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Susana Maria Roque
Bravo Lisboa).
Licenciada pela Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa no curso de Línguas,
Literaturas e Culturas em Estudos Portugueses e
Românicos, posteriormente fez o mestrado pela
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da
Universidade Nova de Lisboa em Línguas,
Literaturas e Culturas em estudos Franceses e
Portugueses sobre a orientação do professor
doutor Nuno Júdice na dissertação
A Fala do Corpo em
Luiza Neto Jorge e Luís Miguel Nava.
Atualmente está a fazer o doutoramento na mesma
faculdade do mesmo curso em Estudos Comparados.
Escreve trimestralmente para a revista Nova
Águia, sob a coordenação do professor doutor
Renato Epifánio.
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SUSANA BRAVO
O Crepúsculo
em Fernando Pessoa e Florbela Espanca
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"Todas as coisas têm o seu mistério, e a poesia
é o mistério de todas as coisas."
Federico Garcia Lorca (1),
“Conversa sobre o teatro”
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Propõe-se uma análise
dos poemas “Impressões do Crepúsculo”, de
Fernando Pessoa, e “Crepúsculo”, de Florbela
Espanca, ambos os poetas contemporâneos um do
outro. Porém, dada a sua complexidade e
ambiguidade, serão tidas não apenas em conta as
semelhanças mas sobretudo as dissemelhanças
presentes nos respectivos poemas. Cada um é
diferente, um do outro no que diz respeito, em
primeiro lugar, à forma: em “Impressões do
Crepúsculo” de Fernando Pessoa o verso é livre e
não há rima, poema de 22 versos composto de
forma narrativa, vejamos:
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“Pauis de roçarem
ânsias pela minh'alma em ouro...
Dobre longínquo de Outros Sinos... Empalidece o
louro
Trigo na cinza do poente... Corre um frio carnal
por minh'alma...
Tão sempre a mesma, a Hora!... Balouçar de cimos
de palma!...
(…)”
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Em “Crepúsculo” de
Florbela Espanca o poema é um soneto (composto
por 14 versos e disposto em dois quartetos e
dois tercetos), aparecendo ora de rima
interpolada como nos dois primeiros (ABBA) ora
de rima emparelhada (AA), nos dois últimos
correspondendo à forma clássica e tradicional,
contrariamente a “Impressões do crepúsculo”,
onde se constata um rompimento da forma clássica
da estrutura do poema que vigora nesta primeira
metade do século XX., vejamos:
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“Teus
olhos, borboletas de oiro, ardentes
Batendo as asas leves, irisadas,
Poisam nos meus, suaves e cansadas
Como em dois lírios roxos e dolentes...
(…)
E a tua boca rubra ao pé da minha
É na suavidade da tardinha
Um coração ardente palpitando...”
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A forma é marcadamente influenciada pelo
Paùlismo que Pessoa inaugura em “Impressões do
Crepúsculo”. O poeta retrata e invoca pelo
substantivo “Pauis”, contrastando assim com o
tradicional que Florbela Espanca não se imiscui
de representar na sua poesia provençal
originária do século XVI de Itália. Ora de que
modo se pode comparar o estilo dos dois poemas?
Em que sentido o seu antagonismo se revela
preponderante na compreensão do conteúdo de cada
poema?
O Paùlismo estreia-se
no poema “Impressões do Crepúsculo”, surgido em
1914, no número único da revista «A Renascença»,
e documenta a primeira vinda a público de Pessoa
como poeta português, que introduz esse estilo
de poesia que se define pela voluntária desordem
expressa do subjectivo, isto é, não se revela um
poema concreto quanto ao conteúdo e forma, mas
sim ambíguo, através da “associação de ideias
desconexas”, em que o poeta parece não revelar
qualquer tipo de coerência: “(…)
Címbalos de Imperfeição...Ó tão antiguidade
A hora expulsa de si-Tempo! Onda de recuo que
invade (…)” –, a utilização de frases
exclamativas e nominais que não se verifica como
em “Crepúsculo” de Florbela: “Tão sempre a
mesma, a Hora!... Balouçar de cimos de palma!...(…)/
A hora
expulsa de si-Tempo! Onda de recuo que invade
(…) –, frases sintácticas agramaticais: “transparente
de Foi, oco de ter-se” –, vocabulário expressivo
de entorpecimento, desfalecimento por parte do
sujeito poético sobre um modo subjectivo numa
tentativa de se encontrar a si mesmo e ao
universo que o envolve: “(…)E
recordar tanto o Eu presente que me sinto
esquecer!../ Fluido de auréola, transparente de
Foi, oco de ter-se.../ O Mistério sabe-me a eu
ser outro... Luar sobre o não conter-se... (…)”
–,
uso de maiúsculas que traduzem a profundidade
espiritual de certas palavras:
«Outros
Sinos»,
«Horas»,
no comentar de Sá-Carneiro (2):
“Quanto aos PAUIS…Eu sinto-os, eu compreendo-os,
e acho-os simplesmente uma coisa maravilhosa…É
álcool doirado, é chama louca, perfume de ilhas
misteriosas o que você pôs nesse excerto
admirável, onde abundam as garras…”
Assim sendo, a estrutura dos poemas revela-se
preponderante quanto ao conteúdo que apresentam,
incluído as suas divergências. Em Pessoa há a
preocupação pela criação artística do inovador
na poesia, no momento em que a cultura em
Portugal recebia fortes influências do futurismo
de Marinetti (3).
A criação da revista
Orpheu
é prova disso pelos jovens poetas Fernando
Pessoa, Mário de Sá-Carneiro e Almada Negreiros
que criam um clima de escândalo e irreverência,
num universo cosmopolita masculinizado e
intelectual. Todavia, Florbela é fortemente
excluída do núcleo intelectual dos poetas
portugueses, ademais por ser mulher, filha
ilegítima e originária de Vila Viçosa – factores
que dificultaram a consideração da poeta. Na
linha desta temática veremos em seguida a
análise do conteúdo de cada poema, tendo em
conta os aspectos que dizem respeito ao universo
poético de cada autor, na expressividade do
«eu».
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O
«eu»
absoluto pelo “crepúsculo” em Fernando Pessoa
e Florbela Espanca
O eu absoluto dos respectivos poetas é
complexo e ambíguo, distinguimos assim dois
«eu»,
um eu feminino e um eu masculino.
Mas o interessante será constatar que não é pela
sua diferença em género que este
«eu»
absoluto dos dois poetas se distancia. A
complexidade e a diferença provêm porém da
essência do tema que cada poema trata, o seu
conteúdo. Em “Impressões do Crepúsculo” o
«eu»
percorre todo o poema entre o
«je-moi»:
“(…)O meu abandonar-me a mim próprio até
desfalecer,/
E
recordar tanto o Eu presente que me sinto
esquecer!...”, não há um destinatário directo, ou seja, um
«tu»
a que o «eu»
se
dirija, apenas é iludido o tempo e a hora,
surgindo sob um aspeto animado e personificado:
“Tão sempre a mesma, a Hora!... (…)A hora
expulsa de si-Tempo! Onda de recuo que invade
(…)”. O poema é ausente de amor físico e o
desejo, presentes todavia em “Crepúsculo” de
Florbela Espanca, onde a poeta invoca o amado e
projeta nele a sua imagem perdidamente saudosa e
melancólica: “Teus
olhos, borboletas de oiro, ardentes / (…) Meu
Amor, não sentes? (…)/ Como vagas saudades de
doentes...”
Em Pessoa, o «eu»
encontra-se desfragmentado, busca o outro
«eu»
de si mesmo, mas não o encontra, e não se
achando, desfalece e dispersa-se pela
intemporalidade que o envolve – o tempo e a hora
evocados de forma perturbadora e causal de toda
a existência e conflito interior que se passa
dentro do poeta: “ (…)
A hora expulsa de si-Tempo! Onda de recuo que
invade/ O meu abandonar-me a mim próprio até
desfalecer,/
E recordar tanto o Eu presente que me sinto esquecer!...(…)”.
O outro
afinal não está onde julgo estar, isto é, o
outro de “mim” que apela o poeta é uma mera
ilusão, um fantasma “(…)
O
Mistério sabe-me a eu ser outro...”, permanecido
no enigmático que abre assim uma polaridade de
si mesmo, a descoberta de outro de mim que me
habita. O poema centra-se num tema
essencialmente metafísico, pela procura do
«eu»
ideal, mas onde está a outra “parte” de mim
desfragmentada? É nesse conflito de dualidade
entre o ideal e o real com que se debate o
poeta, enfrentado a realidade como algo penoso a
ele que anseia viver na ilusão de si mesmo e de
tudo o que o envolve – dizendo respeito
essencialmente o presente que é algo
irremediável e o lança no esquecimento, pois o
presente representa a realidade, ou seja, o anti
ideal o anti tudo em suma: “(…)E recordar tanto
o Eu presente que me sinto esquecer!.../(…)
Horizontes fechando os olhos ao espaço em que
são elos de erro...”, como comenta George Rudolf
Lind a propósito de “Impressões do Crepúsculo”:
“O mundo não fornece resposta à ânsia indefinida
de Ideal, fechando-se a qualquer tentativa de
escape para além dos limites do mundo de sonho
por nós mesmo construído. Imagens desta nossa
limitação concluem o poema: primeiro horizontes,
depois portões numa indiferença de ferro –
impondo barreiras ao poeta e aos seu mundo de
sonho, para além das quais ele não consegue
escapar (4).”
Esse outro «eu»
inatingível, que o poeta procura alcançar, é o
«eu»
romântico
que vemos em Florbela em “Crepúsculo”. Aqui
trata-se do «eu»
procurar no «eu»
o outro «eu»
de si que falta, completando-se apenas quando se
associar ao amado por quem anseia: “(…)E
os lírios fecham...Meu Amor, não sentes?(…)/
Como vagas saudades de doentes...”. E enquanto
em “Impressões do Crepúsculo” o eu medita em si
mesmo, quão presente a abandonado se encontra de
si mesmo: “(…)
O meu abandonar-me a mim próprio até
desfalecer,/E recordar tanto o Eu presente que
me sinto esquecer!...”;
em “Crepúsculo” no eu avulta a melancolia, a
condenação, a solidão e a saudade que exalam de
Florbela Espanca o seu drama existencial e
melodramático amoroso, inversamente do drama
existencial e conflitual de Fernando Pessoa,
ambíguo e complexo.
Podemos verificar um «eu» narcísico tanto num
poema como noutro, embora representados em
aspectos distintos e paradoxais. O «eu» de
Florbela projeta-se no «tu» do amado através da
sua imagem emblemática, moldada do «eu» feminino
florbeliano amolecido, desfalecido, frágil e
cansado, entregue ao amor total do «tu» que é
certamente no entender da poeta mais forte e
combativo, que ela, tal como refere Nuno Júdice
(5): “A
descrição do corpo, em Florbela, tem uma
coerência que se fixa em três pontos nucleares:
as mãos (e os dedos), a boca (e os lábios) e os
olhos (e as pálpebras) (…)
Um outro aspecto da
imagem do corpo tem a ver com a oposição entre o
corpo do sujeito e o do Outro – um Eu e um Tu em
que se opõem a negatividade do Eu à positividade
do Tu.
São estes os elementos polarizadores de um
conjunto de imagens que, por fim, talvez se
tornem repetitivas pela sua insistência”.
E verificamos, assim, no poema, «olhos» do eu
comparados a «lírios roxos e dolentes», «a boca»
comparada a «rosas desmaiadas», e as «mãos»
vistas como «maceradas», a imagem do «eu»
romântico desesperado e em sofrimento face ao
forte amado paradoxalmente distinto do «eu»
existencial de Pessoa, onde todavia não se
imiscui de haver um subtil narcisismo pessoano
que enleva o poeta a projetar no “outro” o seu
«eu» ideal que anseia encontrar e ver-se em si
próprio – imagem ideal e perfeita de si mesmo,
jamais alcançada.
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As almas em
expansão em Pessoa e Florbela
Em
ambos os poemas, verifica-se uma expansão da
alma dos autores no abrir e fechar de sentidos
patentes e plausíveis em todo o declamar poético
pelo que lhes avulta no seu ser paradoxal e
controverso. Em Pessoa a alma é difusa e ressoa
a inércia e o entorpecimento, tal como o poeta
refere: “Pauis de roçarem ânsias pela minh’alma
em ouro…”; a alma é vista de forma paradoxal e
controversa, ora caracterizada como “ouro” –
associação do perfeito e ideal –, ora
caracterizada como “frio carnal” associada ao
indiferente. A alma do poeta surge então assim
oscilante, entre o “ouro” que brilha e o “frio
carnal”, enfrentando um vazio. A alma revela-se
agitada e em desassossego, frívola – dividida
entre o “tédio de viver” e o mistério absurdo do
«eu» em procurar-se a si mesmo, questionando,
através disso, todo o enigmático e absurdo das
coisas e de si mesmo. As expressões utilizadas
pelo autor anunciam esse “vago” inerte de ideias
soltas e desconexas, isto é, expressando
sensações vagas, pouco precisas e concretas,
ambíguas, próprias para um «eu» pensante,
meditativo, filosófico, impregnado em ideias
profundas, que dizem respeito ao interceptar do
poeta com o mundo pelo Paulismo. A «Hora» surge
como elemento dissonante, impeditivo da
concretização desse «eu» ideal do poeta, ela é o
entorpecimento, a fadiga e o obstáculo à
concretização perfeita e ideal do ser: “(...)
Tão sempre a mesma, a Hora! … Balouçar de
cimos de palma!”; subentendendo-se a esta o
avançar do tempo descrito como enfático, não
proporcionando prazer ao poeta, mas sim
entorpecimento, desânimo, confusão e melancolia.
Porém, é a hora que o transporta à outra
dimensão, ao outro lado de si e dos sonhos que
habitam no poeta e lhe dão essa satisfação
aparentemente boa e necessária para o «eu» viver
em perfeita harmonia e preexistir, o que não
deixa de ser uma mera ilusão. A alma é
intelectualizada, pelo que não se constata
nenhuma referência face aos sentimentos da ordem
do provir de emoções, sensações – rejeita o
amor, as paixões exacerbadas, passando a
intelectualizar tudo, convergindo isso apenas em
pensamentos, ideias subjetivas criadas que
habitam no «eu» até ao redescobrir
incansavelmente da sua alma. Já de forma
preponderantemente próxima disso surge-nos a
alma de Florbela Espanca, diferente do
intelectualizar em Pessoa – como se pode
constatar em “Crepúsculo”, o «eu» avulta uma
imagem de mártir romântica, abnegada do amor
ausente que causa dor e saudade, tal como ela
expressa através da fisionomia pelos traços
físicos do seu corpo em sofrimento: “(…)
E as minhas pobres mãos são maceradas/ Como
vagas saudades de doentes...”; assim é no
entender de Fernando Pinto do Amaral (6),
no seu prefácio a Florbela Espanca: “Será,
pois, entre as quimeras de felicidade prometidas
pela poesia ou pelo amor (como sentimento
idealizado, mitificado) e, no pólo oposto, as
magoadas desilusões de uma existência votada ao
sofrimento e à incompreensão alheia, que se
elevará o essencial da mensagem lírica desta
autora cujos textos desenvolvem, acima de tudo,
o tópico central de uma carga dolorosa vivida e
suportada como o sinal de um destino único e até
grandioso.”. A expressão Dor ganha uma
omnipresença em o
Livro de Mágoas
(7) e a Saudade em o
Livro de
Soror Saudade
(8), a que
pertence este último poema em análise, publicado
em Janeiro de 1923, fruto da conturbada vida
amorosa e sentimental que teve – escreve-o na
sequência do seu novo amor, António Guimarães,
que é o destinatário desta poesia mitificada de
saudade e entrega total. A alma de Florbela
surge-nos, assim, de forma expansiva e aberta ao
amor e à paixão, pelos quais se abnega, e que
novamente a encaminham para o despertar da vida
– o encontrar de um sentido para a sua
existência, enquanto «eu» feminino, reforçando o
lado mais erótico e sensual que expressa a poeta
pela sua «boca» e a do amado: “(…)
Minha boca tem rosas desmaiadas/ E a tua
boca rubra ao pé da minha/ É na suavidade da
tardinha/ Um coração ardente palpitando...”,
motivos ligados ao beijo e à tentação. No
entanto, como o título do poema nos sugere,
“Crepúsculo” é um amor impossível no invólucro
das sombras, do enclausuramento e da decadência,
como pertença do Livro Soror de Saudade,
a saudade e essa impossibilidade de amar é uma
fuga a todo o prazer erótico expresso, por assim
dizer frustrado, como explica Fernando Pinto do
Amaral: “(…)
sonetos que exprimem o drama psicológico e
afectivo de uma mulher para quem o amor se
erguia como experiência vital e absoluta, mas
geralmente frustrada e por isso geradora de
sofrimento (9).”
Porém, apesar das suas dissemelhanças na alma,
ambos os poetas aproximam-se de uma alma
desfalecida e atormentada – em Pessoa uma
alienação total do poeta que condu-lo a um
esquecimento de si mesmo:
“(…)
O meu abandonar-me a mim próprio até desfalecer,
/
E
recordar tanto o Eu presente que me sinto
esquecer!...”; em Florbela uma abnegação total
que se encontra em entrega total e desfalecida:
“(…)Poisam
nos meus, suaves e cansadas/
Como em dois lírios roxos e dolentes...”
Nesta breve abordagem feita ao interior da alma
de um «eu»
feminino e de
«eu» masculino de características antagónicas,
veremos em seguida a ambiguidade do termo
“crepúsculo” a que ilude este ensaio, tendo em
conta a amplitude que evidencia no universo
pictórico que cada poema expressa.
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A ambiguidade no termo “crepúsculo”:
A pluralidade do significado crepúsculo nos dois
poemas
O termo «crepúsculo», como a própria palavra de
origem latina «crepusculu»,
significa no dicionário «claridade frouxa que
precede o raiar do dia; declinação; decadência;
ocaso – da vida: a velhice». Indica qualquer
coisa de declinativo, sombrio, de uma claridade
esmorecida, frágil e apagada. É essa a imagem
que os poemas tanto de Fernando Pessoa como de
Florbela Espanca evidenciam. Embora os títulos
tenham em comum a palavra “crepúsculo”,
consideram uma ampla divergência – ademais num
existe apenas “Impressões do Crepúsculo” e no
outro o “Crepúsculo” propriamente dito,
denotando já assim diferenças quanto ao sentido
de cada poema. No poema de Pessoa apela-se a uma
percepção fugaz, imprecisa, que deixa a sensação
apenas por meras “impressões”, marcado pela sua
subjectividade; já no poema de Florbela o título
“Crepúsculo” sugere-nos a ideia de ser mais
concreto, concretamente fala do declinar do dia,
ou seja, do declinar da paixão acompanhado pelo
desfalecimento da poetisa, não revelando por
isso grande ambiguidade. Sabe-se desde logo que
o título diz respeito ao amor, a um amor
crepuscular, mergulhado na saudade e na dor que
traz à poeta. Na sequência disso, o seu
desfalecimento, a sua fraqueza e impotência face
ao que pretende alcançar e perdurar dentro dela
própria: o amor. O título “Impressões do
Crepúsculo” sugere a percepção inversa, o
sentido leve e “impressionista” que o poeta quer
dar do crepúsculo, que no entanto se adensa e se
complexifica, tornando-se ambíguo ao longo de
todo o poema em que o universo existencial se
expande, paradoxalmente ao universo sentimental
de Florbela. A pluralidade do termo reside na
linguagem poética encontrada em cada poema,
tendo em conta o que cada um trata, tal como já
foi referido anteriormente.
Num
levantamento das palavras dos respectivos
poemas, na negatividade que comportam,
constatamos palavras paralelas como: «esquecer»/
«desfalecer»
/ «Portões
vistos longe...»
= «E
os lírios fecham»;
«Azul
esquecido em estagnado...»
= «Como
pálidas sedas, arrastando...».
Os poemas sugerem uma imagem pictórica
preponderante para compreender a ambiguidade do
sentido «crepúsculo», que ganha destaque na
acentuação da «pintura imagística» no universo
poético dos autores.
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(1) Poeta espanhol,
andaluz de Granada, vítima da guerra civil
espanhola e contemporâneo de Fernando Pessoa e
Florbela Espanca.
(2) Georg Rudolf
Lind,
Estudos sobre Fernando Pessoa: Mario de
Sá-Carneiro,
Cartas
a F. P, Lisboa, 1958, vol. I, p.116.
(3) Flippo Tommaso Marinetti escritor,
poeta, editor, ideólogo, jornalista e
ativista político italiano. Foi o iniciador
do movimento futurista, cujo o manifesto
publicou no jornal parisiense
Le
Figaro, a 20 de fevereiro de 1909.
(4) Georg Rudolf
Lind,
Estudos sobre Fernando Pessoa, p. 45
(5) Nuno Judice,
A
viagem das palavras, ed. Colibri, 2005
p. 18
(6) Prefácio por Fernando Pinto do Amaral,
As
Desilusões do Amor, pp. 2-3
(7)
Livro de Mágoas primeira obra de
Florbela Espanca publicado em 1919 por Raul
Proença, centrando na temática da mágoa, da
dor e da saudade, num contexto decadentista.
(8)
Livro Soror de Saudade,
livro inicialmente escrito com o título de
“Claustro das Quimeras” em 1920, vindo a ser
alterado em 1922 pelo nome
Livro
Soror da Saudade e publicado em 1923.
Neste predomina essencialmente a saudade e a
melancolia em não poder possuir o amado,
vendo-se tal como numa freira enclausurada.
(9) Prefácio por
Fernando Pinto do Amaral,
As
Desilusões do Amor, p. 1
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