Revista TriploV de Artes, Religiões & Ciências .
ns . nº 54 . outubro-novembro 2015 .  índice



Luís Costa escreve poesia e mais algumas coisas. Nasceu numa Sexta - Feira Santa. 
Já teve o prazer de participar em várias revistas digitais e também (com 4 poemas)
 no primeiro número da Revista Objeto Surrealista DEBOUT SUR L'OEUF. mas até agora continua inédito em livro. Para além disso pouco há a dizer. 
Ah!
 Diz que a biografia do poeta é a sua poesia, pois, a seu ver, fora do poema o poeta não existe. Ama a poesia, mas também a odeia. Sim, poetar é para ele uma questão de ódio e amor. Uma violência amorosa. Talvez mesmo o ( des 
) contínuo assassinato do eu para que o poeta se faça. 

 
LUÍS COSTA

Da paixão

 

***

 

MORRESTE, mas não morreste de todo:

a boca ficou-te ao cimo da água

morena e gotejante

 

sei deveras que estás morto

mas estás vivo dentro da tua morte

 

és como o homem que passeia por sobre as águas

com peixes nas mãos acesas

candeias que deixam ver o adro negro

das palavras

 

morreste e sinto a tua morte viva

nas cadências do meu choro

quando ajoelhada perante o teu cadáver

 

amo-te! amo-te!

 

como um cordão umbilical

a missiva da paixão dura no sangue ameno

 

e o meu sexo abre-se orvalhante

ao meio das noites

 

sob sumptuosos lençóis vive nele

torrencial,

a tua morte.

 

***

 

TRAZEM à altura das goelas um lanho

A veloz ira do amor pelos poetas

Tão cantado

 

O animal sepulcral sobrevivendo

Lá dentro

Uma cantiga que sobe nas pedras

Lunares das suas veias abertas

 

É um belo talho, aquele,

O majestoso golpe de navalha

De algum demónio canino

 

Amam, de facto, aquele lanho

Venéreo e abscôntico

Como se a existência se explicasse

Por ali

 

Amam:

Como quando o céu e a terra

S’abatem no écran das vísceras

E as máquinas do pavor amanhecem

Felizes.

 

***

 

A CASA era branca. de pedra e cal.

na porta pendia uma gloriosa sineta.

as fechaduras eram de ouro vermelho.

 

lá dentro: ardiam os tachos de barro

e as panelas, olores profundos,

talvez absolutos, de um tempo habitável.

 

mais tarde, junto ao fogo, as feras

da noite rugiam; pacíficas, rugiam.

 

e a mulher deitava-se na horizontal,

flutuante abria o sexo,

e observava o homem por entre os seus

mamilos túmidos e sísmicos.

 

então, a forja da carne inflamava - se

                        era o regresso à fonte. 

 

*** 

 

e a água o nosso maior destino

             (Isabel Mendes Ferreira)

 

la noche de ojos de agua en el campo dormido,

está en tus ojos de caballo que tiembla,

está en tus ojos de agua secreta

                                     (Octavio Paz)

 

ERGO-ME da água. do excesso das fontes.

ergo-me sobre a água. ardo. ando.

pegadas de uma fabulosa podridão.

os meu passos.

 

ando na noite da água. ouço os sonhos

dos cavalos, no fundo da água,

os teus olhos.

 

cego de luz,

atravesso as portas e as janelas fechadas,

os espaços interiores e carnívoros,

as grandes falésias, as vozes dos mortos

no destino da água.

 

sou uma amorosa mutilação.

o carrasco e a vítima na corda da água.

 

e deste modo: emudeço.

e deste modo: permaneço. no cântico.

 

***

 

O DESEPERO dos cães nocturnos

bate-lhe nos ventrículos

assim aprende a humilhação

dos dedos amputados

a contínua indigência do terror na alma humedecida.

 

*

 

Como uma devoção

o teu rosto, fechado, no escuro.

ainda: a sede da loucura.

habitamos do tempo: as gloriosas traições.

 

(In: Caravagiando)

 
Cruzeiro Seixas  
Ο μονήρης ποιητής *
  
Cortei a minha cabeça/ coloquei-a num prato/ e levei-a ao médico
                                                    Miltos Sahtúris
 
        Face à l'énergie nucléaire, la lampe d'argile du poète suffira-t-elle à son propos?
Oui, si d'argile se souvient l'homme.
                                                     Saint Jonh-Perse
 

CORRIA pelas ruas da cidade, corria

decapitado  e indignado como no poema de Miltos Sahtúris. 
corria com uma lanterna na mão, 
um coração de andorinha nas vísceras.


era um dia alto , a luz caía, a pique caía
e ele deambulava pelas ruas da cidade,
deambulava com um punhado de pregos, 
um martelo e uma lanterna na mão. 

deambulava à procura, à procura... 


à sua volta, os homens com cabeças altas 
e deslumbrantes

como a prata ou o ouro na penhora.

os homens, altos, olhavam-no. 

e por entre ruidosas gargalhadas, diziam: 
o que quer este poeta decapitado 
com a sua luz de argila no tempo da internet? 
por que não nos deixa em paz?

 

afinal para quê poetas neste tempo electroclínico? 
que morram os poetas!


* O moníris poiitís: o poeta solítário.
 
 
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