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									- Com o Onkel Max e a sua jeropiga 
									miraculosa - 
									  
									  
									Hoje: os pássaros 
									cantam de outra maneira 
									a adega aberta para 
									o horto: 
									  
									* 
									  
									dentro ( na adega ): 
									o Onkel Max 
									o sangue corre - nos 
									nos pés 
									que são guelras 
									muito antigas. 
									os nossos cérebros 
									ardem como as laranjas 
									brilha entre o sol e 
									as laranjeiras. 
									a lua que é uma 
									túmida laranja. 
									a neta do Onkel Max 
									aparece 
									uma jovem alta ( 18 
									anos ) e esguia 
									como o calor e o 
									sossego desta terra. 
									e o onkel Max 
									piscando-me o olho 
									esta jeropiga é 
									miraculosa.  
									repara: acabo de 
									fazer 75 anos,  
									mas sinto-me 
									como se tivesse 40. 
									e o mundo é todo o 
									seu sorriso. 
									dentro da luz 
									daquele sorriso. 
									com belos dentes 
									brancos. 
									encontramo-nos no 
									império da jeropiga. 
									o sangue cobre-nos 
									os pés 
									com um pudor que a 
									morte nunca atinge. 
									mais logo, voaremos 
									por sobre as vinhas 
									miraculosamente 
									enjeropigados. 
									  
									  
									*** 
									  
									  
									Visita ao tio 
									Quintas (alcunha): há dez anos, um homem 
									varonil, alto e atlético, rude 
									como a terra que 
									cultivava, sábio como Alberto Caeiro, de uma 
									alegria contagiante que  
									lembrava o borbulhar 
									do vinho verde nas tigelas. 
									agora, dez anos 
									depois, encontra-se paralisado na cama de um 
									lar. só é capaz de balbuciar 
									
									algumas palavras, dão-lhe a comida na 
									boca... um Minotauro acorrentado. 
									ao ver-me: olha-me e 
									reconhece-me. 
									descubro nos seus 
									olhos (azuis) um brilho de alegria ( por um 
									momento a chama dionisíaca  
									de outrora, 
									acende-se), mas também um brilho de dor e 
									obscuridade: a noite. a miséria.  
									
									com as poucas 
									sílabas que lhe restam, diz: 
									isto é uma porra, 
									isto é uma porra! 
									sinto uma 
									vontade tremenda de berrar. e interrogo-me: 
									não nos poderá 
									ser dado o direito de escolhermos o momento 
									da nossa morte? afinal para quê  
									viver, 
									quando viver é simplesmente um não - viver? 
									Despertar: a ira da 
									luz. a boca como uma pedra 
									à espera que as 
									sementes da esterilidade 
									lá fora: os latidos 
									dos cães encerrados na maresia. 
									as rebarbadoras 
									dando flor. 
									- When the 
									music's over - 
									Estendemo-nos no 
									chão. lado a lado. dois cães rafeiros. 
									no gira - discos: os 
									Doors ( Remastered From The Original Master 
									Tapes - acabado de comprar- ),  
									When the music's 
									over, yeah  
									Turn out the 
									lights, yeah 
									sentimos como a 
									música se afunda em nós, nos percorre as 
									veias, incha, penetra até às vísceras, 
									penetra. a fúria da 
									transgressão, acesa, nas jugulares. 
									o mundo somos nós, 
									nós, um nó terrivelmente sagrado. um nó. 
									nós. 
									quem nos poderá 
									cortar? quem poderá sorver este sangue ácido 
									e quente que nos conturba? 
									We want the 
									world and we want it...  
									We want the 
									world and we want it...  
									o mundo: somos nós. 
									nós, dois animais rudes e farejantes. duas 
									candeias acesas nas mãos 
									do carrasco, que, 
									amorosamente, degola a sua vítima. 
									olhamo-nos, 
									furiosos, olhamo-nos. e sorrimos. sorrimos. 
									as mãos metidas nas 
									calças. entre as pernas. as mãos, 
									masturbantes. 
									entre as pernas. e a 
									música... ah, a música! 
									a carne, ardendo, um 
									inferno. a carne. 
									olhas-me e 
									sussurras, olhas-me e sussurras: 
									uma vagem gotejante: 
									o teu sexo. uma vara túmida: o meu sexo. 
									e o céu e o inferno 
									e tudo quanto existe arde-nos nas vísceras. 
									arde até que o deus se erga, 
									e caminhe por entre 
									os mortos, caminhe por sobre as águas... por 
									entre os mortos 
									caminhe e caminhe, 
									 até às cinzas. 
									o deus, a música, os 
									gritos, o deus, a morte, a noite... a 
									noite... e, de repente: 
									O GRITO! A PEQUENA 
									MORTE! |