Poesia
é forma extrema, e estreme, de Psicologia, ela é
fala, catarse e limpeza da Alma. E a propósito:
ao ser-me requerido, por Julia Alonso Diéguez e
Jorge Telles de Menezes, que elaborasse um
testemunho sobre a «Poesia Oracular Portuguesa»,
o meu peito se encheu de alacridade e alegria.
Ora vamos, como diria o Padre Manuel Antunes,
vamos, agora, «Ao Encontro da Palavra». Da
Palavra, da leiva e da leira como elas são
reveladas, adrede, em Julião Bernardes e José
Manuel Rabaça. Se Julião é militante em perene
misticismo, escreve, o Rabaça, os seus poemas
com sangue; por isso prova, José Manuel, através
da provação. E quanto, agora, à Editorial
Amargord, parabenteio, vivamente, D. José María
de la Quintana, eu hei-de ser, para ele, o
Companheiro de Emaús. E comecemos, então. Pois
seguindo, na Ágora, ou seguindo, agora, o
Heidegger ilustre, assertaremos, alfim: a
linguagem, meus Amigos, é a Casa do Ser. Se o
pensador diz o Ser, o Poeta nomeia, dessarte, o
sagrado – e Poetas e Filósofos são protectores,
guardiães, dessa habitação.
Que excelsa e
excelente, a «lectio» divina se encontra,
deveras, no «Livro do Êxodo». Sendo assim,
vejamos: no monte Sinai, ‘Moisés disse a Deus:
«Eis que eu vou ter com os filhos de Israel e
lhes digo: ‘O Deus dos vossos pais enviou-me a
vós’. Eles dir-me-ão: ‘Qual é o nome dele?’ Que
lhes direi eu?» E Deus disse a Moisés: «Eu sou
Aquele que sou»’. E no comento Estagirita, eis
aqui Ontologia, aqui eis a Ciência do Ser
enquanto Ser.
«To be, or not to be, that is the question».
Abarquemos,
então, em Julião Bernardes, uma Ontologia, ou
Teologia, dos poéticos valores – deletreemos,
sem livor, a Teodiceia, ou Teosofia, de José
Manuel Rabaça. Na senda, José Manuel, do
Fernando Pessoa; na esteira e na estrada,
Julião, de Frei Luís de León. E do Autor,
acrisolado, da «Tabacaria». Afirmemos, portanto,
no Firmamento firme: com «Poesia Oracular
Portuguesa» nós somos, deveras e na verve,
perante a labuta e o batel, e a batalha ou
«Bateleur». Ou melhor, se a Arte aratória é Arte
oratória, a Palavra, aqui, é qual a Cruz, o
arado, e a espada ou bisturi – e o Artista,
dessarte, é artilheiro, ele é soldado, curial,
no Exército do Verbo. «Nas ervas e no Verbo», ou
seja, «in herbis et in verbis», diria
Cagliostro: «in herbis et in verbis», um dos
lemas, ou emblemas, do Poeta, e do homem, Julião
Bernardes; e se o Ágape é agora, e se o Ágape é
cenáculo, os alentos, e alimentos, são
medicamentos nossos. Pois aliando, e ligando, o
Freud ao Aristóteles, tanto se encontra, a
Catarse, no reino da tragédia, como se encontra,
especulando, em Esculápio mister. Pois, em fonte
cabalina, se encontra, outrossim, em Mistérios
de início, ou digamos, iniciáticos – e eis o
Sal e eis o
selo, e eis o Sol, e a sibila, no oráculo de
Delfos.
E qual o caso, e a
causa, de José Manuel Rabaça? A resposta é
preste e pronta: a templação, contemplação, da
Ideia platónica. Pratica o trívio, por isso, o
Autor de «A Sonolência» - e ele publica,
entrementes, o quadrívio da quadra. Em tópico
primeiro: o Auriga, na liga, comanda a quadriga.
Em tópico sagrado, e em «topos» segundo: as
letras se ligam, em José Manuel, à Astronomia,
dessarte, e à Musa das esferas – e estrelas são
letras que flamam no Céu. As sensações, neste
Vate, são aquáticas, maternais, e portanto
musicais; é dele a Música, apolónio, e deveras
Museu, e morfético, ou morfia, o Morfeu enforma
Orfeu. E queremos, deveras, aduzir e dizer:
tanto em Rabaça, como em Julião, a escrita é um
estado paranormal. E vem à colação nosso Álvaro
Ribeiro: ao ser uma expressão do inconsciente,
Literatura é expressão do sobrenatural. Já o
dissemos, adrede: na automática escrita, o Poeta
de gema é um médium, instrumento, nas mãos de
poderes, ou de potências, muito maiores. O caso
e a causa do Fernando Pessoa, ele é símil,
similar ou semelhante, à cousa de Julião, e ao
caso, e à causa, de José Manuel Rabaça. E pede o
símil, sinérgico, a simulação. Ou melhor: tanto
o Julião, como o Rabaça, eles são, generosos,
assistidos por Génios. Sendo o Génio, para os
Antigos, medianeiro, ou intermédio, entre os
deuses e os homens. E por isso aqui é estreme a
necessidade metafísica, e ousamos, por isso,
agora, dizer: o postilhão de Apolo, ele é pólo,
e está à porta – e é muito raro, ou incomum, que
um grande Poeta seja um ateu – e divisamos
Sampaio Bruno, e falaremos aqui da Musa como
idílio, ideal, ou ideia de Deus. Pois na
«communio», comunicação, ou comunhão, declara,
caroal, declara o Rabaça: «Os poetas dizem
sonolência onde vêem duas mãos a unirem-se,
quando as flores se fecham e os olhares se
abraçam» - e eis o estado, e o estudo, da
especulação. E estamos, com Rabaça, perante o
sono lúcido, o sonho transportado para a vida
real. Assertaremos, novamente: se a Poesia é do
verso, a Poesia é inversa, ela faz do dia Noute
e ela faz da Noite dia. Se a Arte é pois mentira
que, à força de meditada, se transforma em
verdade, aqui dêmos a palavra a Guy de
Maupassant: «os grandes artistas são aqueles que
fazem a Humanidade aceitar as suas ilusões
particulares», e acrescentemos, como exemplo:
Dom Quixote, Adamastor, e D. Juan ou Carlos da
Maia, eles nunca existiram, veramente, em carne
e osso da vida corpórea; - são, porém, mais
verdadeiros, mais lidimamente autênticos e
paradigmáticos, em sua essencialidade, do que os
falsos caracteres ou «cadáveres adiados» que
connosco gesticulam e falam, na falácia e no
falaz da vida quotidiana. E falando, agora
mesmo, em tópicos e tropos, o «Homo Ludens» ele
vive do ludismo, do ludíbrio, e da Ludoterapia –
e por isso, demandamos: da Ludoterapia, ou da
Logoterapia???
A resposta é do leitor. E por isso, averbaremos:
o que é patente e presente em Julião Bernardes,
também é lente, e premente, em José Manuel
Rabaça: a noção de fingimento e a paixão,
aficionada, por Fernando Pessoa. Que ideias
factícias são ideias fictícias – e é própria, da
«imago», a solerte imitação. Ou «mimesis», de
feito, em platónica lição. Que as imagens são
magias, «image» e «magie», na língua do Galo,
são perfeitos anagramas – e apela, o fingimento,
ao Mago e ao magíster, e a récita apela à ficção
do «Bateleur». «Ser desafio», para Bernardes, é
«despir a pele, limpar a carne», o desafio, pra
Julião, é «ver o longe no mais perto». Que
avistar, na «persona», o outro lado, é falar,
pessoano, de outra coisa – e é fabular, almado,
por alegorias. O inconsciente, por isso, é outra
cena, «o inconsciente», pra Lacan, «é o discurso
do Outro». Se, para Rimbaud, o «Eu é um Outro»,
impele o Ego o não-Eu através da actividade
imaginativa. E é isso que ensinava o platónico
«Íon»: no transe e no estupor, o Poeta, em
«mimesis», é um magnetizador. E lembremos, na
cita, o Aristóteles, bem citado, ou seguido, por
S. Tomás de Aquino: o pensamento não pode
elaborar, operar não pode, pois,
sem a ajuda
das imagens – e as Camenas de Rabaça, e o Furor
de Julião, são qual a mente, e o comento,
mágico-simbólico. Hemos dito, e aventado: a Musa
é linguagem do subconsciente. Do subconsciente
ou do supraconsciente? Pra ser feito o milagre
de uma só cousa, o que é do limo está no Alto, o
que é no topo está na base; esse é o mundo, e
oração, da mundificação. Ou melhor: não sendo,
na Ágora, o hegeliano, concordaremos, agora, com
o nascido em Estugarda: as três fôrmas, ou
formas, do Espírito Absoluto, são elas,
precisamente, a Arte, a Religião, e a filosófica
flama. Ou melhor: se a estese apela à tese, o
especular, já o dissemos, é siderar ou
contemplar. E aqui lembremos nós: a prender e
aprender, só o templar é o compreender. Como
Dilthey avisou, nas Ciências Humanas há
simpatia, ou empatia, entre o sujeito e objecto;
e é o que nominava, e é o que chamava,
Levy-Bruhl, de mística, ou mistérica,
participação. Contra a «pólis», contra o jugo, o
próprio do jogral é o mimar, o jogar, e
re-apresentar – e o mundo, para o Poeta, é sua
representação.
E coragem, leitor, estamos quase a findar. Para
a jornada de Julião, «o mundo é uma torre no
xadrez invisível que a vida nos concede» - e não
alembras, ó ledor, os jogadores de xadrez do
real Ricardo Reis? Ficou jogado, na jorna, o
Teatro do Ser, ficou alçado, aqui, o
supra-realismo, o soberbo, meu Amigo, e solerte
Psicodrama. E dêmos, novamente, a voz e a vez a
José Manuel Rabaça: «O poético do meu nome / é
dizer-te adeus, / quando a música / vai como a
água / e a mão adormece.» Vai directa e direita,
a «poiesis», ao intra-uterino e às águas da
matriz. Queremos dizer: se se reflecte e repete,
a filogénese, em ontológica ontogénese, a
criança, dessarte, é o antepassado do homem – e
falar em Poesia é parlar, «no songe», em
pensamento selvagem. Ele revela-se no sonho, nas
neuroses, e templação do Arquétipo, na lição e
lectivo, colectivo inconsciente. E de feito, e
afinal, ao nominado, por Blake, de «génio
poético», nós chamaremos, nós outros, o orar e
fabular – e são imagens, mentiras, são metáforas
e Mitos. Esse é o escol e é a escola,
é esse o
culto, e a cultura, Luso-Espanhola.
E este é o orbe, o
oráculo e orada. «Os homens serão julgados de
acordo com suas obras», aduz e diz, deveras, o
Livro de Mórmon. Que inferindo, e aferindo,
algures deixou escrito, o Fernando Pessoa, que
é, o crítico literário, uma espécie de
Psicólogo, ou de Psico-analista. E asseveramos
de novo: «Psicologia» significa, literalmente,
uma fala da Alma. Perante um poema se deveras
comporta, o Autor destas linhas, como o esperto
e experto oniromancista – e pede o sonho,
portanto, a Cabala e hermenêutica. Amoroso e
amorável para o Poeta, é, o Professor de
Literatura, um mendaz e um manhoso contador de
mentiras; assim o signa, solerte, António
Cândido Franco. Se se trata aqui de oráculo,
citemos, novamente, o avito Estagirita; ele
deixou escrito, na «Metafísica», que os
primeiros Teólogos de que temos notícia, eles
eram, de facto, Poetas de sangue. E de sangue
são Poetas os Autores, e promotores, da «Poesia
Oracular Portuguesa». Ela apela e anela a
trindade e o trívio: ela é uma forma de
«Paideia», ela é fiel Pedagogia, e ela é vera, e
é veraz, Cultura de encontros. Numa feraz
filantropia, conduz, este volume, a criança para
a escola. A esquadrinhar, a estruturar e a
rezar. Não olvidando, deveras, que livre é o
livro, que, na Cidade do futuro, lavora, o
camponês, com o livro na mão. Não olvidando,
também, que, desde Platão, o Poeta é forâneo,
falaremos nós aqui da estese e do estudo, da
ex-centricidade do Ser. E é que lê o Amigo
lente, e é que lê o intelecto no arteiro
interior. Se na língua do Lácio é aplicável, a
palavra «cultura», a domínios tão diferentes
como as letras, os campos e a Amizade, o que
anela o Julião, o que anela o Rabaça, é
cultivar-se, a fundo, seguindo, segundo, e para
a «humanitas». E no estudo e no estado duma
Escolástica preste, se a Literatura, para nós
outros, é missão e é mister, ela insiste e ela
existe, ela clareia, abertamente, na clareira do
Ser!!!!!!!!!!!
Queluz,
08/ 09/ 2015
SIC ITUR
AD ASTRA
PAULO
JORGE BRITO E ABREU
|