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ADELTO
GONÇALVES
Albano Martins: a poesia como viagem |
Adelto
Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela
Universidade de São Paulo (USP) e autor de
Os
vira-latas da madrugada
(Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1981),
Gonzaga,
um poeta do Iluminismo
(Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999),
Barcelona
brasileira
(Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo,
Publisher Brasil, 2002),
Bocage – o perfil
perdido
(Lisboa, Caminho, 2003) e
Tomás Antônio Gonzaga
(Academia Brasileira de Letras/Imprensa Oficial
do Estado de São Paulo, 2012), entre outros.
E-mail: marilizadelto@uol.com.br |
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I |
Tudo, afinal, é
viagem, inclusive a nossa vida, Se assim é, tudo
o que o nosso olhar vê faz parte de nossa viagem
por este mundo. Por isso, viajar, conhecendo
outros lugares e mundos, sempre vale a pena,
especialmente se a paisagem é vista por quem tem
alma de poeta e consegue traduzir o sentimento
que produz o que se vê. É o que se pode
constatar na última obra vinda à luz do poeta
português Albano Martins (1930),
Livro de Viagens,
publicada por Edições Afrontamento, do Porto, em
março de 2015.
Como sempre, os
poemas de Albano Martins são instantâneos do
olhar, pequenos flagrantes da natureza, às vezes
concisos
hai kais,
que revelam a sua maturidade poética bem como
sua fidelidade a um tipo de poesia na Língua
Portuguesa que busca explicações para a vida,
mesmo sabendo que essa é uma missão impossível.
O apuramento verbal de Albano Martins é tão
refinado nesta altura de sua trajetória poética
que, com certeza, é ele hoje o grande poeta
português contemporâneo deste começo de século
XXI, digno sucessor de Fernando Pessoa
(1888-1935), a figura central da poesia
portuguesa do século XX.
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II |
Dividido em cinco
capítulos, este livro traz produções recentes,
suscitadas por viagens a cidades encantadas como
Barcelona, Roma e Turim ou por lugares e marcos
do Porto e ainda homenagens a amigos,
companheiros de “viagem poética”. De Roma, há um
em que reverencia a “Fontana di Trevi” e
pergunta:
Uma moeda/ por um desejo. Desde quando/ os
sonhos são vendidos/ a preço de saldo?
E este em que questiona o “Foro Romano” e faz
uma viagem no tempo:
Por aqui passou/ a
lâmina do tempo. O que resta/ de pompílios e
césares são estes/ pinheiros imperiais a cuja
sombra/ o passado dorme/ desenterrado./ Vivo.
De Turim, rememora a viagem pelo rio Pó:
Por este rio/
navegam dois barcos, um/ feito das asas de
Ícaro, o outro/ da sombra de Pavese./ O
timoneiro/ de ambos é a morte, deitada/ na cama
das águas.
No capítulo “Outras
viagens”, estão poemas que reverenciam o seu
cotidiano na cidade do Porto, como este em que
se coloca diante da Torre dos Clérigos, vista de
Gaia, do outro lado do rio Douro:
Com este mastro/ de
navio/ apontado ao céu, dir-se-ia/ que estão ali
de joelhos,/ em oração,/ as casas todas e o rio.
Quase ao final deste capítulo e do livro, o
poeta, profundo conhecedor da poesia italiana e
de outras tantas línguas, surpreende o leitor
com um solitário soneto que diz ter sido imitado
de “Cieli, glorie, suoni: anse scure del tempo”,
de Giancarlo Pontiggia (1952), poeta, escritor e
crítico literário italiano, mas que, se não o
dissesse, quem seria capaz de sabê-lo?:
A gloria,
a loucura, o tempo dedicado
aos devaneios, aos anseios, a tentação
do poder, do mando, a ocasião
propícia ao enlevo – tudo o que
perto de nós, ao nosso lado, configura
as novas catedrais, as novas sinfonias
do desejo e da posse, a turbulência
das vozes recolhidas nas dobras
do tecido que o outono vai urdindo
com fervor à nossa volta, à custa
do orvalho das manhãs e da espuma
das marés – tudo, acredita, amigo,
se esvai num lance apenas, no salto
duma lebre ou no voo da perdiz.
No capítulo “Viagem
com os amigos e outras circunstâncias”, é de se
destacar a homenagem que presta a Miguel de
Unamuno (1864-1936):
Em ti a Ibéria/ se
fez pensamento/ – se fez cátedra./ À tua mesa/
tiveste sempre/ por companheira/ a poesia./ Aos
abutres/ deixaste/ esta mensagem:/ a liberdade/
não se vende – não tem preço.
Ou ainda ao pintor Armando Alves (1935):
Encontrei ontem,/
nas tuas telas, Armando,/ algumas árvores. Os
frutos/ eram as tintas, carregadas/ de perfume e
sabor. Levei-as/ para casa e ofereci-as/ às
paredes/ do meu quarto. Estão agora azuis/ e
vermelhas como os campos/ do teu Alentejo.
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III |
Como observou o poeta
Álvaro Alves de Faria na recensão que fez para
Antologia
Poética
(São Paulo, Unimarco, 2000), publicada no jornal
O Estado
de S. Paulo,
Caderno 2,
em 8/7/2000, o que chama a atenção na poesia de
Albano Martins é o que ela tem de íntimo em
relação à vida e à própria poesia, “coisa sem
mistérios e sem segredos para quem detém no
olhar a paisagem nítida nem sempre observada
pelos comuns”. Segundo ele, Albano Martins é
capaz de, em poucas palavras, “construir
pequenos retratos de palavras comoventes”. Para
tanto, cita poemas como “Circuito”, do livro
Coração de
Bússola,
de 1967:
Eis a nossa vida de enterro/ a nossa vida de
operários fúnebres/ conduzindo a morte como um
veículo/ através de labirintos de gestos/
precipícios de palavras.
De acordo com Álvaro
Alves de Faria, a obra albaniana é também feita
de constatações poéticas que soam como
pensamentos ou palavras ditas a um amigo, caso,
por exemplo, deste pequeno poema de
Com as Flores do
Salgueiro,
de 1995:
Quando o verão/ morre, as amoras/ se vestem de
luto”.
Como nada melhor que um fino poeta para dizer da
poesia de outro, se há algo a acrescentar às
palavras de Álvaro Alves de Faria, assumido
poeta luso-brasileiro, o que se pode dizer é
que, em
Livro de Viagens,
Albano Martins continua igualmente a encantar
seus leitores com pequenas obras-primas, que
luzem por sua rara condensação e beleza poética.
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IV |
Nascido na aldeia do
Telhado, concelho do Fundão, distrito de Castelo
Branco, na província da Beira Baixa, em
Portugal, Albano Martins foi professor do ensino
secundário de 1956 a 1976 e é licenciado em
Filologia Clássica pela Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa, exercendo desde 1994
funções docentes na Universidade Fernando
Pessoa, do Porto. De 1980 a 1993, quando se
aposentou, foi funcionário da Inspeção-Geral do
Ensino. Foi um dos fundadores da revista
Árvore
e é colaborador assíduo das revistas
Colóquio/Letras,
da Fundação Calouste Gulbenkian, de Lisboa, e
Nova
Renascença,
do Porto, da qual foi secretário de redação.
É autor de 33 livros
de poesia, desde que em 1950 estreou com
Secura Verde,
que recebeu segunda edição em 2000. São tantos
os livros que seus títulos ocupam quatro
páginas. Basta ver que sua vasta obra foi três
vezes reunida em volume, a primeira com o título
Vocação do
Silêncio
(Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1990),
com prefácio de Eduardo Lourenço; a segunda em
Assim São
as Algas
(Porto, Campo das Letras, 2000); e a terceira em
As
Escarpas do Dia
(Porto, Edições Afrontamento, 2010), com
prefácio de Vitor Manuel de Aguiar e Silva. Seus
poemas estão traduzidos em espanhol, inglês,
chinês (cantonense) e japonês.
De prosa, foram cinco
livros, dos quais se destacam aqueles dedicados
ao estudo das obras de Raul Brandão (1867-1930)
e Cesário Verde (1855-1886). Além de três livros
na área da literatura infanto-juvenil, organizou
sete outros, inclusive antologias de poetas como
Eugénio de Castro (1869-1944), David
Mourão-Ferreira (1927-1996) e o brasileiro Lêdo
Ivo (1924-2012).
Nas traduções, está o
seu trabalho mais intenso, com 24 livros
publicados. É tradutor de poetas latinos, gregos
do período clássico, espanhóis, italianos e
sul-americanos. Entre eles, salientam-se Giacomo
Leopardi (1798-1837), Rafael Alberti
(1902-1999), Nicolas Guillén (1902-1989),
Roberto Juarroz (1925-1995) e Pablo Neruda
(1904-1973). A tradução de
Canto General,
de Neruda, valeu-lhe, em 1999, o Grande Prêmio
de Tradução APT/Pen Clube Português. Por sua
tradução de sete obras de Neruda, recebeu do
governo chileno a medalha da Ordem de Mérito
Docente e Cultural Gabriela Mistral, no grau de
grande oficial.
Ainda pouco estudada em
universidades (não são muitas as dissertações de
mestrado ou teses de doutoramento que lhe têm
sido dedicadas nos dois lados do Atlântico), sua
obra, no entanto, tem merecido a atenção de
alguns dos mais importantes críticos e ensaístas
contemporâneos, como os portugueses António
Cândido Franco, António Ramos Rosa (1924-2013),
Eduardo Lourenço, Eduardo Prado Coelho
(1944-2007), Fernando Guimarães, Fernando J. B.
Martinho, Fernando Pinto do Amaral, Maria Lúcia
Lepecki (1940-2011), Ramiro Teixeira e Vítor
Manuel de Aguiar e Silva, e os brasileiros
Leodegário A. de Azevedo Filho (1927-2011) e
Nelly Novaes Coelho.
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Livro de Viagens,
de Albano Martins. Porto: Edições Afrontamento,
72 págs., 20 euros, 2015. Site:
www.edicoesafrontamento.pt
E-mail: comercial@edicoesafrontamento.pt
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