemplo, sentem uma necessidade fundamental de descobrir e criar algo novo que se constitua em uma totalidade, em algo belo e harmonioso. Grande parte dos cientistas parece sentir que as leis do universo possuem, em sua essência, uma espécie de beleza bastante significativa, sugerindo que, intimamente, esses pesquisadores não o veem como mero mecanismo. Segundo o físico, portanto, uma das ligações possíveis entre a arte e a ciência, seria essa orientada essencialmente pelo conceito de busca pela beleza.

            Ainda de acordo com Bohm, existem evidências consideráveis de que a beleza não é uma mera resposta arbitrária que nos excita de maneira prazerosa. Na ciência, por exemplo, é possível ver e sentir a beleza de uma teoria somente se esta estiver ordenada, coerente e em harmonia com todas as outras partes geradas de princípios simples, todas trabalhando juntas de modo a formar uma estrutura total harmônica e unificada.

            Desse modo, para o cientista, tanto o universo quanto aquela teoria por ele criada, e que tenta explicar esse mesmo universo, são belos de uma maneira bastante similar àquela como uma obra de arte pode ser considerada bela. Evidentemente que também há diferenças importantes entre o trabalho do cientista e o do artista, e Bohm não deixa de apontá-los. O cientista, mesmo trabalhando no nível das ideias muito abstratas, tem seu contato perceptivo com o mundo mediado por instrumentos. O artista, por sua vez, trabalha na criação de objetos concretos que podem ser perceptíveis sem o uso de instrumentos.

            Mário Schenberg, físico de importância destacável no Brasil, foi também crítico de arte e era, na definição de Haroldo de Campos (1995), um pensador “leonardesco”. O próprio Haroldo, inclusive, também nos serve aqui de exemplo de poeta que se interessou pela ciência e tratou-a finamente em seu trabalho:

 

"-einstein então encurva o espaço: menos / seguro fica o deus-relojoeiro / da clássica mecânica ou ao menos / desenha-se outro enredo sobranceiro / ao de newton: do espaço - qual sensório /de deus - de um absoluto verdadeiro / espaço que se quer não-ilusório / como de um tempo-vero (é em si só e / aparte por um sumo ordenatório / omni-poder que tudo rege e move) / -einstein encurva o espaçotempo e o demo / determinista e previsor remove- / o dâimon-sabe-tudo esse plusdemo / de laplace que vê antecipado / o futuro e o pretérito cinemo [...] volantim entre a causa e o casual- / à entropia (maré sempremontante / da desordem) suspende um demo tal [...] mas volto ao dâimon e à questão da origem: / einstein dizia: “deus não joga dados” / do aleatório (desse acaso-esfinge [...] à física do tempo: mallarmé / sabia (seu coetâneo) que ao azar / jamais abolirá un coup de des" (CAMPOS, 2000, p. 44-5, 51).

 

            Ubiratan D´Ambrosio, destacável matemático e intelectual brasileiro reconhecido no Brasil e no exterior, também pensador fino das interfaces com a arte, foi aluno de Schenberg: “Você não se surpreende muito, conhecendo-o como professor, que ele seja crítico de arte. Ele recria na hora de fazer. E a aula dele era um processo de recriação” (GUINSBURG e GOLDFARB, 1984, p.30). A renomada pintora e escultora Ligia Clark disse sobre ele: “Mário Schenberg foi uma das personalidades mais completas e maravilhosas com quem convivi. Além de ser um físico notável, internacional, o que mais me espantava era seu conhecimento múltiplo em todas as áreas de criatividade, desde as artes plásticas, literatura, conhecimento histórico, religião, problemas extrassensoriais, o que o torna uma figura ímpar” (GUINSBURG e GOLDFARB, 1984, p.30).

            Na atualidade, surpreendemo-nos, por exemplo, com títulos de livros científicos como O Universo Elegante (The Elegant Universe), evidente alusão a um conceito estético aplicado à ciência, lançado em 1999, por Brian Greene, físico quântico com formação em Harvard. Ou mesmo o fato de físicos de olhar esteticamente mais refinado haverem se dedicado à música, como o próprio Einstein, que tocava violino, Max Planck, um dos físicos fundadores da Mecânica Quântica, que tocava piano, órgão e violoncelo e compôs músicas e óperas, além de outros que se voltaram à literatura, a exemplo de Luis Carlos de Menezes, físico e educador brasileiro, que também teve contato com Mário Schenberg, na juventude, tendo ele próprio se tornado autor do livro de poemas Lições do Acaso, onde se lê: “Na penumbra / da visão e da razão / a técnica não preenche / a obscura silhueta do real / É lá que mora a arte” (MENEZES, 2009, p. 15). Outro exemplo são os belos contos sobre o tempo publicados pelo físico norte-americano Alan Lightman, atuante no MIT (Massachusetts Institute of Tecnology), em seu livro Os Sonhos de Einstein (2001).

            Ilya Prigogine, destacável químico vencedor do Nobel em 1977, é chamado por alguns de seus pares de “poeta da termodinâmica”. Ao longo de sua bem-sucedida carreira de cientista, nunca deixou de defender a importância de uma escuta poética da natureza. “A ciência de hoje não pode mais dar-se o direito de negar a pertinência e o interesse de outros pontos de vista e, em particular, de recusar compreender os das ciências humanas, da filosofia e da arte” (PRIGOGINE e STENGERS, 1997, p.41).

            Ernesto Sabato, um dos maiores escritores argentinos, foi físico durante grande parte da carreira, tendo, inclusive, trabalhado no renomado Instituto Curie, em Paris. A certa altura da vida, desiludido com o rumo que via a ciência tomar, decidiu deixar a carreira científica e se dedicar exclusivamente à literatura e à pintura.

 

"A arte foi o porto definitivo onde preenchi meus anseios de navio sedento e à deriva. Cheguei a ela quando a tristeza e o pessimismo já haviam roído meu espírito de tal maneira que, como um estigma, ficaram para sempre entrelaçados à trama da minha existência. Mas devo reconhecer que foi justamente o desencontro, a ambiguidade, esta melancolia ante o efêmero e o precário, a origem da literatura em minha vida" (SABATO, 2008, p. 59-60).

 

            Enfim, vários outros exemplos poderiam ser mencionados de pensadores que entenderam e utilizaram criativamente as interfaces entre arte e ciência, não encarando-as como empecilhos intelectuais, muito pelo contrário. Nesse sentido, Mia Couto é, a nosso ver, mais um feliz exemplo a fazer parte desse grupo seleto movido pela intuição e por um olhar refinado para as possibilidades das interfaces entre a arte e a ciência e que, por isso mesmo, faz toda a diferença na maneira como pensa e escreve sobre as questões humanas. 

Mia Couto: cientista-escritor ou escritor-cientista?

            Mia Couto se define como escritor e cientista (CORREIA FILHO, 2011; COUTO, s/d). O fato de a definição de escritor ser considerada em primeiro lugar sugere o peso que o olhar poético traz à sua produção intelectual. Biólogo por formação, atua profissionalmente na área da ecologia. Em 1996, uniu-se a mais quatro amigos e fundou, em Moçambique, uma empresa que realiza estudos sobre impacto ambiental. Quando fala de ciência, cobra de seus colegas, cientistas da atualidade, um olhar mais voltado à poética da natureza. O mesmo a se refletir com refino em momentos de sua literatura:

 

"Só nós vemos a flor, em si mesma. Mas essa é uma visão ilusória: a flor é a planta toda inteira. A flor existe na fragilidade do caule, estende-se pelas profundezas da raiz; a flor é a terra em redor, é a água que ascende em seiva. Arrancar a flor do cemitério é rasgar a terra onde os mortos fazem morada" (COUTO, 2008, loc. 734);

"Afinal, os homens também são lentos países. E onde se pensa haver carne e sangue há raiz e pedra. Outras vezes, porém, os homens são nuvens. Basta o soprar de um vento e eles se desfazem sem vestígio" (COUTO, 2008, loc. 2058).

 

            Segundo Couto, tanto a ciência quanto a literatura deveriam se deixar conduzir pelo prazer das descobertas, mas a ciência acabou deixando de lado a inquietação, a capacidade de se espantar e de inquirir. Deixou-se, ainda, engolir pela rotina da burocracia, em vez de ir além, movendo-se pela paixão da descoberta. Para ele, o cientista tornou-se um mero funcionário de grandes empresas e é preciso romper urgentemente com essa servidão, pois produzir para o que o mercado espera limita a ciência, levando ao estudo apenas de fatos isolados. Em sua opinião isso também se dá com a literatura, pois o escritor só começa de fato a produzir literatura quando rompe os laços com o que o mercado espera.

            Em sua escrita, o olhar lançado à natureza é sempre tomado por um alto grau de poeticidade. Cientista e poeta por vezes se confundem, como em uma passagem de Venenos de Deus, Remédios do Diabo (2008), em que o médico português Sidónio Rosa dialoga com o velho mecânico naval moçambicano Bartolomeu Sozinho:

 

"Quando Sidónio volta a dar conta do tempo, já Bartolomeu desnovela: '...chovia aquela noite...'.

- Chovia no sonho?

- Oh, Doutor, o senhor sofre mesmo de poesias: então chove nos sonhos?

- Eu, poesias?

- Não é de agora. O senhor já anda poetando há muito tempo. Por exemplo, quando o senhor me aconselha para eu cortar nas bebidas...

- Acha que isso é poesia?

- Então não é? Cortar-se na bebida? A gente pode cortar nas árvores, cortar na roupa, cortar sei lá onde, mas diga lá, Doutor, que faca corta um líquido? Só a faca da poesia [...] Há ainda mais outra: o senhor diz que beber me faz gota. Sabendo os litros que bebo, Doutor, é preciso muita poesia para falar em gota..." (COUTO, 2008, loc. 765).

 

            Nesse romance, o tratamento que Mia Couto dá à ciência e à literatura se mostra bastante peculiar, questionador quanto às fronteiras da subjetividade. A figura do médico português, Sidónio Rosa, que chega à longínqua Vila Cacimba, um lugarejo imerso em poeira e cacimbas (neblinas) enganadoras, dialoga com a imagem objetiva almejada pela ciência, mas, ao mesmo tempo, desvela a aflorada subjetividade desse médico-cientista, a começar pelo motivo que o leva ao lugarejo: o desejo de reencontrar sua paixão, Deolinda, a filha do velho Bartolomeu. Assim, o que move inicialmente esse médico é a paixão. Ao compartilhar o dia a dia com os habitantes do vilarejo, Sidónio se surpreende cada vez mais em quanto a objetividade dos fatos relacionados às doenças daquelas pessoas se confunde com a subjetividade das crendices e do sobrenatural, para eles suficiente para explicar seus males. Temas como realidade e ficção, objetividade científica e subjetividade poética dialogam nas entrelinhas, conduzindo a inúmeras e interessantes reflexões: a ciência consegue mesmo ser objetiva? Até que ponto um médico consegue analisar os fatos com isenção e tomar decisões objetivas, mesmo sob os efeitos de uma paixão? Ciência, misticismo e poesia podem coexistir em um mesmo contexto de descobertas?

 

"- [Dona Munda] Acha que é uma maldição?

- [Doutor Sidónio] Isso não existe, Dona Munda. As doenças possuem causas objectivas" (COUTO, 2008, loc. 23); 

"Desinfectam-se micróbios. Não se desinfectam espíritos" (COUTO, 2008, loc. 291);

"A epidemia que atingiu Cacimba está-se alastrando. Mais e mais pessoas são atacadas de febres, delírios e convulsões. O português recém-chegado é o único médico e não está dando conta da situação. Quem sabe a enfermidade é de outra ordem que escapa às ciências?" (COUTO, 2008, loc.382).

"Falavam da enfermaria improvisada nas traseiras do posto de saúde. Umas tendas de campanha albergavam os soldados atingidos pela estranha epidemia que os convertera em tresandarilhos. Para o médico, aquilo era um hospital-tenda, um local de higiene e assepsia. Para os habitantes da Vila, a enfermaria era uma residência de maus espíritos, um lugar fatalmente contaminado" (COUTO, 2008, loc.549).

"Aquilo que somos não é o simples cumprir de um destino programado nos cromossomas, mas a realização de um ser que se constrói em trocas com os outros e com a realidade envolvente" (COUTO, 2011, loc.1041).

 

            Essas mesmas reflexões, lembremos, estiveram presentes na obra de Guimarães Rosa, grande influenciador, sabe-se, da literatura de Mia Couto. Médico e escritor, também sensível às interfaces entre ciência e arte, Rosa igualmente se lançou a esses pensamentos que o inquietavam. Questões sobre Deus e o Diabo, por exemplo, surgem em inúmeros momentos de sua obra, sobretudo em Grande Sertão: Veredas, como também são trazidas à baila nesse romance de Mia Couto, a começar pelo título assinalado por um dedilhar de ironia: Venenos de Deus, Remédios do Diabo. “E se Deus não nos ajuda, como recusar auxílio do diabo? O segredo, numa vida remendada, é manter o fio na agulha e saber aproveitar a ocasião” (COUTO, 2008, loc. 2074). Também no sertão mineiro de Guimarães Rosa, tão repleto de incertezas quanto as neblinas (cacimbas) da moçambicana Vila Cacimba, o jagunço Riobaldo oscila entre Deus e o Diabo.

 

"[Riobaldo] O sertão está cheio desses. Só quando se jornadeia de jagunço, no teso das marchas, praxe de ir em movimento, não se nota tanto: o estatuto de misérias e enfermidades. Guerra diverte – o demo acha" (ROSA, 2001, p. 75);

 

"Moço!: Deus é paciência. O contrário, é o diabo. Se gasteja. (...) Só que às vezes, por mais auxiliar, Deus espalha, no meio, um pingado de pimenta..." (ROSA, 2001, p. 33).

 

            O debate sobre os limites entre a ciência e a religião também se infiltra no subtexto do romance Venenos de Deus, Remédios do Diabo. Como no diálogo entre o Doutor Sidónio e Suacelência, o administrador corrupto de Vila Cacimba:

 

"[Suacelência] – Você é diferente do padre aqui da Vila.

[Sidónio] – E porquê?

- Os padres, eu conheci-os muito bem, tratam a alma como uma árvore: podam-na. O senhor, não. O senhor trata, digamos, do corpo espiritual" (COUTO, 2008, loc. 880).

 

            Por esse mesmo viés que retrata um médico ciente também das doenças da alma, dá-se, por exemplo, a fala narrativa entremeada a um dos diálogos entre o Doutor Sidónio e Bartolomeu Sozinho: “Um abraço desajeitado a celebrar a inesperada cedência. O doutor evita o corpo cambaleante [de Bartolomeu]: há nesse abraço um trânsito de alma que é bem mais contagioso que o mais virulento micróbio” (Ibid., loc. 958).

            Razão e emoção, para Mia Couto, devem ser perseguidas com equilíbrio, sem nos deixarmos cair na armadilha daquilo que consideramos “realidade”, pois, em essência, esta não passa de um mundo criado por nós.

 

"Uma das primeiras armadilhas interiores é aquilo que chamamos de “realidade”. Falo, é claro, da ideia de realidade que actua como a grande fiscalizadora do nosso pensamento. O maior desafio é sermos capazes de não ficar aprisionados nesse recinto que uns chamam de “razão”, outros de “bom-senso”. A realidade é uma construção social e é, frequentemente, demasiado real para ser verdadeira. Nós não temos sempre que a levar tão a sério" (COUTO, 2011, loc. 1024);

 

"A transgressão poética é o único modo de escaparmos à ditadura da realidade. Sabendo que a realidade é uma espécie de recinto prisional fechado com a chave da razão e a porta do bom-senso" (COUTO, 2011, loc. 1160).

 

            Convidado a falar para um grupo de biólogos, em 2004, na abertura do I Encontro de Biólogos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, em Lisboa, Mia Couto apresentou uma bela fala intitulada “Os sete pecados de uma ciência pura”. Apresenta-se, espirituosamente, como alguém que não é de confiança para aquele grupo: “Não mereço confiança porque me falta a crença, essa espécie de fé que deve ser o chão de um cientista. Sou um biólogo, mas não moro na biologia. Estou na biologia como um visitante, com a alma errando pelos domínios da literatura” (COUTO, 2004, p.1).

            Com seu olhar de fino alcance, discorre sobre a Biologia fazendo um paralelo entre essa ciência e os sete pecados capitais, destacando a ironia de, na atualidade, dizer-se que os sete pecados capitais passaram a ser os sete pecados do capital. Segundo ele, a Biologia, ainda que tente se mostrar íntegra e ligada ao racionalismo científico não consegue desligar-se de uma má companhia, o Poder. E completa: “o Poder move-se por razões que a própria Razão bem conhece” (COUTO, 2004, p.1).

            A vaidade, ou soberba, é mencionada como o primeiro dos sete pecados. Para ele, criou-se uma mistificação em torno da profissão de biólogo, tornando-a romantizada demais. Os biólogos são considerados seres exóticos que justificam a produção de documentários como aqueles da National Geographic, exibidos pela tevê. Por isso a tentação da vaidade, ainda que o cenário real de trabalho, a Natureza com a qual lidam, tenha pouco a ver com aquela dos documentários. Generalizou-se a ideia de que a Biologia está cada vez mais próxima de controlar questões de vida e morte. “Deus escreveu a ovelha, nós publicamos Dolly. [...] Podemos estar a ser convertidos nos sacerdotes de uma espécie de Igreja Universal do Reino da Ciência” (COUTO, 2004, p. 2). Por isso, os biólogos e a Biologia tornaram-se, de algum tempo para cá, um dos temas mais sexy das publicações de divulgação.

            De onde surge o segundo pecado: a luxúria. Por meio de um jogo de sedução onde entram a procura por mais visibilidade e o apoio financeiro a pesquisas, a mídia cobra cada vez mais que biólogos publiquem conclusões simplistas e generalistas, pois dar a correta dimensão da complexidade dos fatos não vende. “Comer ao ar livre previne o cancro da próstata, as loiras são mais propícias a desenvolver atitudes mais ciumentas, foi descoberto o gene do fundamentalismo religioso” (COUTO, 2004, p.3). Couto afirma estar-se lidando, na atualidade, com uma biologia pop ou light, em que cada vez mais os artigos de divulgação genética se assemelham a previsões astrológicas.

            Nesse ambiente de disputas por visibilidade e apoio financeiro, o terceiro pecado, a inveja também surge como uma tentação. Inveja, inclusive, da omnipotência e da omnisciência, pois apesar de todo o aparente poder oferecido pelo maior acesso à leitura dos cromossomos, a Biologia é obrigada a admitir quanto ainda não sabe e quanto precisa se interrogar sobre os usos indevidos do conhecimento adquirido.

            Assim, o quarto pecado, a preguiça, vai ganhando corpo, sutil e silenciosamente, quanto mais os biólogos se deixam abandonar pela reflexão crítica sobre seu próprio trabalho. Afinal, sustentar uma visão crítica dá muito trabalho e nem sempre gera prestígio. Aos poucos, vão cedendo à preguiça de pensar, não mais colocando em pauta quem são, o que sabem e o que fazem. Pensando apenas em sobreviver no dia a dia do trabalho e da pesquisa, aceitam encaixes, ofertas, arranjos, e a ideia de não valer a pena tentar alguma utopia leva ao conformismo e à acomodação intelectual.

            O quinto pecado, a gula, parece estar contido na própria ideia de ciência, considerada isenta e acima de toda e qualquer suspeita. Para Couto, trata-se de uma ideia tão exclusivista que pode ser encarada como sendo, acima de tudo, gulosa e glutona. Engorda, ironicamente, por fazer uma dieta de ignorar outras sabedorias e epistemologias.

            O sexto pecado, a avareza surge quando a ciência guarda somente para si tesouros que muito poderiam ajudar na busca de valores morais para o indivíduo e a sociedade. Cita, como exemplo de desvio, o papel que a ciência atribuiu à competição no processo evolutivo. Ao dizer que a competição e a eliminação dos mais fracos eram o motor da evolução natural, sem querer a Biologia acabou dando crédito à lei do mais forte.

            O sétimo pecado, a ira ganha corpo como consequência do sexto, ao incentivar nos poderosos a ira e o extermínio daqueles considerados mais fracos. Mesmo ciente da simbiose como um dos processos mais poderosos da evolução, e que a capacidade de criar diversidade deu-se como a manifestação mais importante para a adaptação e sobrevivência de nossa espécie, a ciência teima em legar essa consideração a um segundo plano, detalhe fadado convenientemente ao esquecimento.

            Para Couto, o ser híbrido que ele próprio se tornou – biólogo e escritor – lhe tem trazido pouco reconhecimento científico. Por outro lado, tal condição lhe tem trazido outras satisfações, como a de estar mais aberto aos sentidos do que os cientistas em geral.

 

"O ser de um continente que ainda escuta (África está disponível para conversar até com os mortos) me trouxe um estar mais atento a essas outras coisas que parecem estar além da ciência. Não temos que acreditar nessas “outras coisas”. Temos apenas que estar disponíveis. E faço aqui, em família, uma confissão: me entristece o quanto fomos deixando de escutar. Deixámos de escutar as vozes que são diferentes, os silêncios que são diversos. E deixamos de escutar não porque nos rodeasse o silêncio. Ficámos surdos pelo excesso de palavras, ficamos autistas pelo excesso de informação. A natureza converteu-se em retórica, num emblema, num anúncio de televisão. Falamos dela, não a vivemos. A natureza, ela própria, tem que voltar a nascer. E quando voltar a nascer teremos que aceitar que a nossa natureza humana é não ter natureza nenhuma. Ou que, se calhar, fomos feitos para ter todas as naturezas" (COUTO, 2004, p.5).

 

Ao finalizar seu discurso, lembrou ainda que por mais que os presentes soubessem que seus países necessitam de mais técnicos e recursos, pouco adiantará formar mais biólogos se estes não tiverem a capacidade de questionar a si mesmos e a profissão. Para tanto, segundo ele, têm à disposição uma arma de construção massiva: a capacidade de pensar. 

Literatura e ciência: linguagens e con(di)vergências

            Conforme já mencionado, o registro textual com que Mia Couto descreve a natureza se mostra imbuído de uma alta dose de poeticidade. Ainda que biólogo por formação, permitir-se o uso singular e libertador da linguagem poética é, a nosso ver, um dos fatores mais marcantes a guiar sua pena de escritor-cientista. Couto não abre mão da liberdade de expressar sua subjetividade, buscando, mesmo ao falar sobre ciência, conforme visto, uma associação simbiótica entre a linguagem poética (emotiva), e a linguagem científica (referencial):

 

"Há quem acredite que a ciência é um instrumento para governarmos o mundo, mas eu preferia ver no conhecimento científico um meio para alcançarmos não domínios mas harmonias.  Criarmos linguagens de partilha com os outros, incluindo os seres que acreditamos não terem linguagens. Entendermos e partilharmos a língua das árvores, os silenciosos códigos das pedras e dos astros" (COUTO, s/d, p.1). 

 

            Essa busca por uma linguagem de convergência entre a natureza e o homem, uma essência que os identifique in natura, sob a liberdade da expressão poética, nos lembra também belos momentos da prosa poética de outro fascinante pensador, Octavio Paz, Nobel de Literatura de 1990: 

 

"Que o arvoredo não tenha nome e que eu não o veja da minha janela, ao cair da tarde, borrão contra o céu impávido do outono nascente, mancha que avança aos poucos sobre esta página e a cobre de letras que simultaneamente o descrevem e ocultam – que não tenha nome e que não possa tê-lo jamais, é o que me leva a falar dele. O poeta não é o que nomeia as coisas, mas o que dissolve seus nomes, o que descobre que as coisas não têm nome e que os nomes com os quais as chamamos não são seus. A crítica do paraíso se chama linguagem: abolição dos nomes próprios; a crítica da linguagem se chama poesia: os nomes desgastam-se até a transparência, a evaporação. No primeiro caso, o mundo torna-se linguagem; no segundo, a linguagem converte-se em mundo. Graças ao poeta, o mundo perde seus nomes. Então, por um instante, podemos vê-lo tal qual ele é – em azul adorável. E essa visão nos abate, nos enlouquece; se as coisas são, mas não têm nome: sobre a terra não há medida alguma" (PAZ, 1988, p. 104). 

 

            Diferentemente do biólogo que nomeia uma nova descoberta botânica sob o peso milenar do latim, Mia Couto parece caminhar justamente em sentido oposto, caminho cientificamente rebelde e conscientemente assumido, o mesmo apontado por Paz como aquele do poeta que não nomeia as coisas, mas dissolve seus nomes:

 

"A escrita é uma casa que eu visito, mas onde não quero morar. O que me instiga são as outras línguas e linguagens, sabedorias que ganhamos apenas se de nós mesmos nos soubermos apagar. Da minha língua materna eu aspiro esse momento em que se desidioma, convertendo-se num corpo sem mando de estrutura ou de regra. O que quero é esse desmaio gramatical, em que o português perde todos os sentidos" (COUTO, 2011, loc.1970);

 

"Este ser híbrido que faço por ser – biólogo e escritor – me tem trazido pouco rendimento em termos de currículo académico e científico (sou hoje, por desejo assumido, uma verdadeira desautoridade científica)" (COUTO, 2004, p. 4).

 

            Vale a pena estarmos lembrando Octavio Paz também pelo olhar sensivelmente crítico que nutriu em relação a seu país, o México, onde atuou como diplomata. Paz legou a seu tempo e à posteridade belos poemas e ensaios que tornaram sua pátria intelectualmente universal, tanto quanto a Moçambique de Mia Couto, que começa na África e termina por abraçar todo o mundo no tocante às questões humanas. Sobre o papel da ciência, a sofisticação do olhar crítico de Paz também parece caminhar ao encontro daquele de Mia Couto:

 

"Logo que o homem seja o senhor e não a vítima das relações históricas, a existência social será determinada pela consciência e não o inverso, como agora. Não deixa de ser estranho, por outro lado, que as ciências mais objetivas e rigorosas se tenham desenvolvido sem obstáculos dentro destas convicções intelectuais. A estranheza desaparece se se adverte que, à diferença da antiga concepção grega da ciência a da época moderna não é tanto uma versão ingênua da natureza – ou seja, uma visão do mundo natural tal qual o vemos – como uma criação das condições objetivas que permitam a verificação de certos fenômenos. Para os gregos a natureza era sobretudo uma realidade visível: aquilo que veem os olhos: para nós, uma teia de reações e estímulos, uma rede invisível de relações. A ciência moderna escolhe e isola parcelas de realidade e realiza suas experiências só quando criou certas condições favoráveis à observação. De certo modo, a ciência inventa a realidade sobre a qual opera" (PAZ, 1996, p.63-4).

 

            A opção por uma linguagem libertadora e libertária surge em vários momentos da escrita de Mia Couto, sobretudo porque essencialmente poética, seja quando se volta à escrita ou à oralidade. Seu “desidioma”, para além de criar neologismos poéticos e subverter os processos linguísticos, parece buscar ainda uma essência que transponha os limites da língua para alcançar sobretudo linguagens, pedras de toque entre elementos, fenômenos, indivíduos. Nesse processo, a escrita, a oralidade e a leitura ganham todo um frescor em sua obra. Não somente o registro escrito interessa a Mia Couto, mas, sobretudo, também a oralidade e a leitura, consideradas sob o registro literário em detrimento da referencialidade científica.

 

"[Doutor Sidónio] - Você devia sair, apanhar sol. Qualquer dia, você está da minha cor.

[Bartolomeu] - O senhor não tem cor, Doutor. As pessoas não têm cores. Ou têm cores que não têm nome" (COUTO, 2008, loc. 784);

 

"Ao sermos donos das palavras somos mais donos de nossa existência" (COUTO, 2011, loc. 1003);

 

"Ensinar a ler é sempre ensinar a transpor o imediato. É ensinar entre sentidos visíveis e invisíveis" (COUTO, 2011, loc. 1030);

 

"Armadilha é pensar que a sabedoria tem residência exclusiva no universo da escrita. É olhar a oralidade como um sinal de menoridade. Com alguma condescendência, é usual pensar a oralidade como patrimônio tradicional que deve ser preservado. O culto de uma sabedoria livresca pode contrariar o propósito da cultura e do livro que é o da descoberta da alteridade" (COUTO, 2011, loc. 1047).

 

            A escrita de Guimarães Rosa, lembremos mais uma vez, também moveu-se sob essa mesma rebeldia de cientista-poeta em relação à linguagem. Nas palavras do próprio Mia Couto:

 

"Rosa não foi apenas escritor. Enquanto médico e diplomata, ele visitou, e tardiamente, a literatura mas nela não fixou residência exclusiva e permanente. Ao ler Rosa percebe-se que, para se chegar àquela relação de intimidade com a escrita, é preciso ser-se escritor e muito escritor. Mas por um tempo é preciso ser-se um não-escritor. É preciso estar livre para mergulhar no lado da não-escrita, é preciso capturar a lógica da oralidade, é preciso escapar da racionalidade dos códigos da escrita enquanto sistema de pensamento. Esse é o desafio de desequilibrista – ter um pé em cada um dos mundos: o da escrita e o da oralidade. Não se trata de visitar o mundo da oralidade. Trata-se de deixar-se invadir e dissolver pelo universo das falas, das lendas, dos provérbios" (COUTO, 2011, loc. 1126);

 

"Rosa instaura [...] o narrador como mediador de mundos. Riobaldo é uma espécie de contrabandista entre a cultura urbana e letrada e a cultura sertaneja e oral" (COUTO, 2011, loc.1181).

 

            Verifica-se que Mia Couto também se utiliza da figura de um médico, transformando-o em voz narrativa a contrabandear passagens entre a ciência e a literatura, em diálogos que misturam a cultura urbana, letrada, e a cultura sertaneja, oral, no contexto de Vila Cacimba.

            Essa espécie de transgressão da linguagem que se quer objetiva, científica, referencial, mas que acaba por “se contaminar” por um alto grau de subjetividade poética, também faz lembrar os relatórios escritos por Graciliano Ramos, na época em que foi prefeito de Palmeira dos Índios, no estado de Alagoas, Brasil, e que acabaram por adquirir notoriedade justamente pelo uso inusitado da linguagem que mistura objetividade e subjetividade. Ali a linguagem que deveria ser referencial, própria para um relatório, mistura-se a uma linguagem de expressão poética que foge ao que se espera de um relatório, mas nem por isso o torna menos informativo e detalhado. Nos relatórios de Graciliano Ramos, leem-se passagens deliciosas, do tipo:

 

"Exmo. Sr. Governador:

Trago a V. Ex.ª um resumo dos trabalhos realizados pela Prefeitura de Palmeira dos Índios em 1928.

Não foram muitos, que os nossos recursos são exíguos. Assim minguados, entretanto, quase insensíveis ao observador afastado, que desconheça as condições em que o Município se achava, muito me custaram.

COMEÇOS

O principal, o que sem demora iniciei, o de que dependiam todos os outros, segundo creio, foi estabelecer ordem na administração.

Havia em Palmeira inúmeros prefeitos: os cobradores de impostos, o Comandante do Destacamento, os soldados, outros que desejassem administrar. Cada pedaço do Município tinha a sua administração particular, com Prefeitos Coronéis e Prefeitos inspetores de quarteirões. Os fiscais, esses, resolviam questões de polícia e advogavam. [...]

ILUMINAÇÃO

A iluminação da cidade custou 8:921$800. Se é muito, a culpa não é minha: é de quem fez o contrato com a empresa fornecedora de luz. [...]

CEMITÉRIO

No cemitério enterrei 189$000 – pagamento ao coveiro e conservação" (RAMOS, s/d, p.23-7). 

 

            Nota-se, portanto, possibilidades de convergência entre arte e ciência em momentos de “contaminação” entre suas linguagens. Delimitar fronteiras excessivamente demarcadas entre essas áreas do conhecimento, ao que parece, tem trazido mais perdas do que enriquecimentos à humanidade, limitando os alcances da criatividade e da sensibilidade e, por consequência, a ampliação do próprio conhecimento. Mesmo quando o que está em jogo é o rigor exigido pela linguagem da ciência, tudo indica ser salutar o cientista estar aberto à sensibilidade, até mesmo para conseguir enxergar novas descobertas. Todavia, é importante que fique claro que isso não significa estarmos sugerindo que se transponha inadvertidamente e de maneira irresponsável as fronteiras de identificação entre as áreas do saber, mas abrir-se aos sentidos, de modo menos preconceituoso e mais inteligente. Manter viva a capacidade de pensar dosando razão e subjetividade, a exemplo desses pensadores “híbridos”, como o próprio Mia Couto se define, dotados de um olhar intuitivamente sensível e criativo para a linguagem do mundo.

Considerações finais

            Para os padrões da ciência muito conservadora, provavelmente Mia Couto seja visto como um rebelde, um transgressor. Entretanto, sua expressão intelectual parece bastante afinada com um mundo que caminha cada vez mais para a consideração das complexidades a interligar os fenômenos, incluindo-se nisso a admiração pela beleza desses processos. Além daqueles já mencionados na introdução, outros pensadores de peso se voltaram, e ainda se voltam no presente, a ideias favoráveis à consideração de um maior diálogo entre as áreas do saber. Para mencionar apenas alguns, lembremos Gilles Deleuze, Michel Foucault, Thomas Kuhn, Carl Sagan, Edgar Morin, Domenico de Masi, Zygmunt Bauman, Rupert Sheldrake, Fritjof Capra, Fred Alan Wolf, Amit Goswami, Allan Watts, Ken Wilber, entre vários outros que com certeza deixamos de citar.

            Querer entender a ciência sem considerar, ao mesmo tempo, e com a devida seriedade, o desejo de descobrir o novo, a beleza dos intercâmbios manifestados na Natureza, as emoções do cientista, entre outras questões que apontam para a subjetividade, leva a ciência a se fechar em seus preconceitos, não abrindo espaços para compartilhamentos criativos que, inclusive, conduzam-na a novas e interessantes descobertas. Por outro lado, querer apreciar e entender a arte sem levar em consideração a necessidade do estudo aprofundado dos conceitos que a norteiam, da pesquisa objetiva e investigativa dos contextos delineados nas entrelinhas das manifestações artísticas também é, por certo, limitar o entendimento da arte, considerando-a, ingenuamente, mera manifestação emotiva. Assim, que se busque de modo equilibrado e inteligente, objetiva e subjetivamente, veredas de possibilidades de diálogo entre a arte e a ciência. Nesse sentido, conforme viu-se, Mia Couto pode ser considerado como um dos intelectuais de destaque na atualidade a nos mostrar refinadamente um caminho.

Referências bibliográficas


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CORREIA FILHO, João. “Ciência e Literatura. Mia Couto: errar é biológico”. Brasil: Site Planeta Sustentável/Revista National Geographic Brasil, 05/2011. Disponível em: http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/ambiente/entrevista-escritora-mia-couto-errar-biologico-627891.shtml (Consulta em 04/02/2014).


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* Doutora em Comunicação e Semiótica (PUC-SP); Mestra em História da Ciência (PUC-SP); Especialista em Língua, Literatura e Semiótica (USJT). Professora e pesquisadora do Departamento de Educação da Universidade Nove de Julho (UNINOVE), onde coordenou durante dez anos o curso de Letras, assim como diversos projetos de pesquisa e extensão universitária. Líder de Pesquisa do Grupo Linguística e Literatura: teorias e práticas discursivas (CNPq - UNINOVE). Integrante dos seguintes grupos de pesquisa: Tempo-Memória: Educação, Literatura e Linguagens (CNPq - UNINOVE); TransObjeto (CNPq-PUC-SP), vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Tecnologias da Inteligência e Design Digital da PUC-SP; Palavra e Imagem em Pensamento (CNPq-PUC-SP), vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica da PUC-SP. Membro do quadro de pesquisadores do CICTSUL (Centro Interdisciplinar de Ciência, Tecnologia e Sociedade), da Universidade de Lisboa. Pesquisadora das interfaces epistemológicas entre educação, arte, comunicação e ciência.

 

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