Revista TriploV de Artes, Letras & Ciências . ns . nº 53 .
agosto-setembro 2015. índice

 

RUTE MARTINHO

O sapato desaparecido
 

Rute Elisa de Matos Martinho (Portugal). Poeta e ficcionista

A Felisa era uma menina pequena, apenas com 1 ano e meio, talvez uns mesitos mais.

Naquele Verão tinha voltado com os pais à terra onde tinha nascido, uma pequena aldeia de pescadores chamada Portimão. Eu sei que muitos desconhecem, mas a grande cidade turística que conhecemos hoje, nos anos 60 do século XX, altura em que se passa a nossa história, era só uma pequena aldeia de pescadores. Tinha uma mão cheia de casas pequeninas, só com um andar e com um ou dois quartos e uma sala, que dava directamente para a rua.

Ficaram hospedados num quarto com espaço só para uma cama e um colchão pequeno, onde dormia a nossa amiga; na casa de uns amigos que era um bocadinho maior do que a maioria das outras casas do Portimão dessa altura.

Costumavam dar grandes passeios, ao fim da tarde, junto ao mar, com os seus amigos anfitriões e o filho deles, que era um pouco mais velho que a Felisa, mas que, pelo que me contaram, gostava muito de brincar com ela. Até parecia ser seu irmão, de tanto brincar com aquela menina pequenina que teve como companheira naquele ano.

Um dia a nossa amiguinha, que estava sentada na sua cadeirinha de passeio e que gostava muito de mexer as pernas para se entreter, deixou cair um sapato. Como ninguém deu por nada, continuaram o passeio, até que, a dada altura, o pai da Felisa olhou para os pés dela e viu que lhe faltava um sapato. Ela nem percebeu nada, ou talvez tenha sentido o pé nu mais à vontade; nunca lhe perguntei e por isso não sei se deu pela falta do sapato.

Como devem imaginar, voltaram todos pelo caminho por onde tinham vindo, para ver se conseguiam encontrar o sapatinho da Felisa. Não o encontraram naquele dia, nem nunca mais.

Não, a história não acaba aqui: muitos anos depois, já a Felisa era grande, com 15 anos de idade, o pai dela encontrou-se com o amigo de Portimão, um pintor muito famoso; ora esse amigo não disse mais nada senão “Anda daí à procura do sapato da Felisa, que nesta altura já deve ser um sapato de salto alto.”.

Já adivinharam que ninguém foi à procura do sapatinho perdido, até porque, hoje, passados uns anos depois deste encontro, e apesar da Felisa ter o pé muito pequeno, o sapatinho de bebé já não lhe serve.

 

8 de Julho de 2015

 

 
 
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