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												| Trinta e quatro anos depois, o romance ganha segunda
 edição e traz prefácio de
 Marcos Faerman censurado
 à 
												época da ditadura militar.
 
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								| ADELTO GONÇALVES ‘Os 
								vira-latas da madrugada’: a luta da memória 
								contra o esquecimento - entrevista de Rivaldo 
								Chinen* |  
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								| SÃO PAULO - Foram 
								poucos os livros de ficção que tiveram o golpe 
								militar de 1964 como pano de fundo. Os 
								vira-latas da madrugada, de Adelto 
								Gonçalves, publicado, em 1981, pela Livraria 
								José Olympio Editora, do Rio de Janeiro, é um 
								deles. E só agora, 34 anos depois, ganha uma 
								segunda edição pela Associação Cultural 
								LetraSelvagem, de Taubaté-SP, trazendo um 
								acréscimo até aqui desconhecido: o prefácio 
								escrito pelo jornalista Marcos Faerman 
								(1943-1999), que chegou a ser impresso na 
								primeira edição, mas que foi arrancado página a 
								página por pressões de “forças ocultas”, já que 
								à época a editora estava sob intervenção do 
								então Banco Nacional de Desenvolvimento 
								Econômico (BNDE). Livro que encantou e 
								representou a geração que lutou contra o golpe 
								militar de 1964, o romance havia se tornado uma 
								raridade buscada com sofreguidão em sebos e 
								sites de obras impressas. E ainda tem tudo para 
								encantar também as novas gerações. |  
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									  Adelto 
									Gonçalves, 63 anos, é jornalista 
									desde 1972, com passagens pelos jornais 
									A Tribuna, de Santos, O Estado de 
									S. Paulo e Folha da Tarde e 
									pela Editora Abril. É doutor em Letras na 
									área de Literatura Portuguesa e mestre em 
									Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e 
									Hispano-americana pela Universidade de São 
									Paulo (usp). Seu trabalho de 
									doutorado Gonzaga, um poeta do 
									Iluminismo, sobre Tomás Antônio Gonzaga 
									(1744-1810), foi publicado em 1999 pela 
									Editora Nova Fronteira, do Rio de Janeiro. Em 1999, com bolsa de 
									pós-doutorado da Fundação de Amparo à 
									Pesquisa no Estado de São Paulo (Fapesp), 
									desenvolveu em Portugal projeto sobre a vida 
									e a obra do poeta Manuel Maria de Barbosa du 
									Bocage (1765-1805), publicado em 2003 pela 
									Editorial Caminho, de Lisboa, sob o título
									Bocage – o perfil perdido.  |  
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												Foi 
												professor de Jornalismo, 
												Literatura Portuguesa e Língua 
												Portuguesa em várias 
												universidades privadas. É autor 
												também de Mariela morta 
												(Ourinhos, Complemento, 1977, 
												contos), Barcelona 
												brasileira (Lisboa, Nova 
												Arrancada, 1999; São Paulo, 
												Publisher Brasil, 2002, 
												romance), Fernando Pessoa: a 
												voz de Deus (Santos, 
												Editora da Unisanta, 1997, 
												ensaios e artigos), Tomás 
												Antônio Gonzaga (Academia 
												Brasileira de Letras/Imprensa 
												Oficial do Estado de São Paulo, 
												2012, estudo biográfico e 
												antologia) e Direito e 
												Justiça em Terras D´El Rei na 
												São Paulo colonial: 1709-1822
												(Imprensa Oficial do Estado 
												de São Paulo, 2015, ensaio 
												histórico).  Para 
												anunciar a segunda edição e 
												rememorar a trajetória da 
												primeira edição de Os 
												vira-latas da madrugada, o 
												autor concedeu a seguinte 
												entrevista: |  |  |  
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								| Como é ver o 
								seu romance republicado 34 anos depois? 
								 Eu nunca mais havia 
								relido o livro, o que fiz só agora para 
								acompanhar a revisão para a segunda edição. E 
								acabei me surpreendendo, ao descobrir o que eu 
								era, ou seja, o adolescente que escreveu aquele 
								romance. Fui tentado a reescrever algumas 
								passagens, corrigir alguns pequenos erros de 
								gramática ou mesmo retirar algumas expressões em 
								nome do ideal do politicamente correto 
								de hoje, mas, por fim, optei por deixá-lo 
								praticamente como apareceu em 1981, mantendo o 
								tom coloquial e "espontâneo" da narrativa, que 
								mais se aproxima da naturalidade das personagens 
								do beira-cais. Para quem não sabe, é preciso 
								dizer que o romance é uma história de amor 
								vivida no bairro do Paquetá, zona das boates e 
								das casas de prostituição do porto de Santos, 
								por dois jovens, um malandrinho do cais e uma 
								jovem prostituta. A trama atravessa o período em 
								que aconteceu o golpe militar de 1964, que foi 
								especialmente duro e marcante naquela cidade 
								portuária.   Como você 
								teve a ideia de escrever o romance? Em 1964, eu tinha 12 
								anos de idade e assisti ao golpe militar da 
								janela de minha casa. A morada de meus pais era 
								ao Largo Teresa Cristina, 27, defronte para o 
								prédio do Sindicato dos Operários Portuários de 
								Santos, localizado à Rua General Câmara, cuja 
								lateral direita dava para a praça. Foi por ali 
								que chegaram os soldados da Polícia Marítima, do 
								comandante Seco, ostensivamente armados. Da 
								janela, vi como alguns daqueles homens de 
								uniforme azul com metralhadoras em punho e 
								longos bastões — que no cais eram mais 
								conhecidos como “pés de mesa” — escalaram o muro 
								dos fundos do sindicato, assumindo posições 
								estratégicas. Depois, ouvi o estilhaçar de uma 
								vidraça do edifício do sindicato, talvez rompida 
								por uma granada de efeito moral ou uma pedra. E, 
								então, percebi algumas poucas cabeças que se 
								desenhavam nas vidraças: eram os dirigentes do 
								sindicato acuados, provavelmente à espera de 
								notícias que pudessem vir de Brasília sobre um 
								eventual esquema de resistência ao golpe. Mais 
								tarde, ainda da janela, pude perceber uma 
								aglomeração na Rua General Câmara com o Largo. 
								Então, tomei coragem e desci à rua e vi quando 
								alguns daqueles homens que estavam acuados na 
								parte de cima do sindicato desceram as 
								escadarias, sob a mira de armas, e entraram numa 
								espécie de “corredor polonês” aos tapas e 
								pescoções em direção a um caminhão coberto. 
								Entre eles, lembro-me de ter visto Manoel de 
								Almeida, que era o presidente do sindicato, e 
								Rafael Babunovitch, diretor. Com outros 
								diretores e alguns associados solidários, seriam 
								conduzidos para o navio-prisão, que por muitos 
								dias ficaria ancorado em frente ao porto de 
								Santos com sua presença ameaçadora, tal como uma 
								forca na praça principal de uma pequena cidade. 
								Aqueles acontecimentos ficaram-me na memória e 
								me levaram, anos mais tarde, quando eu tinha 17 
								ou 18 anos de idade, a escrever num caderno 
								escolar os primeiros apontamentos para um 
								romance. Tanto Almeida como Babunovitch, “o 
								homem de bochechas vermelhas” e que “parecia ter 
								uma batata quente na boca quando falava”, são 
								personagens que aparecem disfarçados, ao lado de 
								tantos outros, naquele romance que reescrevi, 
								dez anos mais tarde, à época em que era 
								subeditor de Política na redação do jornal O 
								Estado de S.Paulo.   Já naquela 
								época, tão jovem, você tinha conhecimento do que 
								acontecia na vida política do País? Eu não sabia por que 
								aqueles acontecimentos se davam, mas a minha 
								solidariedade era para com aqueles que eram 
								agredidos a caminho do caminhão. Em 1961, eu 
								havia me formado na escola primária do Sindicato 
								dos Operários Portuários, com 10 anos de idade. 
								Eu ingressara na escola não porque meu pai 
								trabalhasse na Companhia Docas, mas porque ela 
								ficava perto de casa e um amigo da família, 
								portuário, havia se proposto a me apresentar 
								como seu sobrinho. De modo que houve um arranjo 
								para superar as normas, já que a escola, a 
								princípio, só poderia ser cursada por filhos de 
								portuários. E o meu pai era dono de um pequeno 
								armazém de conserto de sacaria de café na Rua 
								Tuiuti, 34, à beira do cais do Valongo. Fosse 
								como fosse, saí daquela escola como um de seus 
								melhores alunos. Ao final de 1961, o então 
								presidente da República, João Goulart 
								(1919-1976), fez uma visita ao sindicato e, na 
								ocasião, cumprimentou uns três ou quatro 
								daqueles alunos que haviam recebido medalha de 
								aplicação ou de honra ao mérito. Eu fui um 
								deles. Lembro-me ainda hoje do cumprimento dado 
								pela mão suarenta do presidente. Em 1964, eu 
								cursava o segundo ano ginasial no Colégio 
								Comercial Coelho Neto e assistira, indiferente, 
								à pregação de uma professora que costumava 
								angariar adeptos para as manifestações que a 
								União Cívica Feminina organizava contra o 
								governo Goulart. Até porque não nutria nenhuma 
								simpatia por aquela gente...   Além do 
								casal Pingola-Sula, que vive a história de amor 
								em meio aos acontecimentos políticos de 1964, há 
								outros personagens marcantes no livro. Quais 
								são? O meu editor, o escritor 
								Nicodemos Sena, ficou impressionado com o 
								domínio que o narrador de Os vira-latas da 
								madrugada demonstra ter do seu assunto, 
								descrevendo com segurança, desenvoltura e 
								riqueza de detalhes os movimentos e caracteres 
								físicos e psicológicos das personagens do 
								beira-cais de Santos.  E pressupôs que eu 
								tivesse feito uma detida e cuidadosa pesquisa, a 
								exemplo dos grandes repórteres que praticavam o 
								jornalismo literário. Confessou-se surpreso 
								quando soube que o autor havia realizado essa 
								proeza com tão pouca idade. À época, eu ainda 
								nem havia feito o curso de Jornalismo, mas lera 
								e relera um conto-reportagem que o escritor João 
								Antônio (1937-1996) escrevera sobre o cais de 
								Santos para a revista Realidade, 
								lembra? Depois, você, Chinem, me apresentaria ao 
								João Antônio em São Paulo, recorda? Ficaríamos 
								amigos... Mas a verdade é que quase todas as 
								personagens de Os vira-latas da madrugada 
								foram inspiradas em pessoas com as quais eu 
								convivia no beira-cais. E os diálogos foram 
								reproduzidos da maneira como aquelas pessoas 
								falavam ali no dia-a-dia do cais. Relendo o 
								livro, vejo que há referência ao advogado 
								Esmeraldo, o ex-prefeito Esmeraldo Tarquínio 
								(1927-1982), que seria nosso colega de 
								faculdade. E até ao velhote que ficava na janela 
								do 27 da praça, que, na verdade, era o meu pai. 
								Muitas personagens carregam os nomes daqueles 
								que me inspiraram, como o vagabundo Plínio, o 
								aleijado Gentil, e Braz, o porteiro do lupanar 
								do 275 da Rua General Câmara. Outros foram 
								disfarçados, como Rosa, a louca. Já outras 
								personagens são imaginadas, como o malandro 
								Quirino, ex-marítimo, e o escultor João de 
								Angola. Já o ex-marujo Marambaia, que promovera 
								vários motins a bordo, então coletor de apostas 
								de jogo de bicho no bar Estrela da Manhã, 
								embora seja inspirado no foguista Bahia, é uma 
								espécie de alter ego do autor, um 
								anarquista desiludido com a humanidade, que 
								enlouquece, toca fogo num bonde e arrasta 
								estudantes em passeata até levá-los a invadir a 
								sede da prefeitura de Santos, imaginando que 
								estava tomando o poder no País, à espera da 
								chegada de uma imaginária Coluna Prestes, que 
								viria de Mato Grosso. O final do livro é marcado 
								por um manifesto deixado por Marambaia, que 
								seria lido na praça por Teodorico, um tipo 
								considerado lunático. Nesse manifesto, Marambaia 
								dizia que “a capacidade de discordar é a única 
								possibilidade que a humanidade tem de não ser 
								levada irremediavelmente para o abismo 
								obscurantista”.  |  
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										| * 
								Rivaldo Chinem foi repórter da Folha de S. 
								Paulo, revista Veja e de O 
								Estado de S. Paulo, tendo colaborado na 
								imprensa alternativa (Opinião, Movimento, 
								Versus e Repórter). É autor de Terror 
								Policial, com Tim Lopes (Global); 
								Sentença: padres e posseiros do Araguaia” 
								(Paz e Terra); Imprensa alternativa: 
								jornalismo de oposição e inovação (Ática); 
								e Marketing e divulgação da  pequena 
								empresa (Senac), entre outros. |  |  
								|   Há um certo 
								maniqueísmo nas personagens, ou seja, os pobres 
								são todos bons e os ricos, maus... 
								De fato, esse 
								maniqueísmo foi apontado pela professora Maria 
								Angélica Guimarães Lopes, em resenha que 
								publicou na  
								Revista Iberoamericana, da 
								Universidade de Pittsburgh-EUA, em 1985, que sai 
								agora como posfácio na segunda edição do livro. 
								Ela diz que no romance há “malandros simpáticos 
								e prostitutas de coração de ouro”, lembrando que 
								o universo do livro, com sua organização e 
								códigos próprios, lembra o de  
								Jubiabá, 
								de Jorge Amado (1912-2001), os livros de Plínio 
								Marcos (1935-1999) e João Antônio e até o  
								Querelle, de Jean Genet (1910-1986). Mas 
								destaca a doçura do autor ao manipular as 
								personagens, dizendo que, não fosse isso, este 
								seria um livro soturno e desesperador. De fato, 
								há muitas mortes no livro, a de João de Angola 
								(que morre atropelado ao ganhar a sorte grande), 
								de Quirino, torturado no navio-calabouço, de 
								Irene, sua amante, a  
								striptease do 
								 
								Old Kopenhagen  
								que se suicida em meio a um 
								ensaio na boate, 
								 e a de Marambaia 
								(executado pelas forças da ditadura militar). De 
								certa forma, o livro é também profético, pois 
								denuncia os pelegos dos sindicatos, aqueles que 
								faziam um discurso em nome dos trabalhadores, 
								mas o que queriam mesmo era se dar bem na 
								vida...   Talvez por 
								isso a primeira edição do livro, depois do 
								lançamento, voltou à gráfica e teve o seu 
								prefácio arrancado... O romance ganharia em 
								1980 uma menção honrosa do Prêmio José Lins do 
								Rego da Livraria José Olympio Editora e seria 
								publicado no ano seguinte. Tantos anos depois, 
								também seria vítima da ditadura militar. Lançado 
								na sede da editora no dia 30 de abril de 1981, 
								juntamente com outras obras premiadas pela 
								comissão julgadora, o livro trazia um prefácio 
								em que o jornalista Marcos Faerman dizia que 
								aquele “romance de sons delicados e histórias 
								tristes” não agradaria “àqueles que venceram em 
								1964”. Considerava-me ainda um dissidente 
								brasileiro, a exemplo do tcheco Milan Kundera, 
								que dizia que a luta do homem contra o poder é a 
								luta da memória contra o esquecimento. Àquele 
								lançamento coletivo, estiveram presentes os 
								ex-ministros Darci Ribeiro (1922-1997) e Eduardo 
								Portela, o compositor Tom Jobim (1927-1994), 
								cuja irmã Helena ganhara o prêmio principal do 
								concurso, e ninguém menos que Luís Carlos 
								Prestes (1898-1990), o Cavaleiro da Esperança, 
								por sinal, também personagem ocasional do 
								romance. Como se sabe, naquela noite, houve uma 
								bomba que explodiu no RioCentro antes da hora e 
								fez gorar uma tragédia que poderia ter provocado 
								muitas vítimas. Talvez esse episódio tenha 
								levado a editora a pensar duas vezes. Até 
								porque, em dificuldades financeiras, estava sob 
								intervenção do então Banco Nacional de 
								Desenvolvimento Econômico (BNDE). Por isso, a 
								edição foi recolhida à gráfica e o livro 
								distribuído sem o prefácio. Guardo comigo, 
								porém, um exemplar que traz o texto impresso.   À época do 
								lançamento, lembro-me que o livro fez sucesso, 
								ganhando bastante destaque na imprensa, não é 
								mesmo? 
								Saiu reportagem em 
								 
								Estado de S.Paulo, 
								 assinada pelo poeta e 
								jornalista Moacir Amâncio, e o 
								professor Cláudio Lembo, que seria governador de 
								São Paulo, escreveu uma resenha na  
								Folha de 
								S.Paulo. Marcos Faerman, irritado com a 
								censura, publicou trechos do prefácio no 
								semanário  
								Movimento, de São Paulo, da 
								imprensa alternativa. Depois, como professor da 
								Faculdade de Jornalismo Cásper Líbero, para 
								ajudar seus alunos, ele fez uma lista daquelas 
								que considerava as obras-primas do jornalismo 
								literário. A lista é encabeçada por  
								A sangue 
								frio, de Truman Capote, e reúne 
								 
								Honrados mafiosos, de Gay Talese, segundo 
								da lista,  
								México rebelde, de John Reed, 
								sétimo, e  
								Casa de Loucos, de João 
								Antônio, nono. Nessa relação que hoje circula em 
								vários sites,  
								Os vira-latas da madrugada 
								aparece em 10º lugar, antes de vários clássicos 
								da literatura universal. |  
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