10 poemas
de The beauty*
A minha
memória
Como os pequenos sabonetes
e champôs
que um viajante leva para
casa
e depois não usa,
tu, memória,
quase sem peso,
dentro de mim esta manhã.
Relógio
de quartzo
As ideias de um físico
podem transformar-se em
objectos úteis:
um foguetão, um relógio de
quartzo,
um forno de micro-ondas
para cozinhar.
As ideias dos poetas apenas
se transformam nelas
como os ponteiros do
relógio
ou a cara de uma pessoa.
Muda, mas apenas para se
tornar mais na pessoa.
Acordo
cedo
Acordo cedo,
faço duas chávenas de café,
bebo uma,
penso, volto para a cama,
acordo outra vez, penso,
bebo a outra.
Recomeçar o dia
é um jogo de cartas sem ser
a dinheiro,
um tomate maturo,
um gato que nada.
O tempo aqui:
morno,
com leite e açúcar,
grande e levantado como uma
mesa.
Acordo duas vezes.
A janela duas vezes
inteira, transparente.
O nariz e as orelhas do
gato duas vezes à tona da água.
A guerra (a minha) a duas
vezes
a distância,
os filhos dos seus filhos
estão distantes.
Neve em
Abril
``Ali, ali,” o tio
desastrado
conforta
a criança chorosa.
``Ali, ali, “ repete,
concordando:
Aqui, aqui
é o único problema possível.
Em breve,
ali e
aqui
irão em frente,
canção de embalar sobre a
neve a cair numa pastagem.
Louvor de
se ser periférico
Sem filosofia,
tragédia,
história,
um esquilo cinzento
parece
muito entretido.
Ligeiro como uma alma
libertada
de uma pintura de Bosch,
despidos
verdes e vermelhões.
Sobe a uma árvore
igualmente anistórica.
O seu coração trabalha
mais.
Longe de
casa, pensei nos poetas exilados
Longe de casa,
li os poetas exilados –
Ovídio e Brecht.
Nessa noite pus os meus
livros
aos pés da cama.
Fingi a noite toda que eram
a gata.
Nem uma vez
a acordei.
Edifício
com muitos telhados ao luar
Achei-me
de repente volumosa
tridimensional,
um edifício com muitos
telhados ao luar.
O pensamento
atravessou-me
tão simplesmente como as
mariposas seriam capazes.
Atravessaram-me sentimentos
como um peixe.
Ouvi-me a pensar
Não é o
piano, não são os ouvidos.
Ouvi então, cedo de mais, a
fornalha vulgar,
as passadas habituais por
cima de mim.
Lavei de novo a cara com
água quente
como quando era criança.
Como dois
números negativos multiplicados pela chuva
Deita-te, estás horizontal.
Levanta-te, já não estás.
Queria que o meu destino
fosse humano.
Como um perfume
que não escolhe a direcção
que segue
que não pode ser recta ou
arqueada, afastada ou guardada.
Sim, Não, Ou
-um dia, uma vida, desliza
por eles,
removendo a terceira
camada,
removendo a quarta.
E a lógica dos sapatos
torna-se simples por fim,
um problema animal, os pés
a arrastarem-se.
Sapatos velhos, caminhos
antigos-
as questões continuam a ser
novas.
Como dois números negativos
que a chuva multiplica
em laranjas e azeitonas.
O quarto
austero e belo
Este quarto austero e belo
–
(quarto onde estás a
morrer,
quarto onde
a – a
ainda será
= a,
mundo –
mundo = mundo)
Trago-lhe flores.
Erguem-se
da água com esforço,
uma mulher
que envelhece
sobe
a 86th Street,
devagar,
com sapatos cor de rosa que
a magoam e luvas cor de rosa.
Um
destino algodoado
Há muito tempo, alguém
disse-me: evite usar
ou
Perturba a mente
como um bocado de carne
estendida perturba um cão.
Hoje tenho sessenta também.
Não houve outra vida.
*Publicado por
Bloodaxe
Books, U. K., 2015
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