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Há certas-e-tantas coisas
que melhor ficariam se deixadas para trás,
ajoelhadas ao colo carcomido do passado;
ai, cruz
em coxas de
lilás flácido
na distância onde viveram crianças, crenças
e a Crimeia incendiada.
Névoas incandescentes de gestos antigos
causam brônzeo desconforto
ao tentar enxergar a orquídea
tal como-apenas a orquídea
que se faz ausente ou presente
na bússola dos sentidos.
A maturidade, por sua vez, nada perdoa;
mostra-me o lado disforme da orquídea,
a incoerência de sua anatomia;
a sincronia Única, diz ela, seria fitar,
assar o veludo do céu,
ao véu de salitre, ao léu da (sobre)vivência.
Inédito do livro
A
Coerência Das Águas
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Quando travo as pálpebras com seu rosto ao
centro
a febre que busca (re)cantos em mim
aprendeu a ser chumbo
e com o coração-do-pensamento, derreter-se
A Substância derretida constroi seu relevo na
terra
que por ser infinita desconhece o sentido do
tempo
- mistério que não ouso tocar -
e quando o inverno
vira neve pura
abro novamente os olhos;
a febre encontra seu fim na tessitura do gelo
A Coerência Das Águas instala-se em minha alma
com a lógica de mares que existem por toda a
parte
e eu te vejo inteirinha,
abraço-te como nunca fostes abraçada
com a árida, por vezes, vibrantemente cálida
ternura
do imenso amor Desconhecido
Inédito do livro
A
Coerência Das Águas
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O que permanece e acorda tão cedinho
(se calhar, nem desperta; tropeça na insônia)
e adormece na planície do desejo
são as palavras muito pisoteadas
e os melros que não ousam mais voar
Firebird, tu conheces as raízes e as folhas
dessas vogais e consoantes
até já formastes versos com elas
quando éramos rima, saliva de estrelas
e quanto aos imprecisos pássaros,
ah esses nem quisestes ver de perto,
eram mesmo loucos;
alguns poucos se atreviam ainda a gorjear
e pichavam
Liberdade
em maiúsculas
em ninhos de amor completamente esquecidos
Inédito do livro
A
Coerência Das Águas
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Havia (ar)riscado meu último grito :
na esperança de colher-te como andorinha
feridíssima
entre as mãos
e beijar o sangue que as vinhas e vícios da vida
tiraram de ti
Os pés roxos de meus desejos cintilam:
na espera imóvel, irrigada, incansável
mas sobretudo Inabalável;
Soberana em sua coerência surda
com a matemática do vazio
Inédito do livro
A
Coerência Das Águas
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Navegação da Flauta De Fogo
A totalidade, a radiação, a harmonia
em seu rosto
do cristal dos incêndios
vento de fragmentos
de sal e São Tomás de Aquino
Na garoa dos suspiros encantados
nos dedos liláses de suas sutilezas
no absoluto suor das unhas
carpindo os segredos
de sangue e Hieronimous Bosch
Ah, era assim, o corte,
derme desenfreada do Sim,
iluminado extâse
em ametista silenciosa
na claridade sem confins
Luz barulhenta da juventude
raio que me parte
em poderosa petrificação
Inédito do livro
Nas
Colinas De Valdemossa Com O Fantasma De George
Sand
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As Tardes De Madeira
Carrego no peito as tábuas da peste
leis impostas por cada nomeada parte
de teu corpo
que nos internos dos infernos
atendia pelo nome
de Congresso Da Paixão
Carrego intactas as valas do vazio
que para sempre você construiu
em todos os meus ossos
por onde me alimento
com a secura das almas pisadas
que respiram flores
nas quatro paredes da insanidade Bruta
Inédito do livro
Nas
Colinas De Valdemossa Com O Fantasma De George
Sand
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Esplendor Na Compreensão Da Descida
Em degraus descascados
pintados pelo halo das madressilvas
a saudade de quartzo
vai subindo
até o fúnebre coral
da nuvem pranto-gris
Feixe de vozes escurecidas
trazem à tona :
I'm Leaving You
sua derradeira frase
sintaxe de passos de bailarina
na linfa da
Quinta de
Beethoven
Eis a prata ousada:
o mercúrio a morrer bastante
no pouco-rouco de cada dia
Inédito do livro
Nas
Colinas De Valdemossa Com O Fantasma De George
Sand
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A Falta Do Anjo Impossível
As rugas xilografadas na pele da solidão
ecoam a indiferença de seus dedos transparentes
espanando as tardes do mês de fevereiro de 2012
em veraneio de cistos cósmicos
nascidos com a indevida brutalidade
dos jasmins de ferro que se livravam da
maquilagem
Nervos de grafite secam com o esmalte dos
condenados
fitam os colares das horas a vácuo
que custam - até as raízes da alma! - a
ornamentar
ou ao menos colidir, talvez em consolo,
destituir
o horizonte postiço onde construí a fogo e vento
a mais obsessiva pinacoteca de todas as suas
idades
Na íris da maturidade, o quadro híper-realista
- talhado no pátio do
Café
Gardel em Buenos Aires -
areando a lascívia de sua profunda tristeza
respirando o desejo esvaziado dos anos em brasas
ai, petrificada brisa entre olhos verdes
mareados
que já não conseguiam mesmo me amar
Inédito do livro
Nas
Colinas De Valdemossa Com O Fantasma De George
Sand
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Hábitos Da Cegueira
A rígida desolação da dor
era brutalmente silente
enquanto as pedras me ouviam
e a cachorrinha moribunda
me fitava cambaleante
detendo a morte anunciada
com pavor de me abandonar
nos meses em que lágrimas
conhaque, cal e calcário
eram as estrelas cegas de minha vida
A incompreensão por ter sido traído
sabia a ventania de enxofre
egressa dos quintos dos infernos
que traziam suas palavras
em suspiros distintamente baldios
em perversos versos alexandrinos
todinhos queimados
vagas redondilhas carbonizadas
rimadas com a putrefação pavorosa
do amor eterno
Inédito do livro
Nas
Colinas De Valdemossa Com O Fantasma De George
Sand
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Still Life In Scorpio
Desejoceânico
em recifes de fracasso
a esperaesfera queimada
pela mágoa em riste
Desiste sonho (!)
desate o direito de sonhar
destine destino
a tudo o que foi Mar
Marca com ódio
a sereia
incapaz
de te afogar
Inédito do livro
Nas
Colinas De Valdemossa Com O Fantasma De George
Sand
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Un/evenly-Cut-Frames
O verbo de miosótis de tuas telas atormentadas
ao Branco de minha insônia põe-se a miar
as pinceladas abstratas, verde-desesperadas
são luz do lastro, esse gato-Kandinsky
de olhos de cerejas-de-seda
que hipnotizam o trago de meu cigarro
Nem durmo, nem acordo
dói-me demais saber que as tuas obras estão
vendidas
por isso inalo a última que decora uma galeria
na montra, em Chelsea, New York
onde, sem dono, é minha fulgurante alucinação
que enxerga o travesseiro se transformando em
rosto
esse rosto, gosto todo de ti.
Inédito do livro
Detestável
Liberdade
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Jasper Johns; Enfâse Em Mistério
Como o dourado, o azul e o preto
do pássaro tríptico do Central Park, NY
meu desejo af(i)ava o coração
até ser lança, dança
que agora avança
na sala, na velada respiração das valas
de teus silêncios luminosos.
Inédito do livro
Detestável
Liberdade
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Na carta-metragem
de teus pensamentos de arames distraídos
mergulho a curta-viagem
do Real Errante
onde nossos países distam-distantes
e o corpo humilhado
regressa ao Incabível,
ao mais inacabável longa-metragem do Sonho.
O roteiro da alma é sempre um troço
desesperador,
oh desenvoltura atrofiada (!)
no Céu da gruta, bula
dos latidos do coração
sem noção alguma em qual compasso
a vida, essa ordinária, vai dar o primeiro passo
até ser alabastro ou música
na fragilidade do aço.
Inédito do livro
Detestável
Liberdade
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Fernando Naporano.
Cursou letras em São Paulo e Lisboa, mas
sempre atuou desde a adolescência como
jornalista.
Desde os 14
anos escreveu para revistas e fanzines
musicais.
Em 83,
ingressou na Folha Ilustrada.
Fez parte da
primeira equipe do Caderno 2, onde
exerceu críticas na área de música e
cinema.
Escreveu
para revistas e jornais como Trip, Bizz,
Around, El Pais, Isto É, A-Z, Interview
e muitas outras.
Em 84
criou a banda Maria Angélica Não Mora
Mais Aqui, com a qual gravou 3 lps.
Em
89,
mudou-se para Londres.
Entre
89 e 92, atuou como International Label
Manager da gravadora Continental.
Vivendo em
Londres, além de escrever para
publicações musicais americanas e
inglesas como Amplifier, Popsided e
Bucketfull Of Brains, tornou-se
correspondente assíduo (por 9 anos) do
Correio Braziliense, atuando nas áreas
de
cinema
e principalmente música.
(Entrevistou centenas de celebridades do
mundo artístico, entre as quais figuram
Marianne Faithfull, David Bowie, Richie
Havens, Julia Roberts, Robert Altman e
Spike Lee).
Em Londres, produziu programas
radiofônicos; entre eles alguns para o
Brasil como o programa Zig Zag (Brasil
2000FM) e Magic Buzz (Rádio Ipanema,
Porto Alegre), um dos primeiros
programas do mundo a ser arquivado e
transmitido via Internet no mundo, entre
94-96.
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