Revista TriploV de Artes, Religiões & Ciências .
ns . nº 54 . outubro-novembro 2015 . índice


Paulo Brito e Abreu (Portugal). Poeta, com vários livros publicados. Também pratica um ensaísmo de tendências místicas.
PAULO BRITO E ABREU

Da sabedoria mágica, ou trágica, em
«Poesia oracular portuguesa»

«São os Gregos quem nos legou a mais bela palavra da nossa língua:
a palavra
«entusiasmo» - do grego «en theo»,
um Deus interior.»
Louis Pasteur

Poesia é forma extrema, e estreme, de Psicologia, ela é fala, catarse e limpeza da Alma. E a propósito: ao ser-me requerido, por Julia Alonso Diéguez e Jorge Telles de Menezes, que elaborasse um testemunho sobre a «Poesia Oracular Portuguesa», o meu peito se encheu de alacridade e alegria. Ora vamos, como diria o Padre Manuel Antunes, vamos, agora, «Ao Encontro da Palavra». Da Palavra, da leiva e da leira como elas são reveladas, adrede, em Julião Bernardes e José Manuel Rabaça. Se Julião é militante em perene misticismo, escreve, o Rabaça, os seus poemas com sangue; por isso prova, José Manuel, através da provação. E quanto, agora, à Editorial Amargord, parabenteio, vivamente, D. José María de la Quintana, eu hei-de ser, para ele, o Companheiro de Emaús. E comecemos, então. Pois seguindo, na Ágora, ou seguindo, agora, o Heidegger ilustre, assertaremos, alfim: a linguagem, meus Amigos, é a Casa do Ser. Se o pensador diz o Ser, o Poeta nomeia, dessarte, o sagrado – e Poetas e Filósofos são protectores, guardiães, dessa habitação.  Que excelsa e excelente, a «lectio» divina se encontra, deveras, no «Livro do Êxodo». Sendo assim, vejamos: no monte Sinai, ‘Moisés disse a Deus: «Eis que eu vou ter com os filhos de Israel e lhes digo: ‘O Deus dos vossos pais enviou-me a vós’. Eles dir-me-ão: ‘Qual é o nome dele?’ Que lhes direi eu?» E Deus disse a Moisés: «Eu sou Aquele que sou»’. E no comento Estagirita, eis aqui Ontologia, aqui eis a Ciência do Ser enquanto Ser. «To be, or not to be, that is the question». Abarquemos, então, em Julião Bernardes, uma Ontologia, ou Teologia, dos poéticos valores – deletreemos, sem livor, a Teodiceia, ou Teosofia, de José Manuel Rabaça. Na senda, José Manuel, do Fernando Pessoa; na esteira e na estrada, Julião, de Frei Luís de León. E do Autor, acrisolado, da «Tabacaria». Afirmemos, portanto, no Firmamento firme: com «Poesia Oracular Portuguesa» nós somos, deveras e na verve, perante a labuta e o batel, e a batalha ou «Bateleur». Ou melhor, se a Arte aratória é Arte oratória, a Palavra, aqui, é qual a Cruz, o arado, e a espada ou bisturi – e o Artista, dessarte, é artilheiro, ele é soldado, curial, no Exército do Verbo. «Nas ervas e no Verbo», ou seja, «in herbis et in verbis», diria Cagliostro: «in herbis et in verbis», um dos lemas, ou emblemas, do Poeta, e do homem, Julião Bernardes; e se o Ágape é agora, e se o Ágape é cenáculo, os alentos, e alimentos, são medicamentos nossos. Pois aliando, e ligando, o Freud ao Aristóteles, tanto se encontra, a Catarse, no reino da tragédia, como se encontra, especulando, em Esculápio mister. Pois, em fonte cabalina, se encontra, outrossim, em Mistérios de início, ou digamos, iniciáticos – e eis o  Sal e eis o selo, e eis o Sol, e a sibila, no oráculo de Delfos.

E qual o caso, e a causa, de José Manuel Rabaça? A resposta é preste e pronta: a templação, contemplação, da Ideia platónica. Pratica o trívio, por isso, o Autor de «A Sonolência» - e ele publica, entrementes, o quadrívio da quadra. Em tópico primeiro: o Auriga, na liga, comanda a quadriga. Em tópico sagrado, e em «topos» segundo: as letras se ligam, em José Manuel, à Astronomia, dessarte, e à Musa das esferas – e estrelas são letras que flamam no Céu. As sensações, neste Vate, são aquáticas, maternais, e portanto musicais; é dele a Música, apolónio, e deveras Museu, e morfético, ou morfia, o Morfeu enforma Orfeu. E queremos, deveras, aduzir e dizer: tanto em Rabaça, como em Julião, a escrita é um estado paranormal. E vem à colação nosso Álvaro Ribeiro: ao ser uma expressão do inconsciente, Literatura é expressão do sobrenatural. Já o dissemos, adrede: na automática escrita, o Poeta de gema é um médium, instrumento, nas mãos de poderes, ou de potências, muito maiores. O caso e a causa do Fernando Pessoa, ele é símil, similar ou semelhante, à cousa de Julião, e ao caso, e à causa, de José Manuel Rabaça. E pede o símil, sinérgico, a simulação. Ou melhor: tanto o Julião, como o Rabaça, eles são, generosos, assistidos por Génios. Sendo o Génio, para os Antigos, medianeiro, ou intermédio, entre os deuses e os homens. E por isso aqui é estreme a necessidade metafísica, e ousamos, por isso, agora, dizer: o postilhão de Apolo, ele é pólo, e está à porta – e é muito raro, ou incomum, que um grande Poeta seja um ateu – e divisamos Sampaio Bruno, e falaremos aqui da Musa como idílio, ideal, ou ideia de Deus. Pois na «communio», comunicação, ou comunhão, declara, caroal, declara o Rabaça: «Os poetas dizem sonolência onde vêem duas mãos a unirem-se, quando as flores se fecham e os olhares se abraçam» - e eis o estado, e o estudo, da especulação. E estamos, com Rabaça, perante o sono lúcido, o sonho transportado para a vida real. Assertaremos, novamente: se a Poesia é do verso, a Poesia é inversa, ela faz do dia Noute e ela faz da Noite dia. Se a Arte é pois mentira que, à força de meditada, se transforma em verdade, aqui dêmos a palavra a Guy de Maupassant: «os grandes artistas são aqueles que fazem a Humanidade aceitar as suas ilusões particulares», e acrescentemos, como exemplo: Dom Quixote, Adamastor, e D. Juan ou Carlos da Maia, eles nunca existiram, veramente, em carne e osso da vida corpórea; - são, porém, mais verdadeiros, mais lidimamente autênticos e paradigmáticos, em sua essencialidade, do que os falsos caracteres ou «cadáveres adiados» que connosco gesticulam e falam, na falácia e no falaz da vida quotidiana. E falando, agora mesmo, em tópicos e tropos, o «Homo Ludens» ele vive do ludismo, do ludíbrio, e da Ludoterapia – e por isso, demandamos: da Ludoterapia, ou da Logoterapia???

A resposta é do leitor. E por isso, averbaremos: o que é patente e presente em Julião Bernardes, também é lente, e premente, em José Manuel Rabaça: a noção de fingimento e a paixão, aficionada, por Fernando Pessoa. Que ideias factícias são ideias fictícias – e é própria, da «imago», a solerte imitação. Ou «mimesis», de feito, em platónica lição. Que as imagens são magias, «image» e «magie», na língua do Galo, são perfeitos anagramas – e apela, o fingimento, ao Mago e ao magíster, e a récita apela à ficção do «Bateleur». «Ser desafio», para Bernardes, é «despir a pele, limpar a carne», o desafio, pra Julião, é «ver o longe no mais perto». Que avistar, na «persona», o outro lado, é falar, pessoano, de outra coisa – e é fabular, almado, por alegorias. O inconsciente, por isso, é outra cena, «o inconsciente», pra Lacan, «é o discurso do Outro». Se, para Rimbaud, o «Eu é um Outro», impele o Ego o não-Eu através da actividade imaginativa. E é isso que ensinava o platónico «Íon»: no transe e no estupor, o Poeta, em «mimesis», é um magnetizador. E lembremos, na cita, o Aristóteles, bem citado, ou seguido, por S. Tomás de Aquino: o pensamento não pode elaborar, operar não pode, pois,  sem a ajuda das imagens – e as Camenas de Rabaça, e o Furor de Julião, são qual a mente, e o comento, mágico-simbólico. Hemos dito, e aventado: a Musa é linguagem do subconsciente. Do subconsciente ou do supraconsciente? Pra ser feito o milagre de uma só cousa, o que é do limo está no Alto, o que é no topo está na base; esse é o mundo, e oração, da mundificação. Ou melhor: não sendo, na Ágora, o hegeliano, concordaremos, agora, com o nascido em Estugarda: as três fôrmas, ou formas, do Espírito Absoluto, são elas, precisamente, a Arte, a Religião, e a filosófica flama. Ou melhor: se a estese apela à tese, o especular, já o dissemos, é siderar ou contemplar. E aqui lembremos nós: a prender e aprender, só o templar é o compreender. Como Dilthey avisou, nas Ciências Humanas há simpatia, ou empatia, entre o sujeito e objecto; e é o que nominava, e é o que chamava, Levy-Bruhl, de mística, ou mistérica, participação. Contra a «pólis», contra o jugo, o próprio do jogral é o mimar, o jogar, e re-apresentar – e o mundo, para o Poeta, é sua representação.

E coragem, leitor, estamos quase a findar. Para a jornada de Julião, «o mundo é uma torre no xadrez invisível que a vida nos concede» - e não alembras, ó ledor, os jogadores de xadrez do real Ricardo Reis? Ficou jogado, na jorna, o Teatro do Ser, ficou alçado, aqui, o supra-realismo, o soberbo, meu Amigo, e solerte Psicodrama. E dêmos, novamente, a voz e a vez a José Manuel Rabaça: «O poético do meu nome / é dizer-te adeus, / quando a música / vai como a água / e a mão adormece.» Vai directa e direita, a «poiesis», ao intra-uterino e às águas da matriz. Queremos dizer: se se reflecte e repete, a filogénese, em ontológica ontogénese, a criança, dessarte, é o antepassado do homem – e falar em Poesia é parlar, «no songe», em pensamento selvagem. Ele revela-se no sonho, nas neuroses, e templação do Arquétipo, na lição e lectivo, colectivo inconsciente. E de feito, e afinal, ao nominado, por Blake, de «génio poético», nós chamaremos, nós outros, o orar e fabular – e são imagens, mentiras, são metáforas e Mitos. Esse é o escol e é a escola,  é esse o culto, e a cultura, Luso-Espanhola.

E este é o orbe, o oráculo e orada. «Os homens serão julgados de acordo com suas obras», aduz e diz, deveras, o Livro de Mórmon. Que inferindo, e aferindo, algures deixou escrito, o Fernando Pessoa, que é, o crítico literário, uma espécie de Psicólogo, ou de Psico-analista. E asseveramos de novo: «Psicologia» significa, literalmente, uma fala da Alma. Perante um poema se deveras comporta, o Autor destas linhas, como o esperto e experto oniromancista – e pede o sonho, portanto, a Cabala e hermenêutica. Amoroso e amorável para o Poeta, é, o Professor de Literatura, um mendaz e um manhoso contador de mentiras; assim o signa, solerte, António Cândido Franco. Se se trata aqui de oráculo, citemos, novamente, o avito Estagirita; ele deixou escrito, na «Metafísica», que os primeiros Teólogos de que temos notícia, eles eram, de facto, Poetas de sangue. E de sangue são Poetas os Autores, e promotores, da «Poesia Oracular Portuguesa». Ela apela e anela a trindade e o trívio: ela é uma forma de «Paideia», ela é fiel Pedagogia, e ela é vera, e é veraz, Cultura de encontros. Numa feraz filantropia, conduz, este volume, a criança para a escola. A esquadrinhar, a estruturar e a rezar. Não olvidando, deveras, que livre é o livro, que, na Cidade do futuro, lavora, o camponês, com o livro na mão. Não olvidando, também, que, desde Platão, o Poeta é forâneo, falaremos nós aqui da estese e do estudo, da ex-centricidade do Ser. E é que lê o Amigo lente, e é que lê o intelecto no arteiro interior. Se na língua do Lácio é aplicável, a palavra «cultura», a domínios tão diferentes como as letras, os campos e a Amizade, o que anela o Julião, o que anela o Rabaça, é cultivar-se, a fundo, seguindo, segundo, e para a «humanitas». E no estudo e no estado duma Escolástica preste, se a Literatura, para nós outros, é missão e é mister, ela insiste e ela existe, ela clareia, abertamente, na clareira do Ser!!!!!!!!!!!

 

Queluz, 08/ 09/ 2015 

SIC ITUR AD ASTRA 

PAULO JORGE BRITO E ABREU

 
 
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