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CARLOS AVILEZ
E OS 50 ANOS DO TEATRO EXPERIMENTAL DE
CASCAIS
(13.11.1965-13.11.2015)
Entrevista
conduzida por Júlio Conrado
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Carlos Avilez. Arquivo
da Câmara Municipal de Cascais |
Carlos
Avilez (Portugal). Antes de ser
encenador foi actor em grupos experimentais e no
Teatro Universitário de Lisboa dirigido por
Fernando Amado, aí se estreando na peça
El-Rei
Seleuco, de Luís de Camões. Em 1956
ingressou no teatro profissional (Companhia
Amélia Rey-Colaço) numa peça de Bernard Shaw sob
a direcção de Francisco Ribeiro. Manteve-se no
Teatro Nacional até 1963, período durante o qual
escreveu, dirigiu e representou duas peças:
Triângulo
Equilátero, posta em palco na sociedade
Guilherme Cossul e
Se Amanhã
Fosse Hoje, levada à cena
no Centro Espanhol.
A conselho de Amélia Rey-Colaço orientou
a sua carreira para a encenação e
A Castro, de António Ferreira, foi a sua estreia como encenador na
Guilherme Cossul. A concepção arrojada agitou o
meio artístico lisboeta. Passou pelo Teatro
Experimental do Porto, onde, já como encenador
profissional, apresentou
A Carta
Perdida, de Caragiale.
Diretor do CITAC – Círculo de Iniciação
Teatral da Academia de Coimbra – encenou
As Bodas de Sangue, de Garcia Lorca, com música de Carlos Paredes.
Em 1965 fundou com João Vasco o Teatro
Experimental de Cascais.
Várias vezes distinguido com prémios de “melhor
encenação”, tanto a nível nacional como
internacional, foi agraciado com a comenda da
Ordem do Infante D. Henrique.
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JÚLIO CONRADO (Portugal)
Ficcionista, poeta, dramaturgo, escritor
com larga experiência jornalística, tem
diretório no Triplov, de que é
colaborador regular, bem como da Revista
Triplov.
Foto: Valter Vinagre |
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Que leitura faz
destes 50 anos de existência do Teatro
Experimental de Cascais, que fundou?
Foram cinquenta anos fantásticos, cheios de
momentos de glória, alguns sobressaltos, intensa
realização pessoal, culminando numa obra
realizada de que muito me orgulho. Para quem
vinha por uma noite e ficou cinquenta anos, foi
uma trajectória fascinante.
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“Hoje permite-se a
apologia da mediocridade”, disse, quando o
entrevistei nos anos sessenta. Subscreveria essa
afirmação relativamente ao actual estado das
coisas?
Acha que as coisas mudaram assim tanto?
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Conseguiu, ao longo destes 50 anos, encenar
todas peças que desejaria?
Todas as peças que
encenei, com uma ou duas excepções, correspondem
a desejos meus, escolhas minhas. Mas não, não as
fiz todas. E algumas já nem as vou fazer, tenho
consciência disso.
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O
Teatro é, como a Ópera, uma arte decadente?
A ópera uma
arte decadente? Onde é que ouviu isso? A ópera
tem o seu espaço, o seu público. Tal como o
Teatro. Sim, tem havido épocas de crise, mas o
Teatro tem sobrevivido sempre. Resistindo,
inclusive, ao advento do cinema e da televisão,
que muitos auguraram serem os seus coveiros.
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Desculpe. Esqueci-me de que também encenou
óperas.
Em S. Carlos fiz a
Carmen,
Os Contos de Hoffman,
Kiu,
As
Vanidades de Prometeu,
Ida e
Volta e
O Capote.
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Principiou como actor mas Amélia Rey-Colaço,
então co-directora do Teatro Nacional D. Maria
II, encorajou-o a enveredar pela encenação.
Aceitou de bom grado deixar cair as suas
aspirações como actor?
A Amélia Rey-Colaço
sabia da minha paixão pelo teatro e fez os
possíveis por não me deixar fora dele. As suas
intuição e experiência levaram-na a
aconselhar-me a carreira de encenador. A voz não
correspondia às exigências, havia um problema de
modulação, e a opção pela encenação revelou-se a
melhor.
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Pode então dizer-se que encontrou na encenação a
sua verdadeira vocação?
Sem dúvida. Aí, a minha
obra fala por mim, como costumo dizer.
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Você e o João Vasco constituíram uma dupla para
a história: Você, encenador, ele, actor. O duo
de fundadores do TEC que andava, simplesmente, à
procura de lugar para uma representação acabou
por “ficar” meio século. Que representação era
essa?
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Queríamos pôr em
cena uma peça. O João Vasco é que
sugeriu o local. A residir em Cascais,
já então integrado no elenco do Teatro
Nacional mas a frequentar o
Conservatório, ia todos os dias para
Lisboa de comboio, e passava
obrigatoriamente diante do desactivado
Teatro Gil Vicente. Tínhamos encontrado
em Cascais aquilo de que precisávamos.
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Na prática, os dois fundadores mantiveram uma
rara relação amistosa durante todos estes anos.
Esta longevidade relacional da cúpula explica a
longevidade do TEC?
Fico feliz por tudo
quanto o João Vasco tem feito, no exercício da
sua profissão, em prol do Teatro. Manter
intacta, sem mácula, uma amizade como a nossa,
durante meio século, foi realmente muito
importante para a Companhia.
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Voltando aos primórdios da Companhia: em 1965
decorria a guerra colonial, a ditadura não dava
sinais de abrandar, a Censura estava
particularmente activa e fundar uma companhia de
teatro independente parecia uma façanha difícil
de concretizar num meio tão adverso. Apesar do
contexto, vocês avançaram por aí.
Lutámos e conseguimos.
Fizemos espectáculos dificílimos de serem
representados em Portugal, de autores
proibidíssimos, conseguimos construir uma grande
Companhia, trabalhámos com actores e actrizes de
topo, trouxemos excepcionais artistas plásticos
a colaborarem connosco.
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Duas individualidades, creio, emergiram na
conjuntura para garantir a permanência de Carlos
Avilez e do seu teatro em Cascais: Miguel Serra
e Moura e João Martinho de Freitas. O primeiro,
Presidente da Junta de Turismo da Costa do Sol,
monárquico com costela liberal que, apesar de
servir o regime, era amigo das artes e dos
artistas; o segundo, republicano histórico, era
o fundador e director do
Jornal da Costa do Sol, jornal criado um ano antes e de cuja equipa
inicial, aliás, fiz parte. Moura e Freitas, da
mesma geração, eram amigos, tratavam-se por tu.
Pude aperceber-me de que a “continuidade do
Avilez em Cascais” era persistente tema de
conversa entre ambos. Teve noção de que o
consenso dos dois à volta do seu nome passava
por uma avisada troca de consultas?
Claro que sim. O Miguel
Serra e Moura foi para nós de uma cordialidade e
de uma generosidade a toda a prova. Quantas
vezes nos deu cobertura, quando representávamos
textos mais de esquerda, alvo predilecto da
Censura. A nossa ida para o Teatro Gil Vicente
foi inteiramente negociação sua. Contámos com
ele para assegurar a nossa manutenção no Teatro
Gil Vicente e a manutenção das respectivas
instalações. Quanto a João Martinho de Freitas
empenhou-se em dar-nos um apoio moral
significativo.
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O TEC e a crítica. O seu teatro foi várias vezes
acusado de ser o teatro dos “gritos”. De outros
quadrantes vinha-lhe a fama de “enfant
terrible”. Havia da sua parte deliberada
intenção provocatória nessas primeiras
encenações de inspiração, digamos, surrealista?
Era um provocador. Ainda
hoje sou. Mas a provocação, naquele tempo e
naquele “clima”, ressoava sempre a escândalo,
por inócua que fosse.
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Naquele tempo, alternou os clássicos com peças
de sabor popular, que moldou à sua maneira e que
constituíram grandes êxitos de público:
A
Maluquinha de Arroios e
O
Comissário de Polícia, por exemplo. Todavia,
abdicou de dar continuidade a esse tipo de
teatro, ainda que garante de sólidas receitas de
bilheteira…
Ao contrário do que se
possa supor, gostei muito de ir ao Parque Mayer.
Só tenho pena de que aquilo esteja como está.
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Chamaram-lhe “o rei do Parque Mayer” depois do
sucesso de
O Comissário de Polícia, peça na qual,
aliás, se revelou um futuro grande actor: Mário
Viegas. Sentiu-se desconfortável com a
“profecia” ao que consta levada muito a sério
por quem a ventilou?
Remeto-o para a resposta
à pergunta anterior.
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O TEC desenvolveu inicialmente a sua actividade
numa casa que lhe assentava como uma luva: o
Teatro Gil Vicente, em Cascais, que era e é
propriedade da Associação dos Bombeiros locais.
Em que moldes ocupava o TEC esse espaço?
Já o disse. A Junta de
Turismo da Costa do Sol assegurava a nossa
permanência no Teatro.
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E aí estiveram até ao 25 de Abril de1974.
É um facto.
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Com a Revolução de Abril o TEC viu-se coagido a
“devolver” o teatrinho oitocentista à Associação
dos Bombeiros e ficou sem casa, além de ser
acusado pelos radicais do PREC (Processo
Revolucionário em curso) de ter sido subsidiado
pelo Moreira Baptista (SNI). Todavia, o Serra e
Moura e o Moreira Baptista ter-se-ão
incompatibilizado por causa do TEC. Confere?
Fomos despejados quando
estávamos em África. No regresso demos com todos
os nossos equipamentos na rua. Foi uma cena
muito triste. Sim, anos antes, o Serra e Moura e
o Moreira Baptista tinham tido os seus arrufos
por causa do TEC.
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Começou então uma longa travessia no deserto. Em
tempo de grande agitação política o TEC
procurava sobreviver, representando em
palheiros, oficinas, cantinas…
Sim, tivemos de passar
por isso. E sobrevivemos.
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Quando é que o TEC começou a dar a volta por
cima?
Quando a Autarquia
resolveu ponderar a situação do TEC e equacionou
a necessidade de arranjar um espaço para poder
exercer a sua actividade.
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Quem foi o presidente de Câmara que se mostrou
sensibilizado para essa necessidade?
George Dargent.
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O antigo picadeiro municipal do Monte Estoril
foi a solução encontrada. Nessa altura
tratava-se de uma solução de carácter
provisório, não?
Foi provisória enquanto não se procedeu a
demorados trabalhos de recuperação. Uma vez
estes terminados o teatro ficou funcional e
passou a chamar-se
Mirita
Casimiro.
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Alguma vez foi ventilada a transferência do
Teatro para outro local?
Em tempos chegou a
pensar-.se numas instalações na Quinta da
Alagoa, em Carcavelos. Também um espaço dos
Salesianos foi aflorado nesse sentido. Nada de
conclusivo. Mantemo-nos no antigo picadeiro,
portanto. Levámos o TEC (e o nome de Cascais) ao
estrangeiro, Europa, Ásia, África, América,
muitos lados, sem nunca termos saído daqui, onde
gosto muito de estar.
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O Carlos Avilez, entre 1993 e 2000, foi o
director do Teatro D. Maria II. O que representa
para si ter ocupado semelhante cargo?
Uma honra muito grande.
Até no plano afectivo. Tinha começado ali. Foi
como que um regresso a casa.
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Todavia, ao ter aceitado a nomeação pelo então
Secretário de Estado da Cultura, Santana Lopes,
nem todos os seus pares o apoiaram. Luís Miguel
Cintra, por exemplo, disse, entre outros mimos
polémicos: “Carlos Avilez não se importou de
fazer uma peça do Joaquim Paço d’Arcos”. [..] “
A nomeação de Carlos Avilez é um processo
enganoso.”
Abstive-me de entrar em
polémica com Luís Miguel Cintra pela
consideração que ele me merecia como actor e
como encenador. Na altura não tinha tempo nem
disposição para polémicas. Estava completamente
absorvido com a preparação da peça de Óscar
Wilde “O Leque de Lady Windermere”, cuja
representação marcou o início das minhas novas
funções.
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Mas sem perder o TEC de vista…O facto de ter de
repartir tarefas, nesse período, com a direção
do TEC, fragilizou a atividade deste? Como
conseguiu conciliá-las? Delegou
responsabilidades em João Vasco?
Não reparti tarefas.
Estive totalmente concentrado no D. Maria
enquanto lá me mantive. Nem deleguei
responsabilidades. Durante esses sete anos o
João Vasco dirigiu efectivamente o TEC. É claro
que falávamos, tínhamos interesses comuns. Mas
foi ele quem, realmente, esteve à frente do TEC.
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O TEC foi um “laboratório” de onde saíram
grandes actores e actrizes que fizeram carreira
noutros lados, como Maria do Céu Guerra, Mário
Viegas, Diogo Infante, Lia Gama, António Feio,
João Baião, Alexandra Lencastre, Zita Duarte,
alguns criando até as suas próprias companhias…
É verdade. O TEC foi uma escola preciosa para
eles.
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Pelo TEC passaram também actores e actrizes
consagrados: José de Castro, Carmen Dolores,
Eunice Muñoz, Lurdes Norberto, Mirita Casimiro,
entre vários. Algum deles lhe merece apreço
especial?
Amélia Rey-Colaço, que
fez comigo uma peça.
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O TEC viajou bastante: Barcelona, Denver (EUA),
Osaka, Lyon, Turim, Brasil… Áfricas… Algum
desses lugares lhe deixou uma recordação
inolvidável?
O Japão. Como sabe,
dirigi a delegação portuguesa que se deslocou à
Expo 70, de Osaka. A nossa representação era
composta por 273 artistas, que além do elenco do
TEC incluía nomes mundialmente conhecidos, como
a cantadeira Amália Rodrigues e o futebolista
Eusébio. Foi uma experiência empolgante.
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Ao longo destes 50 anos você pôde montar e
encenar clássicos nacionais e mundiais, de
Shakespeare a Lorca, de Torga a Genet, de
Santareno a António Ferreira, de Gil Vicente a
António José da Silva, de Alberto Cossa a
Brecht, de Lope de Vega a Samuel Becket, de
Osborne a Ibsen, de Jaime Gralheiro a Mário
Cláudio, de Luiz Francisco Rebelo a Tenessee
Williams, de Arrabal a Yves Jamiaque, de André
Brun a Gervásio Lobato, de Aristófanes a Racine,
enfim a lista é enorme. Para intervir neste
teatro em que se realizou como “quis” chamou a
nata dos nossos artistas plásticos: Almada
Negreiros, Resende, Relógio, Bual, Jorge Marcel,
José Rodrigues, Armando Alves, Graça Morais,
entre vários outros, participaram como
cenógrafos em produções da Companhia. Esse tipo
de colaboração não é hoje muito frequente…
Economia de meios?
Não excluo a hipótese de
vir a trabalhar ainda com artistas plásticos de
renome. É tudo uma questão de oportunidade.
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Fale-me da Escola de Teatro fundada pelo TEC
Foi criada em 1992 por
sugestão do então ministro da Educação Roberto
Carneiro. Tem sido um êxito. E uma
fábrica
de excelentes actores.
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Que saídas profissionais esperam os jovens
diplomados pela Escola de Teatro?
Neste momento, que
saibamos, estão todos no mercado de trabalho. As
telenovelas, por exemplo, recorrem muito aos
actores formados na nossa Escola. Mas há saídas
também para várias Companhias em actividade.
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E qual foi a peça cuja encenação mais
intensamente o entusiasmou, em que mais
fortemente se investiu?
Galileu,
Galilei,de Bertold Brecht.
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A Companhia tem um elenco fixo de cinco actores:
João Vasco, Fernanda Neves, Luís Rizo, Teresa
Côrte-Real, António Marques e Sérgio Silva. Com
as baixas de Santos Manuel (falecido) e Anna
Paula (reformada), não começa a ser pouco?
Esse elenco de base pode
ser sempre acrescentado, quando necessário, quer
com alunos e ex-alunos da Escola de Teatro, quer
com a contratação de profissionais. Tudo depende
da dimensão do que nos propomos fazer. No
Macbeth que acabamos de estrear, só três dos nossos actores fixos
constam do elenco, num total de 21 intérpretes.
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Na nossa entrevista publicada em 15 de
Outubro de 1966 no
Jornal da Costa do Sol, você
declarou: ”Caminha-se hoje para um
teatro sem vedetas em que todos os
elementos o são.” Foi assim com o TEC?
Elementos do
núcleo fixo da Companhia já foram
encenadores de vários espectáculos.
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Júlio Conrado entrevista
Carlos
Avilez, em 1966 |
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O TEC estreou exactamente 50 anos depois de
Esopaida
(13.11.2015)
Macbeth,
de Shakespeare, com encenação sua. Foi o ponto
alto das comemorações do cinquentenário?
Claro. Quisemos
assinalar a efeméride com uma grande produção.
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Que futuro para o
TEC?
Há estruturas montadas. Depois de nós, alguém
saberá utilizá-las. O TEC não morrerá.
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13.11.1965 Aspecto da plateia na estreia de
Esopaida |
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Notas à margem que esclarecem alguns pontos
desta entrevista:
Fontes: TEC /
Revista Boca do Inferno, nº 7, 2002
Jornal de Letras, nº 591, Novembro de 1993
a)
O que levou à zanga entre Moreira Baptista e
Serra e Moura é revelado
na
Boca do
Inferno desta maneira: O TEC tinha em palco
a peça
Breve Sumário da História de Deus entre
cujos intervenientes se contavam alguns
“baladeiros”, cantores de baladas que se opunham
ao chamado nacional-cançonetismo. Por essa
altura estava em Cascais um grupo de padres
progressistas liderado pelo padre José Maria,
que assistiu à peça e a recomendou nas homilias.
Uma empregada doméstica de Moreira Batista
apressou-se a contar ao patrão o que tinha
ouvido na missa. Este de imediato enviou um
bilhete a Serra e Moura para que providenciasse
a suspensão da peça, considerando os
“baladeiros” subversivos. Serra e Moura negou-se
a fazê-lo e desde esse momento as relações entre
os dois homens terão entrado em rota de colisão.
b)
A acusação de Cintra a Carlos Avilez de ter
feito uma peça de Joaquim Paço d’ Arcos alberga
uma pequena história. O TEC pôs em cena uma peça
do então famoso Arrabal (espectáculo a que
Joaquim Paço d’ Arcos assistiu). No final,
cumprimentou os membros da Companhia a cuja
direcção propôs enviar uma peça sua para
representação. Meteu cunha para o efeito.
Marcelo Caetano encarregou-se directamente do
assunto. Pressionou Moreira Batista, que por sua
vez pressionou Serra e Moura, que por sua vez
pressionou Carlos Avilez. Avilez anuiu mas
exigiu uma contrapartida: a de que a comédia
vaudeville
O Chapéu de Chuva de Itália, de Labiche,
fosse apresentada sem cortes de censura. O
governo aceitou e cumpriu. Mas a peça foi um
fracasso, apesar dos nomes sonantes que
sustentavam a produção: César de Oliveira,
Natália Correia, António Vitorino de Almeida e a
popular cançonetista Maria de Lurdes Resende.
Ninguém esquecera a representação de
Antepassados Vendem-se (1970),
um texto fraquíssimo de Paço d’Arcos. Este
desempenhava as funções de presidente da
assembleia geral da Sociedade Portuguesa de
Escritores quando Salazar a mandou encerrar em
1965. Não repudiara a medida, atitude muito
censurada pelos seus pares. Tentou justificar-se
num opúsculo intitulado
A Dolorosa
Razão duma Atitude.
c)
Para as
Bodas de Sangue, de Garcia Lorca, dirigiu
Avilez um convite a Maria Barroso, então actriz,
para integrar o elenco, aspiração que nessa e
noutras ocasiões sempre esbarrou no “não” da
Censura. Mas jamais aquela que viria a ser a
primeira dama do país esqueceu esse gesto,
fazendo perdurar até ao seu falecimento os laços
de amizade que a uniram ao TEC. Brunilde Júdice
foi a actriz de cartaz – “fria e distante mas
tecnicamente perfeita” – que “substituiu” Maria
Barroso.
d)
Numa digressão a Moçambique o TEC fez questão de
apagar a ideia feita que corria na comunidade
residente, de que da Europa só lhe chegava
“refugo”. A Companhia quis apresentar-se no seu
melhor e para isso levou vinte cestos contendo
trajes e cenários. Estava-se na véspera do 25 de
Abril e sentia-se alguma tensão. Conta João
Vasco que no trajecto entre Lourenço Marques e a
Beira tinham sido mortos três camionistas. Ora o
grupo de teatro ia fazer exactamente o mesmo
percurso e os seus membros manifestaram uma
certa intranquilidade. Tais receios encontraram
eco na Frelimo, que fez questão de deixar no
hotel onde a companhia estava hospedada um
bilhete que dizia:
Vão, nada
lhes vai suceder. E assim aconteceu.
e)
Em 1994 o TEC recebeu uma visitante ilustre, por
ocasião da inauguração do espectáculo
O Diário
de Anne Frank, peça da autoria de Frances
Goobrich e Albert Hacquet
: Miep Gies. Esta lendária criatura era a
antiga empregada do senhor Frank, pai de Anne,
que durante dois anos levou provisões a duas
família refugiadas no sótão da casa que
habitavam, em Amsterdão, quando da invasão nazi
na I I Guerra mundial. Anne Frank, como se sabe,
foi presa e deportada para o campo de
Bergen-Belsen, onde faleceu, mas Miep Gies
salvou-lhe o diário, que se tornou
best
seller mundial. Na homenagem prestada pelo
TEC a Miep Gies esteve presente Maria Barroso.
f)
Trata-se de um episódio pouco conhecido. Muito
antes de rumar ao D. MariaII para o dirigir,
Carlos Avilez teve a oportunidade de ficar à
frente, com Amélia Rey-Colaço, da Companhia
Nacional de Teatro I – Teatro Popular, que
ocuparia as instalações do Teatro S.Luiz.
Nomeado director em 1979, bem como a actriz,
foram ambos exonerados em Janeiro de 1980 pelo
então secretário de Estado da Cultura, Vasco
Pulido Valente, com a alegação de falta de
verba.
g)
Presentemente, o Teatro Experimental de Cascais
integra o projecto do Município de Cascais
denominado
Bairro dos Museus, uma iniciativa que visa a
articulação concertada de toda a actividade
cultural na sua sede, num perímetro alargado que
abrange parte do concelho.
S. João do
Estoril, Novembro de 2015
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