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										| João Rasteiro 
										(Coimbra, Portugal, 1965), poeta e 
										ensaísta, traduziu para português vários 
										poemas de Harold Alvarado Tenorio, Miro 
										Villar, Juan Armando Rojas Joo, Juan 
										Carlos García Hoyuelos, Enrique 
										Villagrasa e Antonio Colinas. É 
										Licenciado em
										
										Estudos Portugueses e Lusófonos pela 
										Universidade de Coimbra. Possui poemas 
										publicados em várias revistas e 
										antologias em Portugal, Brasil, 
										Moçambique, Itália, Espanha, Finlândia, 
										República Checa, Colômbia, México e 
										Chile e vários poemas traduzidos para o 
										Inglês, Francês, Espanhol, Italiano, 
										Catalão, Checo e Japonês.
										
										 Em 
										2012 participou na 
										exposição “Surrealism 
										in 2012” do Goggleworks Center for 
										the Arts, Reading, EUA, com trabalhos 
										individuais e colectivos, executados com 
										os membros do “Cabo 
										Mondego Section of Portuguese 
										Surrealism, que integra desde a sua 
										fundação em 2008 |  |  |  
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								| JOÃO RASTEIRO Três 
								poemas inéditos
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								|  “Eu 
								sou deus”                   
								     a Aylan Kurdi  Eu sou um 
								deus nesta ampulheta,     mais 
								espesso que a clepsidra, e escoo nela como um 
								deus escoa. *  Deus, um deus na 
								perfídia do poema,  impreciso verso 
								primordial,  e como um deus 
								escoando nele. *  Náufrago, o não 
								deus de um oceano,  depois de a 
								garganta se encetar,  e esmagando a oira 
								que julgo minha. *   Um corpo como um 
								esbulho    incalculável, as 
								impurezas da simonia:   a fingida 
								percepção do pranto. *  Um tigre de 
								baldios, aquela insurgente  cria, o centro de 
								mim mesmo:  um céu que nos envaza a 
								fiúza.  |  
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								| lafaek diak
 
 
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								| a D. Ximenes Belo Crocodilo, desabrocha agora as tuas filiais 
								crias da ilha da gente em teu 
								próprio ímpeto, cerceia as tuas 
								glândulas lacrimais e desobriga de degraus 
								 a insubmissa boca do 
								extenso sol.   Vem fixar o claro clamor 
								do mundo, o teu desgastado corpo ao queixume de um poema 
								aceso pelo sangue deste intenso sândalo: o 
								que alvora  o vento sobre as águas 
								claras como fronte de razão 
								errante.   Que os que te comem 
								sejam o audível fruto.    Um primordial disco de 
								ouro  que tremula nas ondas 
								perto do sol, a pura nascente da 
								muntingia em intacta ferida.   Disseste ilha outrora 
								como se dissesses a Ilha.    O coração tem mais uma 
								artéria  onde se recolhe 
								aquiescido em seu eco, o sonho como um infrene 
								dínamo.   Alvoreceu Timor o tempo 
								sob a goiva!   Crocodilo, o corpo 
								genuíno do amor  em teu substantivo que 
								morreste, em mim perplexo rapaz 
								que me fiz verbo.   Crocodilo és agora por 
								dentro do dorso, o Dorso! |  
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								|   IX – Lugar de 
								desaguação O mundo murmurou: Vede, 
								o bardo desaguou, atulhou seu sangue e desaguou. 
								Algumas lágrimas vermelhas tombaram sobre a 
								anfitrite do fogo; as áspides surgiram e mataram 
								a sede. Outras tombaram sobre o linho e não 
								lograram entranhar-se no poema do mundo, e não 
								desabrocharam a escama da ilusão. E outras 
								tombaram em visões férteis (o horror da 
								impiedade, isso, o horror da impiedade que 
								sustém o verbo em sílabas-lágrimas); e 
								desabrocharam sem compaixão e sem pudor; 
								floresceram na multíplice divícia do vidro; no 
								cereal leito que se exalta em sua opulenta 
								ambiguidade: “Secos, negros, por fim, o sol nos 
								criou, / A chuva nos desgastou. Foram cavados / 
								Os olhos pelos corvos, com voracidade.”   
								[In, “Uma lágrima no 
								limiar dos tempos (o evangelho do poeta”)] |  
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