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 Maria Estela Guedes. Poeta, dramaturga, 
										historiadora da História Natural e da 
										Maçonaria Florestal Carbonária. Dirige 
										coleções na Apenas Livros e faz parte do 
										Conselho Editorial em 
										www.incomunidade.com. Tem umas 
										dezenas de títulos publicados.
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										| Foto de José 
										Emílio-Nelson |  |  
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								| 
									MARIA ESTELA GUEDES 
								
								
								Garcia de Resende, criador do mito de Pedro e 
								Inês Trovas à morte Inês de 
								Castro |  
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								| 
									Texto publicado originalmente em 
									www.incomunidade.com |  
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								| 
								
								Os amores de D. Pedro I (1320-1367), rei de 
								Portugal, e de D. Inês de Castro –
								La reine 
								morte, 
								no título de Henry de Montherlant – são o nosso 
								tema mais abundantemente tratado, quer por 
								autores portugueses, quer estrangeiros, seja em 
								teatro, romance, poesia, cinema ou ópera. O 
								episódio é um dos mais conhecidos d’
								Os Lusíadas, e antes de Camões foi arquitetado por Garcia de Resende 
								(1470-1536), um típico humanista, dividido por 
								artes várias: arquiteto, compositor, cantor, 
								poeta, cronista de D. João II, secretário deste 
								e de D. Manuel I. O que porém o celebrizou foi a 
								compilação de oito centenas de poemas em 
								português (alguns em espanhol) dos séculos XV e 
								XVI, cujo título traz anexado o seu nome. Andrée 
								Crabée Rocha (1) chama a atenção para este facto 
								inédito, revelador de justiça, ao valorizar-se 
								com o nome do compilador um título que espelha a 
								produção poética da sua época. Uma coletânea não 
								tem de ser uma seleta, sim um bom espelho. Ora 
								cerca de oitocentos textos e de quase trezentos 
								autores, que cobrem cerca de cem anos, são 
								muitíssimo representativos do século XV e 
								primeiros anos do seguinte. O
								Cancioneiro geral de Garcia de Resende, com primeira edição em 1516, 
								inclui autores como Diogo Brandão, Duarte de 
								Brito, Henrique da Mota, João Roiz de Castelo 
								Branco, Jorge de Aguiar, Francisco da Silveira, 
								Sá de Miranda, Bernardim Ribeiro e o próprio 
								Garcia de Resende. Peça mais importante do
								
								Cancioneiro Geral, as famosas
								Trovas à 
								morte de Inês de Castro, de Garcia de 
								Resende, foram conhecidas de todos os autores 
								portugueses subsequentes, como Camões, António 
								Ferreira, Bocage, António Cândido Franco e eu 
								mesma, e o leitor pode agora recordá-las ou 
								apreciá-las pela primeira vez. As
								Trovas à 
								morte de Inês de Castro e um poema de 
								Henrique da Mota,
								Visão de 
								dona Inês, são os textos mais antigos que se 
								conhecem nesta data sobre os amores de Pedro e 
								Inês. Só séculos depois reconhecido, Henrique da 
								Mota, um dos autores compilados no
								
								Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, é o 
								responsável pelo simbolismo aquático em que 
								perdura a história de Inês em obras mais 
								recentes. Nada como seguir Maria Leonor Machado 
								de Sousa (2) para verificarmos a origem e 
								amplitude destes trágicos amores no caso 
								português. Caso que realmente é um mito, uma 
								narrativa exemplar anterior, na qual Garcia de 
								Resende e Henrique da Mota encaixam Pedro e 
								Inês.  Uma das reações à minha 
								peça A 
								Boba (3),
								
								 encenada 
								por Carlos Avilez no Teatro Experimental de 
								Cascais, foi a de ela destruir o mito destes 
								amores. Pelo contrário: não só o mito é 
								indestrutível como, ao revelar algum pouco do 
								quase nada que a historiografia regista sobre o 
								assunto, deixei claro que se tratava de uma obra 
								literária coletiva que se tinha vindo a avolumar 
								ao longo dos séculos. A minha peça é uma manta 
								de retalhos, construída com citações de autores 
								vários que trataram o tema de Pedro e Inês. 
								Donde, se algo desconstruí, foi a ideia de que 
								essa história tivesse fundamento real. Não tem, 
								é um verdadeiro mito, à espera de psicanalista 
								para nos diagnosticar. Mito porque a ficção se 
								ultrapassa a si mesma para cristalizar em 
								narrativa como a de Édipo, Laio e Jocasta, 
								personagens que vieram a constituir núcleos 
								simbólicos poderosos na obra psicanalítica de 
								Freud. O drama da história inesiana não nasce 
								com os amores de Pedro e Inês, perde-se em 
								tempos anteriores a eles, no espaço ignoto e 
								obscuro do inconsciente. Tanto isto é assim que, 
								antes de deixarmos os leitores com as
								Trovas à 
								morte de Inês de Castro, lhe pedimos que 
								passe os olhos por um extrato da
								Crónica de 
								Castela, trazido à colação por Maria do 
								Rosário Ferreira: 
								 «Et estando y o infante 
								pagousse moyto de hüa donzela et oluydou a 
								rreyna sua mulher... en guisa que o nõ podiam 
								partir dela por nemhũa maneyra, nē se pagaua 
								tato de nēhũa cousa, ...assy que sse nõ nēbraua 
								de sy nē do... rreyno nen doutra cousa. Et os 
								omes boos ouuerõ seu acordo como posessem 
								rrecado ēno rreyno, por rrazõ daquelle feyto tam 
								mao et tam sem Deus. Et acordarõ que a matassem. 
								Et cõ este acordo entrarõ ala... et mentre os 
								hũus falarõ cõ el rey, os outros entrarõ hu 
								estaua aquela donzela, et acharõna en muy nobles 
								estrados et degolarõ ela. ...E desy forõ sua 
								carreyra. Et o infante, quando o soube, foy muy 
								coytado, tanto que nõ soube que fazer, tã grande 
								era o amor que dela auya.» 
								(in Cap. 491 da Tra. gal.-port. da Cr. de 
								Castela (ed. Lorenzo, pp.716-17).   Dou a palavra a Maria do 
								Rosário Ferreira, autora do artigo em que faz a 
								transcrição anterior: «Todos os actores 
								canónicos do drama inesiano figuram no quadro 
								acima apresentado: a amada, o amante, os 
								diligentes algozes, o rei. Aí se referem 
								igualmente as circunstâncias de todos 
								recordadas, os algozes que se introduzem na 
								própria câmara da amada na ausência do amante, 
								as conversações à margem com o rei, bem como o 
								reconhecido motivo da morte: o interesse do 
								reino, que o desviado amante, todo absorvido no 
								seu amor, mais do que negligenciava, esquecia. 
								Em tudo isto, há apenas um senão: é que Inês de 
								Castro foi morta a sete de Janeiro de 1355, e a 
								página cronística aqui recordada estava já 
								escrita meio século antes.» Cinquenta anos antes da 
								morte de Inês, já a sua história estava escrita, 
								mas antes de escrita cinquenta anos antes, já 
								ela era conhecida pelo menos na tradição oral, 
								ou não teria sido ficcionalmente aplicada à 
								“história de Afonso VIII de Castela e uma sua 
								anónima concubina que a História acolheu sob a 
								designação de Judia de Toledo”, e cito de novo 
								Maria do Rosário Ferreira. Por consequência, esse 
								núcleo dramático do mito em que vemos um rei 
								mandar matar a amante do príncipe herdeiro, por 
								este descurar por ela as coisas do reino, é o 
								que surge nas
								Trovas à 
								morte de Inês de Castro de Garcia de 
								Resende, e na sequência dará o tom a um conto a 
								que cada autor acrescenta seu ponto. O mais 
								aparatoso dos pontos acrescentados é toda a 
								sequência do cortejo, coroação da rainha morta e 
								beija-mão ao cadáver (seis anos após a morte da 
								putrefacta senhora).  Que D. Pedro I era 
								cruel, isso, creio que sim, que foi homem de 
								grandes paixões, e estou a lembrar-me da pena 
								aplicada a Afonso Madeira, seu companheiro de 
								jogos e de caça. Segundo Fernão Lopes, o 
								príncipe D. Pedro amava Afonso Madeira mais do 
								que  
								ele, cronista, podia dizer. Qual foi a pena? 
								Mandou capá-lo na praça pública, porque o rapaz 
								se envolvera com uma mulher casada. Enfim, 
								porque o traíra. Eu sou a favor do mito, 
								e também a favor de que não o tomemos por coisa 
								acontecida no espaço social da vida, de modo a 
								não lamentarmos, como familiares nossos, nos 
								últimos momentos de vida: “É tudo mentira!”. Por 
								isso, fiquemos com a verdade de Garcia de 
								Resende, primeiro arquiteto da narrativa, mas 
								fiquemos na consciência clara de ser ela a 
								primeira pedra num dos mais impressionantes 
								edifícios da literatura portuguesa e da arte em 
								termos globais. |  
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								| 
								
								Trovas que Garcia de Resende fez à morte de D. 
								Inês de Castro, que el-rei D. Afonso, o Quarto, 
								de Portugal, matou em Coimbra por o príncipe D. 
								Pedro, seu filho, a ter como mulher, e, polo bem 
								que lhe queria, nam queria casar. Enderençadas 
								às damas.   
								
								
								 Senhoras, 
								s'algum senhor 
								
								
								 vos 
								quiser bem ou servir, 
								
								
								 quem 
								tomar tal servidor, 
								
								
								 eu 
								lhe quero descobrir 
								
								
								 o 
								galardam do amor. 
								
								
								 Por 
								Sua Mercê saber 
								
								
								 o 
								que deve de fazer 
								
								
								 vej'o 
								que fez esta dama, 
								
								
								 que 
								de si vos dará fama, 
								
								
								 s'estas 
								trovas quereis ler.   
								 Fala 
								D. Inês   
								
								
								 Qual 
								será o coraçam 
								
								
								 tam 
								cru e sem piadade, 
								
								
								 que 
								lhe nam cause paixam 
								
								
								 úa 
								tam gram crueldade 
								
								
								 e 
								morte tam sem rezam? 
								
								
								 Triste 
								de mim, inocente, 
								
								
								 que, 
								por ter muito fervente 
								
								
								 lealdade, 
								fé, amor 
								
								
								 ó 
								príncepe, meu senhor, 
								
								
								 me 
								mataram cruamente!   
								
								
								 A 
								minha desaventura 
								
								
								 nam 
								contente d'acabar-me, 
								
								
								 por 
								me dar maior tristura 
								
								
								 me 
								foi pôr em tant'altura, 
								
								
								 para 
								d'alto derribar-me; 
								
								
								 que, 
								se me matara alguém, 
								
								
								 antes 
								de ter tanto bem, 
								
								
								 em 
								tais chamas nam ardera, 
								
								
								 pai, 
								filhos nam conhecera, 
								
								
								 nem 
								me chorara ninguém.   
								
								
								 Eu 
								era moça, menina, 
								
								
								 per 
								nome Dona Inês 
								
								
								 de 
								Castro, e de tal doutrina 
								
								
								 e 
								vertudes, qu'era dina 
								
								
								 de 
								meu mal ser o revés. 
								
								
								 Vivia 
								sem me lembrar 
								
								
								 que 
								paixam podia dar 
								
								
								 nem 
								dá-la ninguém a mim: 
								
								
								 foi-m'o 
								príncepe olhar, 
								
								
								 por 
								seu nojo e minha fim.   Começou-m'a desejar, 
								
								
								 trabalhou 
								por me servir; 
								
								
								 Fortuna 
								foi ordenar 
								
								
								 dous 
								corações conformar 
								
								
								 a 
								úa vontade vir. 
								
								
								 Conheceu-me, 
								conheci-o, 
								
								
								 quis-me 
								bem e eu a ele, 
								
								
								 perdeu-me, 
								também perdi-o; 
								
								
								 nunca 
								té morte foi frio 
								
								
								 o 
								bem que, triste, pus nele.   
								
								
								 Dei-lhe 
								minha liberdade, 
								
								
								 nam 
								senti perda de fama; 
								
								
								 pus 
								nele minha verdade 
								
								
								 quis 
								fazer sua vontade, 
								
								
								 sendo 
								mui fremosa dama. 
								
								
								 Por 
								m'estas obras pagar 
								
								
								 nunca 
								jamais quis casar; 
								
								
								 polo 
								qual aconselhado 
								
								
								 foi 
								el-rei qu'era forçado, 
								
								
								 polo 
								seu, de me matar.   
								
								
								 Estava 
								mui acatada, 
								
								
								 como 
								princesa servida, 
								
								
								 em 
								meus paços mui honrada, 
								
								
								 de 
								tudo mui abastada, 
								
								
								 de 
								meu senhor mui querida. 
								
								
								 Estando 
								mui de vagar, 
								
								
								 bem 
								fora de tal cuidar, 
								
								
								 em 
								Coimbra, d'assessego, 
								
								
								 polos 
								campos de Mondego 
								
								
								 cavaleiros 
								vi somar.   
								
								
								 Como 
								as cousas qu'ham de ser 
								
								
								 logo 
								dam no coraçam, 
								
								
								 comecei 
								entrestecer 
								
								
								 e 
								comigo só dizer: 
								
								
								 "Estes 
								homens donde iram? 
								
								
								 E 
								tanto que preguntei, 
								
								
								 soube 
								logo qu'era el-rei. 
								
								
								 Quando 
								o vi tam apressado 
								
								
								 meu 
								coraçam trespassado 
								
								
								 foi, 
								que nunca mais falei.     
								
								
								 E 
								quando vi que decia, 
								
								
								 saí 
								à porta da sala, 
								
								
								 devinhando 
								o que queria; 
								
								
								 com 
								gram choro e cortesia 
								
								
								 lhe 
								fiz úa triste fala. 
								
								
								 Meus 
								filhos pus de redor 
								
								
								 de 
								mim com gram homildade; 
								
								
								 mui 
								cortada de temor 
								
								
								 lhe 
								disse: - “Havei, senhor, 
								
								
								 desta 
								triste piadade!"   
								
								
								 "Nam 
								possa mais a paixam 
								
								
								 que 
								o que deveis fazer; 
								
								
								 metei 
								nisso bem a mam, 
								
								
								 qu'é 
								de fraco coraçam 
								
								
								 sem 
								porquê matar molher; 
								
								
								 quanto 
								mais a mim, que dam 
								
								
								 culpa 
								nam sendo rezam, 
								
								
								 por 
								ser mãi dos inocentes 
								
								
								 qu'ante 
								vós estam presentes, 
								
								
								 os 
								quais vossos netos sam.   
								
								
								 "E 
								que tem tam pouca idade 
								
								
								 que, 
								se não forem criados 
								
								
								 de 
								mim só, com saudade 
								
								
								 e 
								sua gram orfindade 
								
								
								 morrerám 
								desemparados. 
								
								
								 Olhe 
								bem quanta crueza 
								
								
								 fará 
								nisto Voss'Alteza: 
								
								
								 e 
								também, senhor, olhai, 
								
								
								 pois 
								do príncepe sois pai, 
								
								
								 nam 
								lhe deis tanta tristeza.   
								
								
								 "Lembre-vos 
								o grand'amor 
								
								
								 que 
								me vosso filho tem, 
								
								
								 e 
								que sentirá gram dor 
								
								
								 morrer-lhe 
								tal servidor, 
								
								
								 por 
								lhe querer grande bem. 
								
								
								 Que, 
								s'algum erro fizera, 
								
								
								 fora 
								bem que padecera 
								
								
								 e 
								qu'este filhos ficaram 
								
								
								 órfãos 
								tristes e buscaram 
								
								
								 quem 
								deles paixam houvera;   
								
								
								 "Mas, 
								pois eu nunca errei 
								
								
								 e 
								sempre mereci mais, 
								
								
								 deveis, 
								poderoso rei, 
								
								
								 nam 
								quebrantar vossa lei, 
								
								
								 que, 
								se moiro, quebrantais. 
								
								
								 Usai 
								mais de piadade 
								
								
								 que 
								de rigor nem vontade, 
								
								
								 havei 
								dó, senhor, de mim 
								
								
								 nam 
								me deis tam triste fim, 
								
								
								 pois 
								que nunca fiz maldade!"   
								
								
								 El-rei, 
								vendo como estava, 
								
								
								 houve 
								de mim compaixam 
								
								
								 e 
								viu o que nam oulhava: 
								
								
								 qu'eu 
								a ele nam errava 
								
								
								 nem 
								fizera traiçam. 
								
								
								 E 
								vendo quam de verdade 
								
								
								 tive 
								amor e lealdade 
								
								
								 ó 
								príncepe, cuja sam, 
								
								
								 pôde 
								mais a piadade 
								
								
								 que 
								a determinaçam;   
								
								
								 Que, 
								se m'ele defendera 
								
								
								 ca 
								seu filho não amasse, 
								
								
								 e 
								lh'eu nam obedecera, 
								
								
								 entam 
								com rezam podera 
								
								
								 dar 
								m'a morte qu'ordenasse; 
								
								
								 mas 
								vendo que nenhú'hora, 
								
								
								 dês 
								que naci até'gora, 
								
								
								 nunca 
								nisso me falou, 
								
								
								 quando 
								se disto lembrou, 
								
								
								 foi-se 
								pola porta fora,   
								
								
								 Com 
								seu rosto lagrimoso, 
								
								
								 co 
								propósito mudado, 
								
								
								 muito 
								triste, mui cuidoso, 
								
								
								 como 
								rei mui piadoso, 
								
								
								 mui 
								cristam e esforçado. 
								
								
								 Um 
								daqueles que trazia 
								
								
								 consigo 
								na companhia, 
								
								
								 cavaleiro 
								desalmado, 
								
								
								 de 
								trás dele, mui irado, 
								
								
								 estas 
								palavras dezia:   
								
								
								 - 
								"Senhor, vossa piadade 
								
								
								 é 
								dina de reprender, 
								
								
								 pois 
								que, sem necessidade, 
								
								
								 mudaram 
								vossa vontade 
								
								
								 lágrimas 
								d’ua molher. 
								
								
								 E 
								quereis qu'abarregado, 
								
								
								 com 
								filhos, como casado, 
								
								
								 estê, 
								senhor, vosso filho? 
								
								
								 de 
								vós mais me maravilho 
								
								
								 que 
								dele, qu'é namorado.   
								
								
								 "Se 
								a logo nam matais, 
								
								
								 nam 
								sereis nunca temido 
								
								
								 nem 
								farám o que mandais, 
								
								
								 pois 
								tam cedo vos mudais, 
								
								
								 do 
								conselho qu'era havido. 
								
								
								 Olhai 
								quam justa querela 
								
								
								 tendes, 
								pois, por amor dela, 
								
								
								 vosso 
								filho quer estar 
								
								
								 sem 
								casar e nos quer dar 
								
								
								 muita 
								guerra com Castela.   
								
								
								 "Com 
								sua morte escusareis 
								
								
								 muitas 
								mortes, muitos danos; 
								
								
								 vós, 
								senhor, descansareis, 
								
								
								 e 
								a vós e a nós dareis 
								
								
								 paz 
								para duzentos anos. 
								
								
								 O 
								príncepe casará, 
								
								
								 filhos 
								de bençam terá, 
								
								
								 será 
								fora de pecado; 
								
								
								 qu'agora 
								seja anojado, 
								
								
								 amenhã 
								lh'esquecerá."   
								
								
								 E 
								ouvindo seu dizer, 
								
								
								 el-rei 
								ficou mui torvado 
								
								
								 por 
								se em tais estremos ver, 
								
								
								 e 
								que havia de fazer 
								
								
								 ou 
								um ou outro, forçado. 
								
								
								 Desejava 
								dar-me vida, 
								
								
								 por 
								lhe nam ter merecida 
								
								
								 a 
								morte nem nenhum mal; 
								
								
								 sentia 
								pena mortal 
								
								
								 por 
								ter feito tal partida.   
								
								
								 E 
								vendo que se lhe dava 
								
								
								 a 
								ele tod'esta culpa, 
								
								
								 e 
								que tanto o apertava, 
								
								
								 disse 
								àquele que bradava: 
								
								
								 - 
								"Minha tençam me desculpa. 
								
								
								 Se 
								o vós quereis fazer, 
								
								
								 fazei-o 
								sem mo dizer, 
								
								
								 qu'eu 
								nisso nam mando nada, 
								
								
								 nem 
								vejo essa coitada 
								
								
								 por 
								que deva de morrer."   
								
								
								 Fim   
								
								
								 Dous 
								cavaleiros irosos, 
								
								
								 que 
								tais palavras lh'ouviram, 
								
								
								 mui 
								crus e nam piadosos, 
								
								
								 perversos, 
								desamorosos, 
								
								
								 contra 
								mim rijo se viram; 
								
								
								 com 
								as espadas na mam 
								
								
								 m'atravessam 
								o coraçam, 
								
								
								 a 
								confissam me tolheram: 
								
								
								 este 
								é o galardam 
								
								
								 que 
								meus amores me deram. |  
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								NOTAS 
								
								
								
								(1)
								
								Andrée Crabée Rocha,
								Garcia de Resende e o Cancioneiro Geral. Lisboa, Secretaria de 
								Estado da Cultura, Biblioteca Breve, 1979. 
								
								
								
								(2) 
								
								
								 Maria 
								Leonor Machado de Sousa,
								Inês de 
								Castro na Literatura Portuguesa. Lisboa, 
								Secretaria de Estado da Cultura, Biblioteca 
								Breve, 1984. 
								
								
								
								(3) 
								
								
								 Maria 
								Estela Guedes,
								A Boba. Lisboa, Apenas Livros, 2007. 
								
								
								
								(4) 
								
								
								 Maria 
								do Rosário Ferreira, “Onde está Inês posta em 
								sossego?“. Comunicação ao VI Colóquio da Secção 
								Portuguesa da Associação Hispânica de Literatura 
								Medieval, Coimbra, Quinta das Lágrimas, Outubro 
								de 2006. |  
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