Revista TriploV de Artes, Religiões & Ciências .
ns . nº 55 . dezembro 2015 . índice





José Roberto Baptista
(Brasil). Editor da ARTE-LIVROS Editora. Foi professor universitário e Diretor-Acadêmico de tradicionais instituições de ensino superior em São Paulo. É estudioso da fenomenologia parapsicológica e autor, entre outros, do livro Introdução ao Estudo da Parapsicologia (Arké, 2007), além de já ter escrito vários artigos sobre o tema. Dirigiu o IEP-SP - Instituto de Estudos Psicobiofísicos de São Paulo voltado, exclusivamente, ao estudo e ao ensino da Parapsicologia.
JOSÉ ROBERTO BAPTISTA

Fenômenos paranormais x fenômenos mediúnicos

Tenho dito há muito, e continuo mantendo a mesma convicção, que questões  envolvendo a fenomenologia paranormal vêm merecendo uma nova ponderação.

A parapsicologia parece ser uma terra de ninguém. Uma terra sem lei. Mas, apenas parece.

Todos, indiscriminadamente, têm suas "teorias" particulares sobre o tema.

A situação piora quando parapsicólogos sujeitam-se a participar de programas de auditório, sob o rótulo de "debates", em que a parapsicologia é discutida em meio a uma insana mistura com religião, crendices, opiniões frágeis - muitas vezes risíveis - conhecimentos duvidosos colocados imprudentemente como verdades universalmente aceitas, além de uma tendencialidade, por vezes desrespeitosa, que em nada contribui para o seu já tão debilitado desenvolvimento. Inclui-se, nesse palco de histrião, lamentavelmente, a reprovável utilização da parapsicologia como instrumento de defesa, ou ataque, desta ou daquela fé. Sempre ao sabor dos ventos.

Em meio a tudo, vez ou outra, mesclam-se discussões sobre a sua cientificidade. Aí vemos um pouco de tudo. Desde formulações sensatas, sejam contra ou a favor, até ataques, por vezes pouco felizes, que apenas denunciam dotes autorais, sublinhe-se, pouco lúcidos, para o enfrentamento da questão. Nesses casos percebe-se claramente, tanto pela forma, como pelo conteúdo, uma clara e ingênua defesa de sistemas consagrados, tidos como definitivos, cuja impermeabilidade, todavia, mostra-se a cada dia mais comprometida.[1]

Diante desse quadro o que esperar?

A parapsicologia é ridicularizada pelos "especialistas" pouco familiarizados com o assunto e que se comprazem em temperar as discussões com o fel de suas frágeis certezas. Muitos padecem da "síndrome do papagaio".

Mas, o maior problema enfrentado pela parapsicologia, no meu entendimento, relaciona-se, contraditoriamente, com a responsável pelo seu surgimento: a fenomenologia espírita.

Devemos separar, então,  o "joio do trigo", procurando diferenciar fenômenos de natureza parapsicológica de fenômenos de natureza espírita ou  mediúnicos.

Fenômenos parapsicológicos não devem ser confundidos com fenômenos mediúnicos. Enquanto a parapsicologia busca  causas naturais para explicar toda a fenomenologia estudada, os espíritas tem como certo a ação de personalidades incorpóreas e inteligentes, ou seja, dos espíritos daqueles que morreram, secundo o espiritismo, desencarnaram, embora admitam, apenas em nome de um discurso politicamente correto, que muitos dos fenômenos originam-se no inconsciente humano. Basta recordarmos a diferenciação feita por Kardec entre fenômenos anímicos e fenômenos mediúnicos.  

Tentemos elucidar os fatos.

Sob o ponto de vista da parapsicologia os fenômenos por ela estudados, há mais de um século, lhe trouxeram a convicção de que toda a fenomenologia - fenômenos subjetivos e fenômenos objetivos - têm, como provável origem, o psiquismo humano, melhor dizendo, às forças ainda desconhecidas do psiquismo humano.

Para o espiritismo, diferentemente, a origem dos fenômenos encontra-se na ação dos espíritos desencarnados. Há, portanto, claramente, um conflito entre  parapsicologia e  espiritismo que não pode ser superado facilmente.

Façamos um exercício intelectual para melhor compreensão.

Modernamente, sob a justificativa de uniformização dos termos utilizados na área, os fenômenos parapsicológicos são denominados de fenômenos Psi, termo geral proposto pelo austríaco Berthold Paul Wiesner e apoiado pelo britânico Robert Henry Thouless,   e estão subdivididos em dois grupos ou categorias Psi (Ψ):

1. Psi-gamma - fenômenos subjetivos, de conhecimento;

2. Psi-kappa - fenômenos objetivos, de ação direta da mente sobre a matéria.

Nesses dois grupos, de natureza puramente didática, estariam concentrados todos os fenômenos estudados pela parapsicologia.

Contudo, os espíritas incluíram, de forma muito criativa, um novo grupo: Psi-Theta - fenômenos que presumivelmente estariam sob o domínio dos seres desencarnados, ou oriundos das mentes de seres incorpóreos.[2] Mas, este novo grupo não deixa claro em que momento podemos, com segurança, estabelecer a diferença entre um fenômeno Psi-gamma, de conhecimento, ou Psi-kappa, de ação direta sobre a matéria, de um fenômeno Psi-theta,  uma vez que ambos, Psi-gamma e Psi-kappa  poderiam ser atribuídos indiscriminadamente à ação dos espíritos desencarnados. Em poucas palavras, no princípio, meio e fim, todos os fenômenos, de qualquer natureza, sejam de conhecimento ou de ação direta sobre a matéria, podem ser atribuídos à função Psi-theta.

Contudo, ou admitimos que os fenômenos nada têm a ver com os espíritos dos desencarnados, portanto, parapsicológicos, Psi-gamma ou Psi-kappa - e já há evidências contundentes sobre isso - ou admitimos que são originários da ação de seres incorpóreos; fenômenos mediúnicos, Psi-theta. Não há como contemporizar. Nisso está toda a diferença.

E embora os espíritas afirmem contundentemente aceitar que muito da fenomenologia resida no inconsciente dos vivos, como já o dissemos, na prática, explicam a  fenomenologia como originária de seres incorpóreos, espíritos desencarnados, portanto, distante das fronteiras da parapsicologia e dentro das fronteiras do espiritismo. Não precisamos de uma mente brilhante para entender isso.

Pensemos, apenas como um exercício intelectual, nos termos precognição e premonição. O primeiro utilizado em parapsicologia significando um conhecimento antecipado de um determinado fato, devido exclusivamente a faculdades ainda desconhecidas dos seres humanos e, o segundo, premonição, utilizado pelo espiritismo, significando uma advertência, um aviso, dado por um ser incorpóreo e inteligente. Como conciliar termos com significações tão contrárias para designar o mesmo fato?

Creio ser dispensável dizer que nada há aqui que possa levar a um confronto além das ideias. Mas, devemos defender que a parapsicologia observou, comparou, descreveu e submeteu a testes laboratoriais controlados, tanto os fenômenos de natureza subjetiva, como os de natureza objetiva e nunca foi constatada a participação dos espíritos em tais experiências. Isso se deve à crença de correntes espiritualistas que se baseiam na presunção de certas capacidades que não têm sido verificadas por método científico em parapsicologia.[3]

Aqui, fique claro aos mais sensíveis, que em nenhum momento a parapsicologia nega a existência dos espíritos. Tal negação, além de esdrúxula, seria contrária à própria ciência.

Também os estudiosos da parapsicologia não negam, nem desconhecem, que muitos estudiosos sérios admitiram a hipótese da sobrevivência. Nem poderia ser diferente. Inclusive desconheço qualquer pesquisador sério que não o tenha feito.

Mas, admitir a hipótese da sobrevivência não é o mesmo que aceitar como fato consumado a sobrevivência.

A aceitação da sobrevivência enquanto  um fato comprovado e universalmente aceito nada tem a ver com a ciência. Devemos deixar a ciência fora disso.

Portanto, de nada valem argumentos, aparentemente sólidos, de que muitos pesquisadores da parapsicologia aceitaram a sobrevivência, ou como colocamos anteriormente, a hipótese da sobrevivência, como uma prova da própria sobrevivência. Não é assim. Isso é risível e não ultrapassa o limite das opiniões. A parapsicologia, até onde tenho conhecimento, não interfere nas opções ou crenças pessoais.

Muitos médicos, físicos, biólogos e também pessoas que não tiveram a menor oportunidade de instruírem-se formalmente também aceitam a sobrevivência da alma após a morte física. O que isso quer dizer?  

Todavia, tais argumentos, por mais enfáticos e sinceros, não mudam a realidade. Parapsicologia e espiritismo continuam em lados diferentes da fronteira.

Afirmações repetidas em forma de mantra que a parapsicologia veio para confirmar os fenômenos mediúnicos são, no mínimo, equivocadas e, dependendo do contexto, de má-fé. Apenas atestam um total desconhecimento sobre o tema.

Isso, contudo, não significa dizer que a parapsicologia, enquanto área de conhecimento, tenha colocado de lado, negando peremptoriamente a hipótese da sobrevivência de algo no homem após a morte. Longe disso. Há muita desinformação gravitando em torno dessa questão. Há, inclusive,  deliberadamente ou não, uma mistura de termos pouco desejável, que transitam por diversas áreas e acabam mais confundindo que esclarecendo. Vejamos um caso a título de exemplo.

O termo paranormal, utilizado inclusive pelo espiritismo, tem certa exclusividade nos estudos parapsicológicos. Mesmo quando substituído por eufemismos como fenômenos anômalos, acomodado muito bem no âmbito da psicologia, e lá é seu lugar, não perdem por isso sua significação primeira, utilizada em parapsicologia, referindo-se a uma vasta fenomenologia incomum, extraordinária.

À guisa de esclarecimento, não podemos confundir "alhos com bugalhos".

Assim, cabe observar que tecnicamente não existem pessoas paranormais. Mesmo por que, até se prove o contrário, as pessoas que vivenciaram, ou vivenciam fenômenos paranormais são consideradas pessoas normais.   

Mas, voltando à questão, considero inadequado o uso do termo paranormal no âmbito do espiritismo. A razão, já justificada anteriormente: fenômenos espíritas ou mediúnicos nada têm a ver com fenômenos paranormais. Médiuns não vivenciam fenômenos paranormais. Vivenciam fenômenos mediúnicos. As fronteiras são bem delimitadas.

Assim, fenômenos Psi-gamma e fenômenos Psi-kappa são inconfundivelmente de natureza parapsicológica. Não têm nada, absolutamente nada, a ver com presumíveis ações de seres desencarnados. Fenômenos Psi-theta são, da mesma forma, fenômenos de natureza mediúnica. Atribuídos à participação de seres desencarnados. Água e óleo não se misturam.

Fortalece nossa convicção, já esboçada anteriormente, o fato de a parapsicologia ser posterior aos fenômenos de natureza mediúnica. A parapsicologia nasceu, ainda sob o rótulo de pesquisas psíquicas, para investigar determinadas ocorrências que eram atribuídas aos espíritos dos mortos e, ao longo de suas investigações, ofereceu respostas contrárias às convicções que tomavam conta de parte do mundo civilizado. Ofereceu explicações de outra natureza que foram se fortalecendo com o passar do tempo e continuam, cada vez mais fortalecidas, devido ao avanço do conhecimento científico, até os dias atuais. O "olho do furacão" não estava no além túmulo. O "olho do furacão" foi encontrado no próprio homem, vivo e participante, na sua própria natureza. Nada além.

 

[1] Baptista, José Roberto. Introdução ao Estudo da Parapsicologia. São Paulo: Arcké, 2007. p. 5-6.

[2] Andrade, Hernani Guimarães. Parapsicologia experimental. São Paulo: Livraria Espírita Boa Nova Ltda, 1976. p. 52-53.

[3] Rhine, J.B. e Pratt, J.G. Parapsicologia: fronteira científica da mente. 1966. p.13.

 
 
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