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        | REVISTA TRIPLOVde Artes, Religiões e Ciências
nova série | número 52 | 
		junho-julho | 2015 |  
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			JOÃO GARÇÃO O TEATRO 
			SURREALISTA EM PORTUGAL: 
			Considerações para o entendimento 
			surrealista |  
            | João 
			Francisco Venâncio Garção  (1968, 
			Portalegre, Portugal). Poeta, pintor, ensaísta, desportista e 
			professor. Licenciado em História da Arte e Mestre em História 
			Contemporânea de Portugal pela Universidade de Coimbra. Representado 
			em diversas antologias poéticas/plásticas, proferiu palestras e 
			publicou artigos sobre Educação, Arte, Ética e Política em jornais e 
			revistas da especialidade no país e no estrangeiro. Especialista em 
			teoria artística e arte aplicada. jfvgarcao@gmail.com  |  |  
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        | EDITOR | 
		TRIPLOV |  |  
        | ISSN 2182-147X |  |  
        | Contacto: revista@triplov.com |  |  
        | Dir. Maria Estela Guedes |  |  
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        |  | Coimbra e 
		Portalegre, 1989/1990 |  
        |  | Prologo de ANTÓNIO CÂNDIDO FRANCO “Não se deve ir ao teatro senão com uma toilette 
		muito elegante. Em certos teatros, tais como em S.Carlos, as 
		senhoras podem aparecer decotadas. Os homens são sempre mais correctos de casaca. Bem entendido que este luxo só se admite nos 
		lugares caros. Seria perfeitamente burlesco aparecer, por exemplo, na 
		geral, com vestido decotado. A criança não deve frequentar teatros, nem 
		cinemas. Entre nós, infelizmente, não há teatros infantis, e outros só a 
		podem prejudicar”. (Condessa de Gencé in 
		“Tratado de civilidade e de etiqueta”, Lisboa, Guimarães & Cª, 10ª ed., 
		s/d) 
		
		 SURREALISMO E TEATRO EM JOÃO 
		GARÇÃO  O surrealismo em Portugal está ainda hoje 
		largamente por estudar. O único grande estudo que hoje sobre ele existe 
		data de há quase trinta anos. Refiro-me ao trabalho de Maria de Fátima 
		Marinho, O Surrealismo em Portugal
		(1987), que, se tem o mérito de ter procedido a uma vastíssima 
		recolha de elementos que doutro modo mais longínquos ficariam, não 
		conseguiu ser o trabalho que Mário Cesariny aguardava com exaltação 
		desde pelo menos 1971, altura em que estava para se fechar um quarto de 
		século sobre o primeiro voo surrealista em Portugal. Nesse ano, a 
		propósito da edição portuguesa d’O 
		Amor Louco de André Breton, em tradução de Luiza Neto Jorge, 
		pronunciou-se ele assim sobre o estado em que o luso surrealismo se 
		encontrava ante a crítica: Temos pois de concluir que não interessamos. Também é certo que não 
		estávamos interessados. De qualquer modo, não parece normal que em 24 
		anos de existência o surto surrealista não tenha levado as consciências 
		a nenhuma espécie de ensaísmo, crítico, interpretativo, histórico ou 
		lírico, quando vemos pletóricos de tais mimos nomes ou movimentos que 
		entretanto se sucederam. Mágoa? Decepção? 
		Surpresa? Talvez – mas outrossim constatação de que estariam para 
		chegar, como normal se lhe afigurava então, os estudos da lusa 
		ensaística sobre o grande surto surrealista do final da década de 40 e 
		primeira metade da seguinte. O trabalho que acabou por aparecer, e mesmo 
		assim mais duma década e meia depois, foi o já citado de Maria de Fátima 
		Marinho. Recentemente foi dada a conhecer uma carta datada de 1989, em 
		que Mário Cesariny se pronunciou de forma muito dura sobre a 
		investigação de Fátima Marinho. Cito (carta de Mário Cesariny a Ana 
		Maria Pereirinha, 14-12-1989, in 
		Delphica, 2, Braga, 2014, pp. 146-151):
		O trabalho da Maria de Fátima 
		Marinho é de uma nulidade aflitiva. O único caso de 
		informação-interpretação pessoal, tipo achega de inquiridor, que ela 
		apresenta, é erro total. Aceite-se ou não este juízo, e no nosso caso não 
		aceitamos, pois prezamos no volume de 1987 um caudal informativo que não 
		pode ser deixado de lado, chega ele para se perceber, quando se pensa 
		que depois do trabalho de Fátima Marinho pouco se adiantou, o estado 
		lastimável em que se acham os estudos do surrealismo em Portugal. E não 
		obstante o silêncio e o vazio, não obstante o desinteresse e o abandono, 
		o surrealismo entre nós foi um movimento riquíssimo, que revolucionou 
		por dentro a criação poética e plástica, juntando em torno de si duas ou 
		três gerações, todas marcadas por altos espíritos criadores, e acabando 
		reconhecido pelos pares internacionais como uma das manifestações 
		surrealistas mais significativas de sempre. Veja-se neste sentido a boa 
		atenção que o Portugal surrealista mereceu ao trabalho de Adam Biro, de 
		René Passeron e dos seus muitos colaboradores, em especial Édouard 
		Jaguer, no Dictionnaire Général du Surréalisme et de ses Environs (PUF, 1984, 
		pp. 464).   Essas primeiras gerações surrealistas 
		portuguesas, que actuaram no final da década de 40 e nas duas seguintes, 
		deixaram em herança um vastíssimo legado, muito mais vivo hoje do que 
		qualquer outro do seu tempo, mau grado a marginalidade em que viveram 
		junto dos grupos que lhe foram coevos na sociedade portuguesa – os 
		neo-realistas, os existencialistas, os católicos, os sartrianos, os 
		marxistas, todos eles muito mais presentes que o pequeno grupo marginal 
		(e quase invisível em termos de atenção mediática ou académica) dos 
		surrealistas. Logo em 1952, no prefácio que escreveu para a estreia 
		poética de Carlos Eurico da Costa, “A Volta do Filho Prólogo”, num 
		momento em que estava pronto para edição o manifesto colectivo
		Afixação Proibida e António 
		Maria Lisboa havia dado a conhecer parte do seu trabalho, já Cesariny 
		estava consciente da nada ordinária novidade que o surrealismo trazia à 
		poesia em português. Eis porque o estudo de João Garção nos interessa. 
		Seria porém injustíssimo pensar que este trabalho ganha o seu lugar 
		junto do leitor apenas por se posicionar num terreno em que, apesar de 
		riquíssimo, tão pouco há. Ainda que muito houvesse, este estudo não 
		perdia interesse nem lugar. Dividido em três partes, ele apresenta, nas 
		duas iniciais, que funcionam como espaço de introdução, uma excelente 
		síntese sobre as principais linhas de força, tanto fora de portas como 
		dentro, dum movimento em geral lido de forma muito pobre e reducionista 
		como momento estético de entre as duas guerras do século XX. Todas as 
		questões fundamentais do surrealismo (do sentido do automatismo às 
		posições políticas) e todos os problemas da sua aculturação em Portugal 
		(da ditadura aos antecedentes – posto que sem Teixeira de Pascoaes) nos 
		aparecem aí discutidos com propriedade e feliz clareza. Em nenhum 
		momento é desprezível o que se diz. O coração deste estudo de João Garção,
		O Teatro Surrealista em Portugal, 
		está porém na sua terceira parte, dedicado ao teatro surrealista 
		português. Se o surrealismo é mal conhecido entre nós, o teatro 
		surrealista em Portugal faz figura de intruso irreconhecível. Ninguém dá 
		por ele; a bem dizer, não existe. Foi preciso esperar pelo estudo de 
		João Garção, apresentado inicialmente como trabalho curricular na 
		cadeira de História do Teatro (regida por José Oliveira Barata) do curso 
		de História de Arte da Faculdade de Letras de Coimbra, no ano lectivo de 
		1989/1990, para se perceber a pertinência do tema e a sua extensão em 
		nada menos do que seis autores.  Não se julgue pois que a questão do teatro seja 
		de somenos no surrealismo. Manuel Grangeio Crespo, no texto que abre
		O Gigante Verde (1965), 
		entrevista anterior ao Jornal de 
		Letras e Artes (11-9-1963), diz assim (p. XI): Pena Capital 
		do Cesariny, que eu considero um dos raros textos portugueses de grandes 
		possibilidades teatrais. O mesmo se pode dizer para muitos textos
		poéticos de André Breton. No 
		texto de 1971 atrás citado, Cesariny dava por sua vez a entender que 
		Portugal, ao ler Breton, se estava a livrar do seu
		lirismo professo. Ao invés do 
		que apressadamente se pensa, o surrealismo tem uma vocação dramática 
		muito mais significativa do que lírica, que retoma ou remonta às origens 
		da poesia como canto do bode. 
		 Festeje-se pois o pioneirismo de João Garção e 
		saúde-se a publicação em livro do seu trabalho – que reputamos 
		importante para o desenvolvimento do estudo do surrealismo em Portugal, 
		tanto mais que depois dele parece que nada mais se adiantou no domínio 
		do teatro surrealista.   8 de Março de 2015António Cândido Franco
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		NOTA PRÉVIA   Ao escolher a frequência da cadeira 
		de “História do Teatro”, apresentada como disciplina opcional, tive por 
		objectivo suprir a lacuna que sentia ao nível da preparação cultural 
		fornecida pelo curso de História da Arte. Igual motivo me dirigiu também 
		para a disciplina de “História da Música”, apresentada em iguais moldes.    
		Necessidade vital, em primeiro lugar, mas também a consciência de que 
		uma mais eficaz relação com as diversas expressões culturais passa pela 
		sensibilização face aos seus diferentes géneros, só assim se conseguindo 
		uma necessária polivalência cultural sem a qual, a meu ver, se cairá 
		numa certa “amputação mental”, que poderá ser tanto mais grave se 
		tivermos em conta a subalternização das letras e das humanidades no 
		actual sistema de ensino.    
		Face à sempre salutar possibilidade de apresentação de um 
		trabalho de investigação, a minha atenção prendeu-se imediatamente a um 
		aspecto da nossa modernidade pouco e inexactamente estudado; embora, 
		parece-me, por alguns muito bem compreendido: o Surrealismo; e a um 
		campo do nosso teatro absolutamente nada estudado, tanto quanto sabemos, 
		e ainda mais inexactamente compreendido: o teatro surrealista.    
		Pesou também nesta escolha a necessidade de complementar por fora 
		os algo insuficientes ensinamentos ministrados pela Faculdade (sendo o 
		surrealismo o exemplo típico de uma corrente de pensamento, com 
		implicações em todos os campos do saber e do viver, que não é 
		minimamente abordada), presos a certos moldes repetitivos e a uma 
		estratificação rígida, de uma maneira geral. A talhe de foice, é de 
		salientar a abertura, face a trabalhos pouco academicistas que 
		apresentei, do Dr. Francisco Pato de Macedo, em “História da Arte 
		Medieval” (“Hieronymus Bosch, o pintor, o profeta, o visionário”) e do Dr. 
		Francisco Faria, em “História da Música” (“A música, os músicos e os 
		instrumentos através da poesia, dos poetas e das palavras”).    
		Gostaria de agradecer a algumas pessoas que contribuíram para uma 
		mais eficaz abordagem do tema agora apresentado:    
		Ao Doutor José Oliveira Barata, por motivos mais que óbvios; ao 
		poeta Nicolau Saião, que pôs à minha disposição o seu arquivo pessoal e, 
		além de preciosas informações sobre o existir da movimentação 
		surrealista em Portugal, cedeu trabalhos inéditos; ao pintor Carlos 
		Martins, que comigo se propôs esclarecer aspectos do surrealismo em 
		português, nomeadamente em relação a Mário Henrique Leiria e Pedro Oom; 
		ao Dr. Luís Adriano Carlos, pelo fornecimento de indicações 
		bibliográficas sobre Jorge de Sena; ao historiador Dr. António Ventura 
		pelas atenções que comigo teve. |  
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		 CAPÍTULO 
		I 
		     
		Temos verificado que, frequentemente, o 
		surrealismo é associado, de uma maneira geral, à representação pictórica 
		de personagens biologicamente deformados, com as orelhas no traseiro ou 
		os dentes nos sovacos. Ou então, quando nele se fala, comodamente e sem 
		mais demoras é enunciada a definição oferecida por André Breton em 1924 
		no “Primeiro Manifesto do Surrealismo”: “Automatismo psíquico puro pelo 
		qual se pretende exprimir, verbalmente ou por escrito, ou de qualquer 
		outra maneira, o funcionamento real do pensamento. Ditado do pensamento, 
		na ausência de qualquer vigilância exercida pela razão, para além de 
		qualquer preocupação estética ou moral” (1). 
		Sucede também referir-se que “o surrealismo foi um fenómeno literário 
		predominantemente francês cujo apogeu se situou entre as duas guerras” (2). 
		Isto quando a presença da movimentação surrealista em Portugal e no 
		estrangeiro não é, a nível interno, pura e simplesmente menosprezada ou 
		ignorada, coisa muitíssimo frequente (embora, naquele último caso, as 
		críticas apresentem uma menor virulência quando se trata de referir, 
		mesmo que ao de leve, os matreiramente apelidados de “históricos” do 
		surrealismo a nível mundial). Por outro lado, mesmo quando existem 
		propostas de “estabelecer, com a máxima objectividade possível” (3) 
		o que é efectivamente o surrealismo e qual o alcance da sua mensagem, as 
		análises referentes a essa aventura apresentam-se confrangedoramente 
		revestidas de uma grande frieza e de um certo esquematismo estético, 
		provavelmente devido ao facto de – e esta é a razão menos mefistofélica 
		que encontramos – os vários estudiosos se terem debruçado sobre o 
		surrealismo elaborando um género de análise que, por lhe ser exterior, 
		bem como às suas características, dele se apresenta distante (4). 
		Verifica-se também a existência de uma visão “oficial”, que pretende 
		encarar o surrealismo ora como uma escola ora como uma estética 
		bretoniana (5).    
		Através de um mais ou menos longo contacto com o problema do 
		surrealismo, mormente através das suas obras, demo-nos conta de que 
		todas essas concepções eram incapazes de contribuir para a compreensão 
		surrealista, antes promovendo a confusão, o desinteresse e o descrédito 
		sobre o surrealismo.    
		Porque se torna imperativo, para uma melhor compreensão das suas 
		obras teatrais, compreender por um lado o que é
		efectivamente esse movimento 
		e, por outro, saber qual o contexto que as alimentou, parece-nos 
		fundamental procedermos primeiramente à abordagem do primeiro ponto para 
		posteriormente referenciarmos o trajecto percorrido pelo surrealismo no 
		nosso país.    
		Constituindo o seu aparecimento um “fenómeno extraordinário”, 
		como afirmou Michel Carrouges, numa sociedade construída à base de 
		místicas, entre as quais as racionalistas, as técnicas e as 
		trabalhistas, o surrealismo propõe a libertação total do homem, que se 
		traduzirá pelo acesso ao conhecimento do homem real. O surrealismo é, 
		para utilizar uma expressão de Nicolau Saião, “uma aposta na realidade 
		inteira”. Tendo-se verificado, ao longo dos tempos, a manipulação 
		pretensamente racionalista que tem amputado o homem da sua expressão 
		total, o surrealismo pretende recuperar essa totalidade, reintroduzindo 
		no real aquilo que é deixado à margem, através da quebra das correntes 
		apostas ao pensamento pelo dito racionalismo.    
		Esta tentativa de “reconstruir totalidades” e de exploração 
		sistemática das possibilidades esquecidas do homem é que levou a atenção 
		dos surrealistas para a escrita automática e, “na medida em que o 
		automatismo permite ao indivíduo descobrir em si possibilidades 
		insuspeitas, essa descoberta, que é prova da sua própria liberdade, toma 
		um valor arquetípico” (6). Os 
		princípios enunciados por Breton e seus companheiros são pontos de 
		partida mais que pontos de chegada; são, digamos, “constatações de 
		partida”. Aliás, já no jornal “Bulletin de la Vie Artistique” de 1 de 
		Agosto de 1926, se dava conta disso mesmo: “Eles utilizam a escrita de 
		uma maneira absolutamente voluntária e contraditória em relação ao 
		sentimento que possuem desse automatismo”, acrescentando que “os seus 
		actos pertencem a uma vasta empresa de recriação do Universo”. A escrita 
		automática não se apresenta como o manancial do surrealismo: “Um 
		reacionário imbecil, fazendo escrita automática, apenas faz 
		reacionarismo ou imbecilidade. Não deve esquecer-se que os ‘mecanismos 
		do hábito’ continuam de boa saúde…” (7).    
		O que com “automatismo psíquico” esses surrealistas quiseram 
		referir – numa época em que o seu vocabulário surgia no fragor e certa 
		confusão dos começos – foi a liberdade mental e psíquica que a sociedade 
		ocidental (através dos pseudo-racionalismos, dos liames do fideísmo 
		judaico-cristão e da repressão política) procura estorvar e condicionar. 
		Contudo, o surrealismo não deve ser reduzido a uma concepção 
		anti-racional pois ele “não gosta de perder a razão”. Acha é que a razão 
		não deve estar submetida aos estreitos limites que os preconceitos do 
		século lhe pretendem atribuir (8). 
		O mesmo desejo de totalidade conduziu também a actuação dos surrealistas 
		para o sonho (9), “onde tudo é possível, pela capacidade de transgredir os limites 
		normais da acção humana” e para a loucura, que se enclausura, como tão 
		bem se disse (10). É nesta 
		perspectiva que se deve entender, igualmente, a atenção do surrealismo 
		ao maravilhoso e à sabedoria tradicional (muito especialmente a 
		Alquimia).    
		A escrita automática e o automatismo psíquico não se tratam, 
		pois, de metodologias em si mas de um acrescentar de possibilidades até 
		então desprezadas ou desconhecidas – um ampliar de possibilidades 
		criadoras.    
		Compreende-se assim que haja uma ilimitada diversidade de mundos 
		no surrealismo, não tendo o seu universo que se apresentar como “mundos 
		dalinianos” ou “magritistas” ou outros vastos painéis oníricos. Certos 
		pintores que por vezes referem a interlocutores “agora vou-lhe mostrar 
		um quadro da minha fase surrealista” são ou brincalhões ou ignorantes 
		manhosos, visto que o surrealismo não é uma questão de
		fases: “surrealista só é aquele que vive, escreve ou pratica o 
		surrealismo”, no dizer de Nicolau Saião. Obviamente, só os surrealistas 
		podem pintar quadros surrealistas, o mesmo se dizendo para qualquer 
		outra disciplina por estes praticada. Os outros são apenas imitações 
		mais ou menos grosseiras, em estilo “à maneira de”.    
		Na sua amplitude, o conceito “surrealista” apresenta-se então não 
		como transcendente mas como imanente, na medida em que é expressão de 
		características do “homem na sua totalidade” e não o fantasiar do 
		quotidiano.    
		Não sendo uma proposta negativa e niilista mas libertadora, 
		compreende-se que o surrealismo se tenha aproximado de todos os 
		movimentos que, de alguma forma, tentavam emancipar o espírito, a 
		linguagem ou a visão. Foi por esta razão – e apenas por esta – que os 
		surrealistas se ligaram a determinados movimentos políticos, que 
		imediatamente abandonaram ao verificarem que eram tão autoritários e 
		verdadeiramente imobilistas, quando não reaccionários, como os 
		movimentos políticos tradicionais (11). É pelo mesmo motivo que vários dos futuros elementos do 
		movimento surrealista francês abandonam o movimento Dada – que seria 
		simbolicamente lançado às águas do Sena – por ter esgotado as suas 
		virtualidades: “(…)decepção, devido à monotonia dos métodos de 
		‘aturdimento’ e ‘cretinização’ empregados e à estéril repetição de 
		provocações que se acham progressivamente despoletadas”(…). (12).    
		Porque tende para a realização total do homem, dos seus desejos e 
		das suas liberdades, pode-se considerar que a reivindicação surrealista 
		é política em si mesma: a “revolução” preconizada pelos surrealistas tem 
		em vista o fim dos totalitarismos, do capitalismo de Estado ou privado, 
		do fascismo e do nazismo, do que as religiões têm de preconceituoso e 
		fascizante (13). Por outras 
		palavras, o surrealismo não pretende o divórcio completo dos grupos 
		sociais nem rebentar com o todo social, como por vezes é referido, mas 
		apenas com o que este tem de pôdre. Neste sentido, o apelidar-se o 
		surrealismo como movimento revolucionário decorre mais dum factor em 
		certa medida exterior a si próprio, decorrente da própria podridão 
		social, sendo os surrealistas “revolucionários sem revolução”. O 
		surrealismo, simplesmente, é, 
		propondo a imaginação, a liberdade, a generosidade, despertando a 
		criatividade sem peias, numa sociedade onde não se seja dominado nem 
		pela miséria nem pelo consumismo infrene. A talhe de foice, assinalemos 
		a naturalidade com que os índios hopi (bem como outras tribos, tal como 
		estes praticando uma vida que é o mais aproximado do surrealismo que se 
		conhece) receberam André Breton, durante o seu exílio americano; ou os 
		dogons do Sudão em relação a Michel Leiris e Marcel Griaule. Aí, os 
		surrealistas não contestavam aquelas sociedades, uma vez que elas 
		existiam criativa, humana e poeticamente em moldes assaz surrealistas.    
		É indiscutível a fraternidade que liga surrealistas e 
		libertários. O surrealismo, contudo, ultrapassa o anarquismo pelo acento 
		tónico que põe em aspectos como o amor, a poesia, a imaginação e a 
		alquimia interior do ser humano. Assim, por exemplo, no “Caso Viollete 
		Nozières”, jovem que assassinou o padrasto que a reprimiu e violou 
		sexualmente anos a fio servindo-se de chantagem e ameaças, os 
		anarquistas tomaram o seu partido por ela ter abatido um notório 
		reacionário (o seu padrasto estava ligado a movimentos de 
		extrema-direita). Os surrealistas, que a apoiaram desde o início, saíram 
		à estacada repondo o tema no seu verdadeiro contexto: a busca da 
		liberdade é sempre uma revolta individual; além disso, toda a defesa da 
		jovem, no seu julgamento, permitiu aos assistentes verificarem a 
		reivindicação vital de um ser humano de alta qualidade poética (14). Essa busca, afirmaram os surrealistas, não visa satisfazer 
		propósitos deste ou daquele movimento, por muito livre que se queira, 
		mas sim a liberdade globalmente encarada. Com efeito, importa salientar 
		este aspecto: sendo este o tempo em que, como afirmou Breton, “existe 
		violência física e passividade mental, o surrealismo defende que a 
		violência deve ser mental e não física”.    
		Esta “atitude perante o mundo, o desejo de restabelecer a 
		continuidade do eu ao
		objecto (…)”(15) é fundamental na actividade surrealista. A “entrega à escuta do 
		mundo” radica na realidade de que um poeta, assumindo-se verdadeiramente 
		como tal, tende por imperativo interior a associar a um comportamento 
		lírico um querer viver atento. Como referiu António Maria Lisboa, o 
		surrealismo não é uma nova maneira de bem dormir mas uma tentativa 
		absoluta de estar bem acordado, com o sonho a funcionar no real. É nesta 
		linha de pensamento que os surrealistas têm afirmado que o seu objectivo 
		é extra-literário, pois por um lado a sua linguagem não se pretende 
		impor como qualitativamente superior e, por outro, a exaltação da poesia 
		e da arte é promovida não enquanto divisão de classes, sectores ou 
		grupos mas sim enquanto acontecimento libertador das forças mais 
		autênticas do homem(16). Ser 
		poeta é pois, segundo os surrealistas, associar um quotidiano poético a 
		um querer viver atento. O poeta é pois um bardo, mas um bardo sem 
		sujeição a clãs ou senhores. O surrealismo apresenta-se assim como uma
		poética da linguagem ligada a uma leitura da vida, uma atitude 
		perante o mundo expressa por um comportamento lírico, ou seja, a busca 
		de uma coincidência entre a arte e a vida, uma arte imaginativa, 
		desataviada, necessariamente crítica (“a crítica é a razão da nossa 
		permanência”, como disse António Maria Lisboa) e maravilhosa, a par de 
		uma vida livre, digna, fraterna e total. As obras surrealistas não são 
		um meio mas um fim em si, não são um alibi intelectual mas um sinal de 
		permanência da criatividade. O surrealismo não é, pois, uma crença mas 
		uma prática: não só propósitos mas actos, neste caso e palpavelmente 
		quadros, poemas ou comportamentos no quotidiano.    
		Esta ética surrealista (17) 
		pressupõe a sua transfiguração nos mais variados aspectos, podendo ser 
		surrealista tanto o desmascaramento específico de um político corrupto, 
		impedindo-o de tripudiar sobre o povo, como a transposição espontânea de 
		uma vida interior tempestuosa para a palavra escrita ou qualquer outro 
		modo de expressão (18).    
		O surrealismo, conforme concluímos, será assim, de uma maneira 
		englobante, um sinónimo de realidade profunda e aumentada, a magnífica 
		capacidade de ver o além no aquém, a imaginação além do Poder, tudo o 
		que permite ao homem ultrapassar a “condição humana”. É patente no 
		surrealismo o desejo de “transgredir as leis e ofender os deuses”, como 
		referia Brassai no seu “Conversas com Picasso”, uma vez que para os 
		surrealistas é ridícula e abusiva a genuflexão aos pretensos poderes do 
		alto referidos pelas religiões reveladas e que, a seu ver, só têm 
		ajudado a escravizar o homem. Finalmente, podemos verificar, como 
		escrevia Maurice Blanchot: “Nem sistema nem escola, nem movimento de 
		arte ou de literatura, mas pura prática da existência(…)”. Por esta 
		razão, pareceu-nos fundamental incluir como anexo uma secção denominada 
		“O surrealismo nas suas obras vivas” (*), 
		onde se demonstra que o surrealismo é, parafraseando Carlos Martins, 
		“uma insurreição quotidiana contra os padrecas da cultura e da beleza 
		obrigadas a mote”. |  
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		CAPÍTULO II      
		Se estamos de acordo com Luiz Francisco Rebelo quando este refere 
		que a aventura surrealista teve “(tenuíssimas) incidências no 
		espectáculo teatral” em Portugal(1), discordamos completamente quando afirma que o movimento 
		surrealista estaria já exausto nos finais da década de 50 (2). Parece-nos que podemos exemplificar esse diferente ponto de 
		vista através do material que apresentamos em anexo. No entanto, 
		considerações sobre essa e outras afirmações por parte de um crítico que 
		tão grande contributo deu ao teatro nacional levar-nos-iam para um 
		caminho diferente daquele que é nosso propósito trilhar, importando 
		antes compreendermos o porquê de os surrealistas portugueses terem dado 
		pouca atenção a esse género de expressão, como o autor de “Alguém terá 
		de morrer” referenciou.    
		Como já verificámos no Cap.I, o surrealismo pretende fazer 
		coincidir arte e vida, pelo que o palco maior dos surrealistas é a 
		própria vida, devendo o teatro, segundo eles, estar incluído na 
		actividade poética geral. Apesar de os surrealistas não virarem a sua 
		atenção de uma forma bem específica para o teatro, isto não significa 
		que haja uma completa distanciação entre eles e o universo teatral. Os 
		surrealistas, por exemplo, sentem-se identificados com essas 
		maravilhosas representações cénicas que utilizam marionetas e fantoches, 
		plenas de imaginação, de sensibilidade e de maravilhoso. Procure ver-se, 
		em Portugal, os “Bonecos de St.Aleixo” e compreender-se-á a razão desta 
		afirmação. Também em França os surrealistas eram grandes frequentadores 
		do teatro de fantoches do “Grand Guignol” e, em geral, sempre apreciaram 
		as extraordinárias “performances” de cariz teatral de palhaços como 
		Charlie Rivel (de que a TV portuguesa apresentou há anos alguns filmes), 
		sendo de assinalar ainda a filiação de textos como “Victor ou as 
		crianças no poder” na pantomima tradicional.    
		A causa profunda daquele problema terá de ser procurada num 
		âmbito diferente que não apenas a própria mentalidade surrealista, pois 
		esta, porque englobante, repita-se, não desprezava – nem despreza – o 
		teatro. Importa, por isso, analisarmos o contexto social, político, 
		cultural e económico em que os surrealistas se movimentaram e 
		movimentam, para lhe encontrarmos uma resposta. Sendo esse contexto por 
		demais conhecido, apenas sobre ele relançaremos um olhar que apanhe o 
		global da situação.    
		Verificamos então que, politicamente, nos seus inícios imperava 
		em Portugal a ditadura salazarista, apoiada numa polícia política que 
		reprimia e procurava destruir qualquer tipo de pensamento e acção 
		contrários ao regime. Na melhor (!) das hipóteses, buscava-se enquadrar 
		o que vinha a público, de forma a esvaziar o mais possível o seu cariz 
		contestatário. De acordo com o que conseguímos apurar, era 
		manifestamente impossível aos surrealistas terem numa sala de 
		espectáculos uma peça, que naturalmente seria subversiva em excesso.    
		A nível económico, constatamos que os meios de produção se 
		encontravam – e em certa medida ainda se encontram – nas mãos de uma 
		burguesia sôfrega de lucros (ou visando alguma subsistência fácil), que 
		era na altura tributária ou na dependência do sistema político, com isso 
		lucrando ou garantindo um certo prestígio social que compartilhava com 
		os meios religiosos e militares, fortemente locupletados devido ao apoio 
		ao regime ditatorial. Sabe-se como o regime estorvava os meios teatrais 
		heterodoxos. Como poderiam pois os surrealistas navegar num tal oceano 
		de repressão, de temores, de impossibilidades?    
		Culturalmente, após a bomba de dinamite do “Orpheu” que 
		momentaneamente abalara a vida cultural portuguesa, esta voltava a 
		apaziguar-se, a sedimentar e a morrer. Diz Mário Cesariny: “Não tardará 
		que os presencistas entrem na liça (1927) para promulgar o primado da 
		boa escrita, do bom cânone literário sobre todas as outras opções: 
		políticas, morais, sociais, colectivas ou individuais. A boa escrita e, 
		claro, revista pelos censores e, se possível, apolítica, não desagradava 
		de todo ao doutor Salazar e ao senhor António Ferro, administrador 
		cultural da época salazarista, agradava até bastante, ainda que obrigado 
		ao remorso de observar que, politicamente, os “presencistas” eram 
		oposição declarada ao regime corporativo.    
		E é assim que se dedicam a pôr em ordem (em escrita legível, é 
		claro) a desordem instaurada pela geração do Orpheu. Gaspar Simões 
		afirma-o com orgulho: ‘seja qual fôr o impacto revolucionário da revista 
		Orpheu, tal impacto só conquista em Portugal uma posição de relevo a 
		partir da doutrina presencista’. Claro! Mas o doutrinamento presencista 
		é um magistério antípoda da revolução de Orpheu (sobretudo em Pessoa e 
		em Raul Leal) que propõe nada mais nada menos do que a abolição da Era 
		Cristã e da civilização greco-romana do Ocidente” (3). 
		Em finais dos anos 30, um novo murmúrio “que em breve se transforma em 
		rio, ocupa, na mesma costa do ribeiro presencista, e decididamente 
		contra este, o seu lugar na aldeia: são os neo-realistas(…)” (4). 
		No entanto, após 1945, o neo-realismo encontrava-se “incapacitado de 
		resolver as suas mais íntimas contradições, e ainda por cima 
		impossibilitado de, publicamente, discutir os problemas que se lhe 
		apresentavam. A sua eficiência, como protesto, dilui-se, na medida em 
		que o seu esquema se revela grosseiro, incapaz de apresentar as mais 
		íntimas noções da própria afirmação poética”, na opinião de Alfredo 
		Margarido (5).    
		Buscando uma “acidez intervencionista” e procurando para o homem 
		português “uma liberdade que as circunstâncias teimavam em negar-lhe” (6), 
		o embrião do primeiro grupo surrealista reúne-se em 1947 no “Café 
		Hermínius”, de Lisboa. Dele faziam parte sobretudo alunos da Escola 
		António Arroio: José Leonel Rodrigues, Pedro Oom, Mário Cesariny de 
		Vasconcelos, António Domingues, Fernando Azevedo, José Francisco, Artur 
		do Cruzeiro Seixas, Júlio Pomar, João Moniz Pereira e Marcelino 
		Vespeira. “É este núcleo que, discutindo não apenas os problemas 
		plásticos mas também os problemas éticos que se propunham aos jovens 
		artistas em Portugal, há-de vir a descobrir que só o surrealismo possuía 
		a força virulenta para abalar uma sociedade que conseguia resistir à 
		guerra sem outras perturbações que não fôssem um racionamento rígido, 
		que dava lugar ao aparecimento de fortunas rápidas, graças à candonga e 
		ao mercado negro (a que se juntava o volfrâmio, as sucatas e até algumas 
		vezes, o pagamento de futuros serviços aos ocupantes”(7).    
		Era este o panorama quando em 1947 aparece oficialmente o Grupo 
		Surrealista de Lisboa (o seu surgir na imprensa dá-se um ano depois, a 
		propósito do centenário de Gomes Leal). Este não haveria de durar muito, 
		desfazendo-se em Janeiro de 49, tendo-se inclusive verificado, em Maio 
		desse ano, a “saída para a rua de um ‘enterro do surrealismo’ que, por 
		falta de organização conducente, acabou na esquadra”(8). Não vamos traçar aqui a cronologia, mesmo que ao de leve, do 
		existir surrealista no nosso país, visto que tal seria desviarmo-nos do 
		assunto que nos propusemos tratar. Remetemos o leitor para o livro de 
		Mário Cesariny “A intervenção surrealista” que contém a mais importante 
		cronologia em acção até ao ano de 1960. A sua actualização não pôde 
		ainda efectuar-se devido a diversas causas, umas exteriores outras 
		interiores, podendo ter também a ver com a rarefação e o provincianismo 
		característicos do meio editorial português.    
		Ao analisarmos o evoluir da aventura surrealista no contexto que 
		expusemos, encontramos a nosso ver, aí, a chave que nos permite 
		responder à questão enunciada no começo deste capítulo; é que embora 
		essa aventura tenha empreendido uma caminhada, esta foi feita na maior 
		parte das vezes debaixo da ameaça de lhe agrilhoarem os pés, 
		frequentemente descalços; sob tentativas de chantagem ou defrontando 
		obstáculos colocados no seu caminho pela mentalidade interesseira, 
		retrógrada e provinciana das forças vivas (como sói dizer-se) dum país 
		cujo imaginário em boa parte foi e é fascizante, de tal forma que ainda 
		hoje, ao que apurámos, ressalvando-se os casos históricos de Cesariny e 
		Seixas, que de certo modo servem à “intelligentsia” dominante como 
		exemplo de “bom surrealismo”, o que lhe permite desautorizar outras 
		vozes mais violentas ou desenquadradas, os mais chegados surrealistas 
		são usualmente marginalizados e até difamados quase impunemente(*). Para 
		desgraça dos seus intervenientes, interessados em colocar essa bomba 
		poética debaixo, por cima e aos lados da pseudo-realidade circundante e 
		visando com isso a instauração de um imaginário considerado mais 
		salubre, plásmico e fascinante, chegámos à conclusão no decorrer do 
		nosso estudo que o afirmar surrealista é hoje muito mais difícil que 
		outrora (cf. Nicolau Saião) tanto mais que se tornou palpável uma difusa 
		mentalidade nova-rica que considera natural e altamente aconselhável o 
		cinismo, a hipocrisia e o amor declarado ao triunfo e ao vil metal, não 
		sendo nada recomendada a verticalidade surrealista.    
		A resistência a essas barreiras, pela escolha e defesa de um 
		quotidiano de qualidade, implicou desde detenções (9) 
		a espancamentos (10), a 
		problemas de saúde (11), a 
		mortes (12), necessidades e perseguições (13). Isto para não falar nos problemas de publicação e divulgação 
		que têm atingido desde sempre as obras dos autores surrealistas.    
		No contexto de resistência em que os surrealistas se têm 
		movimentado, a  poesia 
		apresenta-se como o veículo mais imediato, pois o teatro necessita de 
		grupos, tendo estado em Portugal, durante muito tempo, controlado por 
		sectores políticos ou tendo um cariz de “boulevard”, ressalvadas as 
		naturais e dignas excepções.    
		Se os surrealistas, concluímos, não tiveram maior ligação com o 
		teatro, foi por este se ter apresentado geralmente comercializado, 
		conduzido, espelho que era afinal da sociedade do tempo; não esqueçamos 
		também, mais modernamente, que o teatro depende igualmente dos 
		espectadores e que estes têm estado por um lado, em grande parte, sob a 
		influência da mentalidade burguesa a quem a mensagem surrealista arrepia 
		ou ofende nos seus preconceitos e tiques. Mesmo no pós-25 de Abril “só a 
		censura do poder político cessara porque outros controlos(…)se 
		mantiveram, através da   
		propriedade ou gestão dos espaços, gestão capitalista 
		de salas que impunham a sua exploração em termos comerciais”(14). 
		Mesmo que os surrealistas se tivessem dedicado assiduamente a escrever 
		textos teatrais, era mais que certo que essas peças não seriam levadas à 
		cena. Temos conhecimento que a representação da peça de Cesariny “Um 
		auto para Jerusalém”, sofreu entraves na sua representação, tendo ido 
		para a frente após intervenção de autoridades militares favoráveis ao 
		A., nos tempos do PREC(15). 
		As poucas peças surrealistas que sabemos existirem, ou continuam 
		inéditas como é o caso da de Nicolau Saião, que apresentamos no anexo 
		por deferência do A. e que possivelmente não será dada a lume nos tempos 
		mais chegados(**), 
		ou apesar dos nossos esforços não as conseguímos encontrar (caso de 
		“Sucubina ou a teoria do Chapéu”, de Natália Correia e Manuel de Lima (16), ou serão apenas, salvo excepções, textos dramáticos(17): 
		diz Ortega y Gasset que “teatro é por essência, presença e potência, 
		visão-espectáculo” e que “teatro é, mais do que um género literário, um 
		género visual e espectacular”(18), afirmação que plenamente acompanhamos, o mesmo acontecendo, 
		estamos em crer, com os autores surrealistas de textos dramáticos, que 
		certamente com pesar observam a redução das suas obras ao campo 
		literário, fora portanto (por essência e por objectivo) do seu âmbito 
		natural de intervenção.    
		É devido a tudo isto que discordamos da análise de Luiz Francisco 
		Rebelo sobre o surrealismo e a forma algo depreciativa como o aliás 
		informado e estimável crítico encara os protagonistas nas suas relações 
		com o teatro, parecendo desconhecer quer o próprio projecto surrealista 
		quer as condições de existência em que este foi tomando forma no nosso 
		país. Apeteceria dizer, com William Faulkner a respeito dos negros 
		norte-americanos: “Obrigam-nos a ser engraxadores e depois alegam que só 
		servem para engraxar sapatos”. |  
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		CAPÍTULO III      
		Depois das diversas considerações que tecemos nos capítulos 
		precedentes, encontramo-nos agora de posse dos instrumentos necessários 
		para analisarmos com maior rigor as peças surrealistas de que dispomos.    
		Antes, porém, urge responder a uma questão fundamental, por 
		permitir uma mais perfeita análise dessas peças; a saber – se os 
		surrealistas, conscientes que estavam da sua marginalização e, logo, 
		afastados directamente do acesso aos palcos, terão escrito essas obras 
		objectivando uma possível representação ou, de outra forma, se essas 
		peças serão sobretudo “objectos mentais”, visando efeitos primeiramente 
		literários (leia-se: de leitura).    
		Se, como referimos no capítulo anterior, o teatro – e logo os 
		seus textos, parte que são dessa disciplina criativa – deveria estar, de 
		acordo com os surrealistas, integrado num vasto e simultaneamente uno 
		processo poético, podendo os textos ser encarados à luz duma 
		“representação” no palco do imaginário e não numa sala, quer-nos parecer 
		que os autores deles não viam o teatro como um passatempo anódino mas, 
		antes, reconheciam-lhe possibilidades próprias de problematização do 
		quotidiano e, logo, meio de expressão possível a que estavam inerentes, 
		consubstanciadas, tomadas de posição. Referiu Ernesto Sampaio; “O 
		teatro, que é talvez a mais perfeita realização simbólica da 
		manifestação universal, é hoje a melhor imagem da degradação a que as 
		formas profanas da “cultura” conduziram a humanidade. Porque o teatro 
		perdeu a sua essência “misteriosa”, 
		o sentido exotérico e esotérico que lhe permitia representar a 
		simultaneidade sintética dos estados inumanos e humanos do Ser(…)”(1).    
		Refira-se, a propósito, que a adequação das particularidades 
		próprias do teatro à mentalidade dos autores surrealistas não implicou, 
		no nosso país, que a acção dramática perdesse, necessariamente, os seus 
		caracteres distintivos, ao contrário do que aconteceu, por exemplo, em 
		França (2). Os autores 
		nacionais, se bem que não comprometendo o desenrolar dos seus projectos 
		jungindo-os a um caracter formal, parece terem-se subordinado bem mais 
		que os seus colegas gauleses a determinados aspectos tidos como 
		“teatrais” – o que não pressupõe, obrigatoriamente, que se não deva 
		caracterizar essas peças como surrealistas, em vista do menor desprezo 
		por tudo o que é tido como teatral. Aliás, isso por vezes até aparece 
		com um caracter vincadamente irónico: na peça de N.Saião, aparecem no 
		rol das personagens os habituais, quase diríamos canónicos, “homens e 
		mulheres do povo”, que jamais, em tempo algum da peça, têm qualquer 
		aparição quer vista quer ouvida…    
		Então: bem pelo contrário, pois ordenando-se o conteúdo “teatral” 
		desses textos das mais variadas formas e consoante os objectivos e 
		gostos dos seus autores, o conjunto apresenta quer ao nível da mensagem 
		quer da articulação da intriga – mais ou menos “coerentes”, mais ou 
		menos verosímeis – um propósito bem definido, que compreende o humor 
		negro, a revolta, o maravilhoso, o poético ou o onírico. Apesar das 
		evidentes distâncias entre os autores surrealistas e Bernardo Santareno, 
		parece-nos importante escutarmos o que este refere a propósito do 
		assunto vertente: ”(…) Se o dramaturgo pretende
		actuar através do teatro, quer 
		dizer, se o seu objectivo não é só divertir contando uma história, nem 
		sequer apenas provocar a catarse aristotélica e assim expurgar o 
		espectador das suas paixões, mas também ensinar, fazer consciencializar 
		o público do que é justo e injusto, bem e mal, etc., neste caso as 
		personagens são, é claro, menos importantes do que o tema, do que a 
		explanação das verdades e mentiras para as quais queremos acordar e 
		dividir os espectadores”(3). 
		Os surrealistas, neste ponto, distinguem-se porquanto onde Santareno põe 
		“verdade” e “mentira” elas poriam “realidade” e “ilusão”, dando de 
		barato que a vida societária não é “real” no sentido profundo do termo, 
		uma vez que a realidade implica a ausência de neuroses e recalcamentos, prato 
		forte da “realidade” societária em que se vive.     
		Não temos pois como segura uma relação de causa-efeito no que diz 
		parte aos textos dramáticos surrealistas e uma eventual falta de 
		potencialidades cénicas dos mesmos. Cada um deles, afinal, pressupõe uma 
		harmonização própria com o encarregado do trabalho cénico, regulando-se 
		desta forma uma margem de manobra que parte das características 
		essenciais do texto e termina na capacidade, imaginação e competência do 
		encenador. Por outras palavras: não nos parece correcto definir-se
		a priori as peças surrealistas como dificilmente encenáveis ou 
		contando à partida com uma bem menor adesão do público que a 
		habitualmente dada ao teatro “convencional”. Aliás, para quem souber
		ler, é fácil verificar que as peças surrealistas, mais ou menos 
		“desconstruídas” fazem sentido. 
		Ao passo que, parecendo que o fazem, nenhum sentido possuem as 
		pessegadas de “boulevard”. Ademais, já tivemos oportunidade de 
		verificar, junto de uma assistência livrescamente “inculta”, a adesão a 
		peças, via TV, como por exemplo “Victor ou as crianças no poder”, de 
		Vitrac; ou in loco à peça de Ionesco “O inquilino”, representada numa terra de 
		província profunda.    
		Um aspecto do problema que se nos afigura importante realçar é o 
		facto de terem sido muito poucos, em Portugal, os encenadores que 
		ousaram pôr em cena algumas dessas peças – e é evidente que, a serem 
		encenadas, não significa que granjeassem imediato sucesso – o que parece 
		apontar, afora outras razões, para dificuldades de manobra com textos 
		surrealistas, fruto que são de um processo criativo muito próprio, sem 
		se cair em banalizações ou deturpações. Isto partindo do princípio que 
		possuem suficiente qualidade conferida pela ética e pela estética, pela 
		paixão política ou pela preocupação de intervenção social do observador, 
		para serem recebidas pelo público frequentador das nossas salas. 
		Contudo, como referiu Manuel de Lima, “num país em que se representam 
		peças medíocres vindas de toda a parte, um original português, por muito 
		insuficiente que seja, nunca será um intruso”(4).    
		Parece-nos pois necessário um certo cuidado para não sermos 
		induzidos em raciocínios que poderão ser precipitados (5).    
		Postos estes mais ou menos breves considerandos, examinemos agora 
		as peças em questão, melhor dizendo, os seus textos, limitados que 
		estamos a esta análise, pois alguns não foram encenados e outros, por 
		seu turno, foram-no numa época em que não nos era possível a sua 
		visualização. Vamos fazê-lo tendo em conta os seus autores, pois assim, 
		a par das características das várias peças, ao expormo-los tornar-se-á 
		mais fácil apreendermos as diferenças, ou as semelhanças e as variadas 
		formas de sensibilidade face à dramaturgia que cada autor epigrafa. |  
        |  |  |  
        |  | MÁRIO CESARINY DE VASCONCELOS      
		O mais publicitado dos poetas surrealistas. Escreveu uma peça – 
		“Um auto para Jerusalém”; também em jeito teatral (diálogos) são as suas 
		(à altura agitadoras do meio provinciano) críticas protagonizadas pelos 
		“Dr. Pluma e Dr. Pena”.    
		É o próprio autor que nos informa: “Este Auto foi escrito em 1946 
		por raiva à apresentação da colectânea ‘Bloco’ onde se inseria o texto 
		que o motiva: ‘História Antiga e Conhecida’, de Luiz Pacheco.    
		Foi estreado no Teatro Municipal de S.Luiz, em Lisboa, em 11 de 
		Março de 1975 numa encenação de João d’Ávila com o Grupo Sete.    
		O texto integral, publicado pela Editorial Minotauro em 1964, em 
		edição também apreendida, foi revisto antes e também já depois da 
		realização do Grupo Sete, devendo considerar-se definitiva a presente 
		versão”(6).    
		“(…) baseado numa conhecida cena bíblica em que Jesus (com 12 
		anos) fala aos doutores, o enredo pretende colocar na boca de Jesus um 
		discurso de igualdade e de luta contra a opressão, sendo os doutores (os 
		intelectuais) o seu público escolhido, numa tentativa de os 
		responsabilizar como membros de uma sociedade obrigados a agir 
		directamente na sua transformação”(7).    
		Embora bebendo a inspiração num conto de outro autor, este Auto 
		ganha uma individualidade própria. Assumindo uma profunda crítica a 
		sectores da sociedade portuguesa, o paralelismo entre esta e aquela onde 
		se movimentam as personagens é fácil de delinear.    
		Os intelectuais (Matatias, o Sábio Rezingão; Eleazar, o 
		Intelectual Snob e Tobias, o Sensato) são protótipos de uma certa 
		intelectualidade lusa: Eleazar detesta os ricos e está do lado dos 
		pobres pois estes “são tão infelizes, coitadinhos!”; Matatias é “Doutor 
		em Literatura, crítica e Religiões” e “empregado nos correios desta 
		cidade”; Tobias está bastante arreliado pelo facto de Herodes, Rei dos 
		Judeus, escrever e falar “horrivelmente o hebraico”. Estes três sábios 
		empenham-se em “escrever um livro de que toda a Judeia, todo o povo 
		eleito se orgulhará(…) cinco grandes volumes onde se explica, grafa e 
		determina a mais linda maneira de falar(…)”.    
		O mérito desta “grande obra” é logo posto em causa pelo Orador, 
		que funciona como coro – “assim uma coisa à grega” – e, simultaneamente, 
		reflexo do próprio autor:     
		“ORADOR – Linda coisa é ver trabalhar! Mas há trabalho que presta 
		e trabalho que não presta. Prestará para alguma coisa a trabalheira 
		destes dois doutores?”(Tobias ainda não havia entrado em cena),(8).    
		A falta de profundidade na actuação social por parte dos sábios e 
		mesmo a sua conivência com o Poder – veja-se a maneira como se 
		relacionam com Salomé, filha do temido Herodes e com Cornélius Macissus, 
		ambos analogicamente conotados com o regime salazarista (quando entram 
		em cena ouve-se o hino da Mocidade Portuguesa) – é uma denúncia 
		constante em toda a peça.    
		Quanto ao jovem Jesus, este parece-nos ser não apenas o protótipo 
		do proletariado mas, mais que isso, o protótipo de todos os indivíduos 
		com aspirações de dignidade, de justiça social e de verticalidade:      
		“JESUS – “(…)Eu vim de Nazaré, vi muitas terras 
		e muitos lugares antes de chegar a Jerusalém. E tirei slides e 
		fotografias.(9). Por toda a 
		parte é o mesmo: fome e doença, fome e tirania, fome e abjecção. É por 
		isto que vim, é disto que é preciso falar…”(10). E continuando a sua prédica 
		aos doutores, Jesus afirma: “Ouvi-me irmãos doutores, isso não 
		presta para nada. O povo de Israel não sabe ler, como há-de ler o vosso 
		livro de ortografia? É preciso outra coisa. Para agora mesmo. Para já”.(11).    
		Os doutores, contudo, embrenhados na sua obra e apresentando-se 
		como sabendo melhor que Jesus o que realmente se passa, não dão mostras 
		de quererem contribuir para modificar a situação no mundo real, 
		afirmando-se o seu interesse pela realidade como puramente académico:     
		“ELEAZAR – Que Herodes é um tirano, toda a gente sabe, olha a 
		grande novidade! Mas o que temos nós com isso?      
		MATATIAS – Somos sábios, somos doutores, somos intelectuais. Não 
		somos homens da rua, não nos metam em sarilhos, não querermos saber de 
		desgraças, não queremos nada com a polícia. Pensar, escrever, escrever 
		muito, é o nosso trabalho, não peçam mais nada.      
		ELEAZAR – Sim, não sejam egoístas”.(12).    
		Perante este panorama, acaba por ser o Servo-Porteiro quem, 
		apesar de todo o seu servilismo, imposto por condicionalismos económicos 
		e sócio-culturais (“sou um fruste, um tolo, um facilmente dispensável. 
		Não sei ler nem escrever embora o meu autor me faça falar com certa 
		elegância”) acaba por ter a coragem de abater o Homem da Gestapo – o 
		mesmo seria dizer o agente da PIDE ou seja, a personificação da 
		repressão. Parece-nos extremamente significativo o facto de o Homem da 
		Gestapo cair “varado pelo chuço do Servo-Porteiro”. Trata-se, por um 
		lado, do reafirmar de uma aproximação às pessoas simples do povo, em 
		quem se conserva a sabedoria tradicional e a dignidade e bondade 
		humanas, de uma forma desinteressada – algo muito característico dos 
		surrealistas; e, por outro lado, da crença de que é nessas pessoas 
		simples e anónimas que se cristaliza o desejo de combate às indignidades 
		e às injustiças, sendo elas que operarão as mudanças. Já no início da 
		peça o Servo-Porteiro demonstra essa vontade, quando se dirige ao 
		Orador:   
		      
		“SERVO-PORTEIRO – Escuta, tu és quem tudo pode e manda neste 
		palco enquanto durar a representação da nossa miséria. Peço-te um acto 
		grande, um acto que altere o curso de certos acontecimentos.       
		ORADOR – tocando a sineta – Peço que tirem este homem daqui para fora!       
		SERVO-PORTEIRO – Diz-lhes, ao menos, quem sou! Ou o que faço 
		nesta terra. Não, o que faço não! O que às vezes parece que gostava de 
		fazer…” (13).    
		Discordamos de Maria de Fátima Marinho quando esta refere que “Um 
		auto para Jerusalém” ainda não é surrealista pois “tem poucos elementos 
		devedores da escola bretoniana”(14). Quanto a este assunto da “escola bretoniana” parece-nos termos 
		ficado conversados no Capítulo I. No que se refere à afirmação de que 
		“não se encontram nesta peça factores que, segundo Henry Behar, 
		constituem o fundamento do teatro conseguido nessa perspectiva: o 
		‘hasard objectif’, a falta de lógica ou a primazia do sonho”(15), 
		verificamos novamente a subordinação desta estudiosa a determinadas 
		afirmações que, longe de possuírem a categoria de cânones que se lhes 
		pretende atribuir, são antes fruto da análise a uma bem determinada 
		realidade – neste caso, uma visão do autor citado sobre a produção de 
		textos dramáticos realizados por alguns surrealistas num dado tempo e 
		num certo lugar, sendo pois parciais e nunca definitivamente 
		englobantes.    
		Esta peça parece-nos de considerar verdadeiramente surrealista. O 
		facto de o autor se ter circunscrito a uma dada projecção da realidade 
		não permite inserir a peça no espaço neo-realista(16). 
		Essa realidade não só está profundamente alterada pela mistura das 
		épocas e consequentes anacronismos, como apresenta personagens 
		prototípicas. A elevada densidade poética contribui também para o 
		acentuar dessa particularização do real. Importa ainda referir a sempre 
		presença do humor negro, não para produzir efeitos estilísticos mas para 
		a valorização das críticas através da sua acutilância e maior acuidade. 
		Veja-se, a título de exemplo, a referência a Fernando Pessoa: depois de 
		ouvir uns versos seus, Salomé pergunta quem é o autor:       
		“CORNÉLIUS MACISSUS – 
		consultando um papelinho – Fernandus Pessoas, um judeu estrangeiro. 
		Doutor em…em…nada.        
		SALOMÉ – Ah! Um poeta que não é letrado.        
		MATATIAS – Ainda não foi descoberto pela Judá Editora.        
		SALOMÉ – Então é muito novo…ou muito velho?       
		MATATIAS – Creio que ambas as coisas, Sereníssima. Mal ganha para 
		comer…        
		ELEAZAR – Conhecimentos do Dr. Matatias…(para este último) Sempre 
		o mesmo azelha! Impingir álgidos, anónimos e ignotos à Sereníssima! 
		(Imitação fanhosa) ‘Ainda não foi descoberto’…Vai ser um frenesim, 
		quando lhe descobrirem o baú!”(17).    
		Além do mais, a grande mensagem que se retira da peça é 
		profundamente surrealista: a importância de se resistir à demagogia, à 
		injustiça e à mediocridade, denunciando a podridão (o que por si só, 
		sendo um acto de revolta, é revolucionário). Estes propósitos são 
		enunciados pelo jovem Jesus:      
		“JESUS – (…) Ide e dizei ao povo: à frente de Israel estão homens 
		incapazes e idiotas. Desmascarai-os! Mostrai ao povo quem são esses que 
		o escravizam, que o insultam, que o crucificam. Libertai-o do pão que 
		lhe dão a comer, pão maldito porque é o pão da desonra. Ajudai-o a 
		libertar-se pelas suas próprias mãos.(…) Nenhum povo é eleito quando 
		escravo. E ao que não fôr capaz de libertar os espíritos de nada servirá 
		apaziguar os estômagos(…)”(18).    
		Após o abate do Homem da Gestapo, Matatias foge e Tobias também 
		abandona, aflito, a habitação. No entanto, Eleazar, constrangido, deixa 
		a casa na companhia do Servo-Porteiro, aparentemente decididos a lutar. 
		A mensagem é, pois, de esperança (um alto valor surrealista; dizia Pedro 
		Oom, num texto célebre: “(…)não há razão para queimar a esperança!”). 
		 
		  MANUEL DE LIMA      
		Não fez parte de nenhum dos Grupos Surrealistas, mas a sua 
		actividade de escritor denota adesão ao surrealismo. Isto é facilmente 
		verificável em “Um Homem de Barbas”, o seu primeiro romance, ou naquela 
		que é talvez a sua obra mais conhecida, “Malaquias ou a história de um 
		Homem Barbaramente agredido”, prefaciada por António Maria Lisboa.    
		Além da peça escrita conjuntamente com Natália Correia a que já 
		fizemos referência e que continua inédita, Manuel de Lima escreveu uma 
		outra, “O clube dos antropófagos”(19).    
		Esta peça é a versão teatral da novela homónima escrita a pedido 
		de Mário Cesariny para uma edição que nunca chegou a efectuar-se, sendo 
		a peça publicada antes da novela, embora a ordem da escrita seja a 
		inversa.    
		A transposição para a versão teatral nasceu do contacto do autor 
		com “alguns actores das novas gerações que tinham chegado ao teatro 
		animados pelo desejo de o renovar. A actividade era intensa, subterrânea 
		e, por isso, fascinante(…). A verdade é que estes movimentos, por mais 
		revolucionários que sejam, nunca conseguem furtar-se aos 
		convencionalismos atávicos. Há sempre aquela sujeição, de baixo para 
		cima, aos argumentos da autoridade que impedem a ruptura com o que já 
		está estabelecido. Repare-se como todos os movimentos de renovação do 
		teatro procuram a protecção do que já está caduco(…)”, (20).    
		Dois membros desse grupo tiveram grande importância no evoluir da 
		peça: Fernando Gusmão, que “teve decisiva influência moral que resultou 
		na publicação da peça” além de que a sua opinião “contava, acima de 
		tudo, como crítica sobre os resultados da adaptação de um texto 
		narrativo”(21); e João 
		Guedes, que tentou encená-la no Teatro Experimental do Porto, não sendo 
		a peça, contudo, “integralmente aprovada pelas instâncias oficiais 
		(indispensáveis dentro das leis que regulamentam os espectáculos 
		públicos),(…)”(22), pelo que o autor não autorizou a sua representação, amputada 
		que seria das partes incómodas. Diz Manuel de Lima: “o teatro não tem 
		fronteiras, diz-se. É de quem mais tiver direito ao seu acesso. Mas como 
		o teatro está sempre em crise, como é que se sabe quem tem direito ao 
		seu acesso? Como, por outro lado, vive à custa de subsídios, quem está 
		apto a dizer que as peças em cena são precisamente aquelas que o público 
		solicita? Uma coisa é certa: o teatro não tem fronteiras mas tem, pior 
		do que isso, barreiras. Internas e externas!”(23).    
		Verificando-se algumas diferenças da novela para a peça, a base 
		das duas é idêntica: a antropofagia, que o autor já havia enunciado no 
		romance “Um homem de barbas”. No entanto, em “O clube dos antropófagos” 
		o tema é levado ao extremo mediante o humor negro.    
		Após a sua chegada a Cuba, no Alentejo, Falcão - grande 
		proprietário – começa a engordar a população, aparentemente sob a capa 
		da filantropia; na verdade, para a comer com requintes gastronómicos, 
		que o seu cozinheiro Kugulu se encarrega de executar ajudado por 
		Bicho-de-Cozinha. Iniciado na antropofagia por três magnates americanos 
		– Wolf, do petróleo; Shark, do carvão; Octopus, do aço, - Falcão deseja 
		atingir a realização através da mais elaborada e perfeita iguaria, com o 
		intuito de tornar seus discípulos os mestres. Esse manjar encontra-o ele 
		concretizado nos miolos de Euclides, o inteligente filho de Formiga 
		(feitor de Falcão e seu humilíssimo criado) que tinha descoberto a 
		Teoria da Expansão do Universo. Contudo, quando esse prato está a ser 
		preparado, os três mestres chegam, apoderam-se dele e acabam por matar 
		Falcão, devorando-o em seguida. Toda a peça está repleta de situações 
		insólitas, que contribuem para acentuar a analogia estabelecida pelo 
		autor com a sociedade em que vivemos, analogia essa que é faqcilmente 
		perceptível. Esse insólito, no entanto, não pretende alterar o caracter 
		profundamente teatral da obra, mais estando ao serviço de um objectivo 
		de crítica profunda. É o caso, por exemplo, da cena de engorda do 
		Maltês. Por se ter apercebido das intenções de Falcão, o pobre-diabo 
		recusava-se a ser alimentado:       
		“FALCÃO – (…) Irra, que é teimoso! (pausa) Experimentemos outro 
		sistema. (Faz uma gracinha, passando os dedos pelos beiços) 
		Brrh!Brrh!Brrh!...(O Maltês ri-se. Imediatamente Falcão enfia-lhe a 
		colher cheia de papa na boca) Ah?! Deu resultado.(O Maltês engasga-se 
		mas engole a papa. Alguns restos caem-lhe pelo queixo, mas Falcão, com a 
		colher, empurra-os para dentro da boca) Anda Formiga, faz qualquer coisa 
		para ele se rir. Porque esperas idiota?... Tu que és tão ridículo!     
		(Formiga começa a fazer trejeitos e piruetas. O Maltês desata a 
		rir às gargalhadas. Falcão vai-lhe enchendo a boca de comida. Kugulu vem 
		ajudar Formiga, fazendo-se de macaco. Bicho-de-Cozinha entra também em 
		acção e põe-se a zurrar. Quando a cena atinge o paroxismo faz-se escuro 
		subitamente.)” (24).    
		O posicionamento do autor face à realidade social está 
		continuamente expresso ao longo da peça, quer através dos diálogos quer 
		das indicações cénicas que Manuel de Lima pretende promover. Damos 
		exemplo de dois casos. O primeiro:       
		“1ª VOZ – Deixe-se de teorias, senhor engenheiro, e diga-nos de 
		que lado está. (A multidão exclama):         
		MULTIDÃO – Quem não é por nós é contra nós!(bis)         
		EUCLIDES – Alto! A ciência é a salvação suprema!         
		D. FORMIGA – A ciência está na mão dos poderosos. Nós ficamos 
		sempre na mesma. Nós geramos os nossos filhos para servirem de repasto à 
		voracidade dos poderosos. Abaixo as sanguessugas!” (25).    
		E o segundo: “Os dois grupos começam a combater empregando várias 
		formas de combate: boxe, judo, outros tiram tabuleiros de xadrez, 
		baralhos de cartas e cornucópias de dados. Um operário exibe um rádio 
		portátil que dá um relato de desafio de futebol, de mistura com 
		publicidade. Um ilusionista faz uma série de sortes)”(26).    
		A peça de Manuel de Lima, pelo conjunto de reflexões que propõe e 
		pelo tema que apresenta, parece-nos bastante actual. No entanto, ao 
		contrário do que o seu autor desejaria (27) continua à espera, ainda, que um encenador lhe deite a mão.   JORGE DE LIMA ALVES      
		Poeta e, actualmente, jornalista do “Expresso”, escreveu nos anos 
		de 1973/74 “Cerimonial para um massacre”, que esteve à beira de ser 
		levada à cena nos fins da década pelo “grupo teatral e cultural 
		Mandrágora”, de Cascais, que aliás a editou.    
		Esta peça revela grandes diferenças em relação às outras obras 
		consideradas. Aqui, a linha continuadora entre os vários actos e quadros 
		parece ser o desejo de chocar o espectador(leitor) não se poupando o 
		autor a esforços para o conseguir. Para acentuar mais, no 
		espectador-leitor, o sentimento de incomodidade, verifica-se também uma 
		profunda desarticulação da intriga e da análise psicológica das 
		personagens, cujos actos primam pelo insólito e pelo inesperado. Todo o 
		jogo cénico se desenvolve tendo em conta este objectivo. O primeiro 
		quadro, que poderia servir de prólogo, dá o mote:       
		“O pano abre sobre um palco deserto e nu. Depois surge, de dentro 
		das caixa do ponto, por exemplo, ou dos bastidores, ou de qualquer outro 
		lado, um homem vestido de preto, rastejando.(…) De súbito, um longo 
		grito rasga o silêncio, vindo dos quatro cantos da sala. E, de novo, se 
		abate o silêncio, a ausência.       
		Agora, ouve-se um comboio, ou um avião, passar ao longe, alguns 
		pássaros a cantar; um cão ladrando. Alguém, um côxo talvez, passa pelo 
		palco, a correr.”(28)    
		Contudo e embora o autor recorra ao insólito, não é este que mais 
		choca mas sim o apresentar de situações quotidianas tratadas de maneira 
		a causar espanto e repulsa. Por exemplo, no terceiro quadro do primeiro 
		acto:       
		“HEITOR – O que é que se passa, Ana?       
		ANA – Estou grávida, pai…grávida!       
		Ana tem um ar desesperado. O tom de Heitor exprimirá uma 
		indiferença quase total.       
		HEITOR – Ai sim?       
		ANA – Estou grávida e tenho uma leucemia…Não achas engraçado?” (29)    
		Para avivar ainda mais este sentimento de desgraça, o quadro 
		anterior é todo ele calma e poesia, com diálogos que parecem os de 
		histórias para crianças.    
		A despreocupação face à representação é também enorme. No nono 
		quadro, que inicia o segundo acto, o autor refere que aquele “Está 
		reservado aos actores e ao encenador para que façam dele (e nele) o que 
		quiserem, sem limitações nem directivas. Não é sequer necessário que o 
		que aqui se passa tenha algo a ver com a peça, pelo contrário.”(30)    
		Fortemente influenciado pelo teatro de Antonin Artaud, também 
		aqui há um incitamento ao comprometimento por parte dos espectadores:       
		“Todos os actores do espectáculo estão sentados no palco, a olhar 
		insistentemente a sala, ou algum espectador em particular. Passam-se 
		três ou quatro minutos no mais profundo silêncio.       
		ARTUR – (dirigindo-se ao público) Então, vocês não dizem nada?                                                                     
		Obscuridade total” (31)    
		Esse comprometimento proposto vai mais longe, através da 
		representação directa de uma antevisão às reacções dos espectadores:       
		“Um quarto de casal: uma cama grande, uma porta, uma janela, um 
		banco e um espelho. Entram Heitor (que acende a luz) e Leonor. Ambos 
		muito bem vestidos. Heitor dirige-se imediatamente à cama onde se deita 
		com um suspiro.       
		(…)HEITOR – (rindo) Quando penso na peça que fomos ver esta 
		noite.       
		LEONOR – (rindo também) É atroz!       
		HEITOR – Só pelo título devíamos ter logo desconfiado que era uma 
		dessas coisas sem pés nem cabeça, completamente louca.       
		(…)LEONOR – Já não sabem o que hão-de inventar para espantar o 
		público.       
		HEITOR – Épater le bourgeois.       
		(…)Nesse instante, entra Ana com a sua grande barriga. Traz na 
		mão uma pistola. Com ela, dispara vários tiros sobre Heitor e Leonor, 
		que caem mortos.(…)” (32)    
		A acção da obra, em certas passagens, é extremamente violenta, 
		tanto a nível do enredo como da expressão lexical.    
		Como disse Oscar Wilde, “os livros a que o mundo chama imorais 
		são aqueles que lhe mostram a sua própria ignomínia”. Frase que pode 
		perfeitamente servir para definir o objectivo desta peça dum, à altura, 
		jovem escritor que, segundo temos conhecimento, durante diverso tempo 
		passou bastantes dificuldades, devido ao seu feitio pouco acomodatício e 
		contestatário.   MANUEL GRANGEIO CRESPO   
		      
		Poeta e dramaturgo, é neste segundo campo que se revela 
		extremamente original, não apenas pelas duas peças que escreveu (“Os 
		Implacáveis” e “O Gigante Verde”) mas também pela atenção que dispensou 
		a determinados aspectos e correntes da actividade teatral (veja-se, a 
		título de exemplo, o feliz prefácio feito para a belíssima obra de 
		Georges Schéadé “O Senhor Bob’le”).    
		Na sua primeira peça, “Os Implacáveis”, pretende-se representar a 
		última noite que antecede a execução duns réus, que são, a propósito, as 
		únicas personagens intervenientes.    
		Como referiu Urbano Tavares Rodrigues no prefácio escrito, 
		verifica-se nesta peça uma grande influência de Artaud, “tão presente na 
		estridência violenta dos altifalantes, o coro do mundo caótico, e nas 
		próprias máscaras-refúgio, aumentativas ou diminutivas?!”(33). 
		Também aqui se observa uma tentativa de comprometer o público na 
		representação, expressa nas indicações cénicas dadas pelo autor:       
		“Dois homens e uma mulher levantam-se de entre a assistência e 
		dirigem-se para a secção B. Atitude casual, um pouco distraída. 
		Aconselhável que cumprimentem alguns espectadores pelo caminho.”(34)    
		Um aspecto que se encontra presente nos textos dramáticos dos 
		surrealistas portugueses é o aproveitamento dos diálogos para que as 
		personagens digam poemas(35). 
		Grangeio Crespo, porém, vai mais longe, incluindo nos diálogos uma prosa 
		extremamente lírica:       
		 “LUCIANO – (…) quando entravas nos meus olhos um cavalo cego 
		punha-se a percorrer as campinas dos meus nervos…        
		AMÉLIA – Um cavalo cego que pisava o musgo fresco dos meus 
		nervos…”(36);       
		“AMÉLIA – (…) A dúvida é como um violino sem cordas…”(37); 
		ou ainda       
		“LUCIANO – (…)Os ponteiros cantam como bruxas desdentadas…”(38).    
		Mas não são apenas as personagens a ter este comportamento 
		poético. Também o altifalante profere uma afirmação cheia de lirismo, 
		ele que funciona como coro, ao jeito do Orador na peça de Mário 
		Cesariny:       
		“O teu rosto é um peixe que nada na tua voz cada palavra 
		esquecida é uma gota do teu nome”(39).    
		O lirismo e a poesia servem para aumentar e acentuar o caracter 
		angustiante da peça, por funcionarem exactamente como contrários dessa 
		sensação de tormento que se apresenta, aliás, quase como uma obsessão ao 
		longo de todo o texto. Em “O gigante verde”, a sua outra peça, a 
		influência dos textos de Artaud é ainda mais patente. A peça, publicada 
		primeiramente em França e só depois em Portugal, aproxima-se bastante 
		dos textos dos surrealistas franceses, estando o acento tónico posto na 
		impossibilidade de constituição de um enredo coerentemente articulado, 
		porque se objectiva o desvelamento do indivíduo e, nesse sentido, se 
		afasta um universo ficcional que a representação tradicional parece 
		sempre implicar. Por idêntico motivo se verifica igualmente a 
		permanência de uma certa estrutura psicológica comum às várias 
		personagens, que incide fundamentalmente na elaboração de frases, 
		indistintamente proferidas, poetizando os diálogos e simultaneamente 
		despindo-os daquela organização conforme aos hábitos teatrais. A 
		expressão destas imagens poéticas é uma constante ao longo de todo o 
		texto e a sua exposição parece ser um primeiro objectivo de realização 
		da peça: ”Quando tiveres o teu violino hei-de arranjar umas meias de lã 
		para mim”(40) ou “(…)o 
		candeeiro da esquina é uma mulher elegante com um girassol no cabelo”(41) 
		são frases que pelo lirismo e maravilhoso que propõem ilustram o que 
		acabamos de afirmar. A forma desataviada como é tratado o cerne da peça 
		(as ligações do Homem com o Gigante Verde, ou seja, a Natureza) propondo 
		um clima de lirismo e poesia, está formalmente nos antípodas da obra de 
		Jorge de Lima Alves que, também elaborada sem peias ou constrangimentos 
		formais, evidencia por seu turno um desejo de erguer um clima de derisão 
		e provocação.    VIRGÍLIO 
		MARTINHO      
		Conhecido sobretudo como novelista, Virgílio Martinho 
		interessou-se também pelo fenómeno teatral, tendo colaborado com o grupo 
		de teatro do Clube Atlético de Campolide na encenação de alguns 
		espectáculos (primeiro “O avançado centro morreu ao amanhecer”, de 
		Augusto Cuzzani e depois a versão actualizada de “A vida do grande 
		D.Quixote de la Mancha e do gordo Sancho Pança”, de António José da 
		Silva). Dessa experiência, ele próprio nos dá a sua opinião: “Nunca 
		tinha trabalhado em teatro e ignorava completamente como é fascinante 
		fazê-lo. Ignorava também as dificuldades de toda a ordem que é preciso 
		vencer para se montar um espectáculo responsável(…) E asseguro-te que 
		gostei. E que mergulhei nesse mistério com o corpo todo, percebendo o 
		que era um palco, um público, um actor, um encenador, um contra-regra, 
		enfim, um teatro por dentro e por fora. E parace-me que até nunca mais 
		sairei dele.(…)” (42). Foi 
		esse grupo que também levou à cena a sua peça “Filopópolus”, dirigida 
		por Joaquim Benite e que havia sido anteriormente publicada na 
		colectânea “Grifo”, a seu tempo apreendida pela PIDE.    
		Dela diz Carlos Porto, com propriedade: “(…) a peça de Virgílio 
		Martinho é a proposta, literariamente notável, de um espectáculo cujas 
		implicações de toda a ordem não anulam, muito pelo contrário, as suas 
		exemplares potencialidades cénicas.     
		Duas máscaras: Filopópolus, o conspirador-ditador (com um slogan 
		fatal: o povo, polvo) e 
		Mercedes, a viúva de soldado, porta-estandarte da revolução traída que 
		acaba na forca como por vezes acontece àqueles que acreditam nas 
		virtudes da participação. Entre estas personagens-limite, a fauna dos 
		aproveitadores dos restos; dos bebedores do sangue e da esperança. 
		Conspirando, espiando, louvaminhando, explorando, traindo, vampirizando. 
		Tudo isto expresso numa imensa, saudável gargalhada, ou seja, num jogo 
		muito sério(…)” (43).    
		Toda a peça está ordenada em função de a crítica à corrupção do 
		Poder ser expressa não apenas mediante a intriga própria (que é 
		insólita, irónica e propositadamente bastante ficcional) mas 
		especialmente e com acutilância através das analogias estabelecidas no 
		espectador com a realidade circundante da época. O caracter 
		aparentemente inofensivo da peça, devido ao conjunto de características 
		referido esbate-se completamente; é através da conjugação da forma em 
		que se desenvolve a intriga com as analogias aludidas que a peça ganha a 
		sua surpreendente originalidade e agudeza.    
		Interessante é também verificar que as personagens, embora 
		assumam a qualidade de protótipos, permitindo dessa forma estabelecer 
		relações de semelhança com a realidade circundante, possuem também 
		existência por si mesmos, devido aos tiques e expressões muito pessoais 
		que o autor lhe imprimiu, com o objectivo de aprofundar ainda mais a 
		acuidade da obra e a sua finura. Vejamos alguns exemplos do que acabamos 
		de afirmar.    
		Filopópolus, o conspirador, repara que um dos embuçados da 
		reunião secreta é o Magistrado Mesquita:       
		“FILOPÓPOLUS – Mesquita, o magistrado, aqui!             
		Movimento geral de pânico      
		MESQUITA – Ouvi tudo. E ainda que na aparência afeiçoado a 
		Vitorino, sou o cocuruto da justiça, cumpro a lei e dito as penas. Ora 
		bem, jogo em ti, medianeiro traidor pela causa da paz e das viúvas dos 
		tenentes.      
		FILOPÓPOLUS – Pela honra da traição que a causa dos traidores 
		aumenta. Mesquita, a justiça não muda de cocuruto, é toda tua. Abraça-me 
		com vigor.            
		(Abraçam-se, flash no palco)      
		CÂNDIDO,(o espião) – A fotografia é uma arte realista.      
		CONSTANTINO,(o banqueiro) – Nada melhor para a concórdia 
		universal que o realismo.             
		Aprovação em murmúrio dos embuçados” 
		(44)    
		A comparação com a realidade circundante chega a ser directamente 
		sugerida aos espectadores. Depois de derrubar o General Vitorino, 
		Filopópolus propõe-lhe uma aliança:       
		“GENERAL VITORINO – (em tom resignado) Assim seja. Ganhaste, 
		Filopópolus. Tomemos então os nossos respectivos comandos. Eu, do 
		Exército, tu da Administração.       
		ANA DE ÁUSTRIA – Com a valorização crescente dos nossos capitais.       
		LUDOVICE – (com unção) …dos templos…dos jardins…das ovelhas…       
		Saem todos em grande 
		harmonia. Cândido fica no seu lugar.      
		CÂNDIDO – (foco sobre ele, a cena escurece) Não vos admireis da 
		versatilidade dos caracteres e dos acontecimentos. Vós também sois 
		assim. Pensai bem…” (45).    
		A maneira insólita e aparentemente infantil como várias passagens 
		da obra se desenvolvem serve para conferir à intriga um caracter de 
		irrealidade mas também uma certa doçura poética:       
		“ALICE DAS MARAVILHAS – (…) (Levanta-se 
		precipitadamente e vai encostar o ouvido à porta) Nem mais uma 
		palavra que o espião está à escuta!        
		FILOPÓPOLUS – (com manifesto desprezo) Ora, ora, um espião espia, um conspirador 
		conspira, mas a História é que conta!        
		ALICE DAS MARAVILHAS – Isso só depois é que se sabe! (Orgulhosa) 
		Bem vês que a minha profissão é essencial e rende…não a posso 
		perder com as tuas fantasias. Queres ver como é? (Grita 
		para a porta) Cândido, espiãozinho, estás aí?
		        
		CÂNDIDO – (A sua voz atrás da porta) 
		Estou sempre no meu posto, bela Alice das Maravilhas! (Entreabre a porta e espreita)        
		ALICE DAS MARAVILHAS – (Para 
		Filopópolus) Agora fala em golpes de Estado a ver se és capaz!” (46)    
		Contudo, esse clima extraordinário e com uma alta carga irónica é 
		utilizado também com um objectivo bem sério, como disse Carlos Porto – o 
		da crítica mordaz, nada tendo a ver com o gracejo ou a sentimentalidade: 
		       
		“FILOPÓPOLUS – Alto lá, as cerimónias ainda não acabaram! Além 
		disso são a trave mestra de todas as presidências e portanto 
		indispensáveis para confirmar a grandeza e inteligência dos dirigentes. 
		Pacifistas, continuemos.     
		   CONSTANTINO – Nem mais, Filopópolus, continuemos, mas sem 
		esquecer as contabilidades e os bancos, já que se falou em traves 
		mestras. Que nesta presidência os ricos e os pobres possam investir pela 
		certa, eis o segredo. Pois, como todos sabem, o dinheiro é como as 
		árvores delicadas, precisa de água para crescer. Filopópolus, façamos 
		barragens!” (47)    
		Tudo isto, finalmente, enquadrado por uma visão que confere 
		grande dinamismo às personagens em palco. Damos um exemplo:       
		“Metade dos ex-embuçados voltam a pôr os capuzes, alguns tornam a 
		tirá-los, de forma a dar a hesitação do momento. Olham uns para os 
		outros, trocam frases apressadas e ininteligíveis. A algazarra exterior 
		mantém-se. Ludovice simula uma oração. Cândido está em pânico. Ana de 
		Áustria ri à gargalhada e aponta Vitorino, que treme.(48)    
		Verificamos pois que esta peça, pela sátira política, pela fina 
		ironia e, enfim, pelo universo simultaneamente poético e atroador que a 
		enforma, se afasta decididamente do teatro naturalista e realista para 
		se guindar a um plano específico que revela adesão ao surrealismo.   NICOLAU SAIÃO      
		Poeta, ensaísta e pintor, escreveu recentemente uma peça que se 
		encontra inédita em tipografia, “Passagem de Nível”. Depositada na 
		Sociedade Portuguesa de Autores, o autor efectuou uma tiragem reservada 
		para oferecer a amigos e relações literárias.(Nota 
		posterior – Em 1992 teve 
		a sua edição tipográfica).    
		“Mistério em três actos com um prólogo e um epílogo”, a intriga 
		desenvolvida parece ser também um pretexto para colocar em evidência uma 
		grande carga lírica nos gestos, nos diálogos e no mundo em que se 
		movimentam as personagens (veja-se o sótão da casa de Adrian Cactus, 
		repleto de objectos estranhos e maravilhosos, um mundo plenamente 
		surrealista). Contudo, essa grande densidade poética da peça não anula a 
		sua intriga, antes a envolve numa atmosfera fascinante: mesmo os 
		momentos que, em princípio, deveriam revelar maior tensão, pela 
		existência de choques entre as personagens (como o primeiro encontro 
		entre Pedro Colibri e Justiniano) revelam uma subalternização desses 
		embates em benefício da introdução de um ambiente poético, 
		verificando-se desse modo que os conflitos assumem um cariz algo lírico. 
		Mas não nos deixemos enganar: subjacente, está uma violência que palpita 
		como, sob a pele aparentemente saudável, um tumor maligno o faz.    
		As personagens, que funcionam algumas delas como expressões de 
		certo tipo humano (Justiniano, o capitalista desapiedado e manhoso; 
		Adrian Cactus, o sonhador despegado do mundo material; o Cabo Miquelina, 
		representação da prepotência obtusa e da estupidez policial…) estão 
		também, por vezes, despidos dos seus caracteres habituais. É este o caso 
		do Padre Joaquim Gráfico, bastante heterodoxo – um pouco ao jeito do 
		Abade Joãozinho do livro de Boris Vian “Outono em Pequim”.    
		Esse ambiente lírico mas também místico, pelo menos em algumas 
		passagens, (místico à maneira surrealista, claro…) mistura personagens 
		perfeitamente possíveis, ou melhor, habituais, com outras mais 
		inverosímeis. É o caso dos três Gnomos (Senhorinho, Papito e Teia 
		d’Aranha) e do Cavaleiro Negro. Mas, se bem verificarmos, 
		aperceber-nos-emos que muitas das atitudes das personagens, 
		perfeitamente poéticas e desataviadas, se nos revelam “incoerentes”; ora 
		assumem um ar circunspecto ora se lançam em tiradas decididamente 
		talhadas no material ora do humor negro, ora do onirismo fingidamente 
		quotidiano (não existem, por exemplo, as teorias astrofísicas de Isaac 
		Constantinople). E isto apenas porque os poetas são, parafraseando Raul 
		Hausmann, “esses idealistas em valores de bolsa” que realizam algo de 
		mais grandioso que uma qualquer apoteose do efémero. Na peça que 
		analisamos, é evidente que se nota que o seu autor, dissimuladamente, 
		deixa transparecer umas quantas mensagens sob o manto dos diálogos, da 
		intriga, da acção geral. Apologia da sabedoria e do conhecimento, na 
		peça de N.Saião é fácil entender o elogio do amor, da rebeldia, da 
		alegria de viver; e a censura do autoritarismo, do fideísmo eclesiástico 
		e dos constrangimentos sociais.    
		Como disse Rimbaud, “o poeta fala não só pelos homens mas também 
		pelos animais”. E pelas coisas, acrescentaríamos nós, já que a 
		verdadeira poesia deverá ser uma proposta englobando todos os reinos da 
		natureza.    
		Se nos pedissem para encontrarmos uma frase definidora desta 
		peça, escolheríamos esta de Louis Pauwels: ”Se me disserem que não 
		existe nenhuma espécie de maravilhoso para encontrar neste mundo, 
		recusar-me-ei obstinadamente a dar ouvidos. Eu continuarei com os meus 
		fracos recursos e com toda a minha paixão a procura-lo”.(49). É esse maravilhoso que se expressa em toda a peça, após o 
		“aviso” que constitui o Prólogo fornecido por
		Este e Aquele. E a 
		pergunta, mesmo que ingénua, surge e aqui fica: porque é que há-de valer 
		sempre mais ser comerciante do que ser poeta?   
		
		OS CASOS DE JORGE DE SENA E ANTÓNIO PEDRO      
		Não gostaríamos de finalizar este trabalho sem tecermos algumas 
		considerações sobre dois poetas que se debruçaram sobre o problema do 
		surrealismo e que chegaram mesmo a praticá-lo, posto que para se 
		verificar depois um abandono, como foi o caso de António Pedro.    
		Este poeta e pintor, se bem que tenha aderido ao surrealismo no 
		grupo de Londres, cidade onde na altura se encontrava, e sendo 
		posteriormente co-fundador do G. Surrealista de Lisboa, tem como 
		dramaturgo um trabalho profundamente afastado do teatro surrealista. 
		Basta analisarmos as suas peças para que esse facto se saliente.(50). Também na sua feição de encenador tal aspecto é verificável. 
		Ante as críticas que lhe dirigiram outros surrealistas, verifica-se o 
		abandono, podendo interrogarmo-nos sobre como seria o surrealismo de 
		António Pedro, qual o seu grau de sinceridade.    
		Essas críticas surgiram porque António Pedro se juntou à 
		burguesia demo-liberal. No regime fascista, as encenações de António 
		Pedro eram ofensivas desse mesmo regime devido ao extremo fechamento que 
		este impunha. No entanto, num regime democrático, liberal-burguês, tais 
		encenações seriam perfeitamente inócuas. Possuindo uma extrema boa 
		qualidade, digamos, eram a face “bem vestida e bem apessoada” do querer 
		oposicionista. Ora, o surrealismo tanto é subversivo do fascismo como do 
		liberalismo burguês, do estalinismo ou de qualquer outro semelhante, 
		encarando-os como diferentes formas de domínio, umas mais intolerantes 
		que outras, do capitalismo privado ou de Estado.    
		António Pedro, a nível da dramaturgia e do mundo do teatro, 
		possuía uma concepção provincianamente lusa à qual tentava adaptar algo 
		que o ultrapassava – o surrealismo. Queria um surrealismo bem composto, 
		respeitado pelos democratas de bem e, quem sabe, pelos adversários, em 
		suma: um surrealismo à pequena medida dum pequeno e engraxado país, 
		sempre em busca de respeitabilidade. Como António Maria Lisboa e 
		Cesariny referiram num comunicado, tentava “meter o Rossio na Rua da 
		Betesga”.    
		É fácil perceber e concluir que a sua actividade estava na linha 
		do pensamento que tinha a ver com a luta intelectual anti-fascista da 
		oposição burguesa democrática, sendo portanto legítima e digna, só que 
		sem relação com o surrealismo. Como anti-totalitários que são, os 
		surrealistas não o tentaram impedir de encenar e escrever o que e como 
		bem quisesse. Exigiram-lhe sim que não se continuasse a intitular 
		surrealista, para evitar confusões. Nessa altura, António Pedro assumiu 
		uma atitude de sobranceria, vindo as posições a extremar-se como é do 
		conhecimento geral.    
		Quanto a Jorge de Sena, desde cedo se interessou pelo 
		surrealismo, fascinação que se iria reflectir na sua obra teatral, que 
		possui inegáveis pontos que indicam as influências sofridas.(51). 
		No entanto, Jorge de Sena – devido à sua formação académica, sempre 
		enfronhado numa mentalidade “universitariante” e doutoral – não estava 
		dentro das práticas surrealistas; parecia querer tornar o surrealismo 
		algo de classicizante, asséptico, de fraque ou borla e capelo, em suma: 
		um surrealismo compostinho, com os diplomas todos, tipicamente 
		médio-burguês. Tal como Maria de Fátima Marinho o visionou no seu imenso 
		livro. Para Jorge de Sena, o surrealismo deveria aspirar à 
		respeitabilidade, a ser um “intelectual sério” e com uma boa carreira, 
		no vestíbulo da glória, o que os surrealistas recusam, pois – e a frase 
		é de Nicolau Saião – “preferem um copo de tinto e uma bela vadiagem para 
		olhar as estrelas ou os amores do mundo ao invés de se engravatarem e 
		sentarem compenetradamente a uma secretária à aurora ou ao crepúsculo”. 
		Como disse Carlos Martins, “não se trata de aderir ao surrealismo por 
		uma questão de simpatia especial por figuras de proa, aristocratas de 
		côrte ou academia, sejam elas quais forem. Gosto de amigos desaparecidos 
		e ainda vivos, do Breton, do António Maria Lisboa, do Pedro Oom, do 
		Artaud, de milhões de estrelas que fizeram da Poesia o único caminho de 
		liberdade deixado ao homem neste planeta ameaçado de destruição total. 
		Estou-me bem nas tintas para uma certa notoriedade “surrealista” que 
		tanto faz correr alguns pintores e poetas da Pena”.(52)    
		Toda a vida contemporânea está marcada pela dedada do 
		surrealismo, pelo que não é possível acreditar na sua morte como tantas 
		vezes tem sido anunciado, sabe-se lá com que intuitos, mas antes na sua 
		passagem para formas de moral de acção, muitas vezes; as quais, sendo 
		anónimas, se diluem na vida colectiva. O palco da vida continua a ser 
		uma campina surrealista. Que, por vezes, encarna em obras palpáveis e 
		com curso público.   
		 *      
		Tentei, com este trabalho, não apenas clarificar alguns assuntos 
		e efectuar uma abordagem inicial a outros, mas também e apesar dos 
		condicionalismos inerantes a uma tarefa desta natureza proporcionar-me 
		momentos enriquecedores e aprazíveis em simultâneo com a feitura de uma 
		proposta de leitura que também, para o Professor, se revelasse 
		agradável. Estes dois últimos aspectos não deverão, no meu entender, ser 
		objectivos menores de uma disciplina ou de um curso.    
		Se a arte do actor, no dizer irónico de Sir Ralph Richardson, 
		“consiste em evitar a tosse do público”, a arte de qualquer indivíduo 
		que pegue na caneta deverá consistir em tentar evitar o bocejo do 
		leitor.    
		Espero tê-lo conseguido… |  
        |  |  |  
        |  | NOTAS E COMENTÁRIOS       
		CAPÍTULO I  
		
		(1) 
		BRETON, André,
		Manifestos do Surrealismo, 
		Lisboa, Moraes Editores, 2ª Ed., 1976, p.47 
		  
		
		(2) 
		MARINHO, Maria 
		de Fátima, O Surrealismo em 
		Portugal, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Temas 
		Portugueses, 198y7, p.11   
		
		(3) 
		Cf. Maria de 
		Fátima Marinho, op.cit.   
		
		(4) 
		DUROZOI, 
		Gérard e LECHERBONNIER, Bernard, O 
		Surrealismo, Coimbra, Almedina, 1976, p.7: “Esta incompreensão não é 
		devida sobretudo a certos hábitos de encarar a literatura e a arte em 
		geral segundo critérios que o surrealismo fundamentalmente recusa?”   
		
		(5) 
		FORTINI, 
		Franco, O Movimento Surrealista, 
		Lisboa, Presença, 1965, p. 10: “(…)digamos já que se pode falar de 
		surrealismo em sentido restrito, com referência à actividade de certas 
		pessoas, reunidas em grupos, de formação bastante variada em torno do 
		maior teórico do movimento, André Breton(…)”. Breton, em nosso entender 
		e de acordo com o que pesquisámos, foi
		apenas um entre os 
		surrealistas. Teórico? Foi ele quem afirmou “Je suis pas pour les 
		adeptes”…   
		
		(6) 
		Gérard Durozoi 
		e Bernard Lecherbonnier, op.cit., p.136   
		
		(7) 
		SAIÃO, 
		Nicolau, in Subsídios para o entendimento surrealista, A IDEIA, Revista 
		de Cultura e Pensamento Anarquista, III volume, nº 20-21, Lisboa, 1981   
		
		(8) 
		Que o 
		surrealismo não é anti-racional mas anti-pseudo recionalismo pode 
		verificar-se da defesa que os surrealistas sempre fizeram de homens como 
		Gaston Bachelard, Giordano Bruno, Roger Bacon ou Galileu Galilei, uma 
		vez que os consideravam cientistas onde se casavam na perfeição a 
		realidade, a poesia e a coragem intelectual. Para melhor elucidação ler 
		os textos que Pierre Mabille (não confundir com Pierre Navile!) dedicou 
		às relações entre surrealismo e ciência: “Le miroir du merveilleux”, 
		1940   
		
		(9) 
		“Conta-se que, 
		quando ia dormir, Saint-Pol Roux mandava sempre pôr sobre a porta do 
		quarto no seu solar de Camaret o seguinte letreiro: “O poeta trabalha”. 
		Citado por André Breton in Textos 
		de Afirmação e de combate do Movimento Surrealista Mundial, 
		antologia organizada por Mário Cesariny, Lisboa, Perspectivas & 
		Realidades, 1977, p.67   
		
		(10)
		
		 Numa 
		“Carta aos médicos chefes dos asilos de alienados”, Antonin Artaud 
		reclamava a libertação dos “forçados da sensibilidade”, vítimas que eram 
		da mensuração do espírito, como lhes chamou, denunciando que “os asilos, 
		longe de serem asilos, são prisões pavorosas cujos detidos fornecem uma 
		mão-de-obra cómoda e gratuita e onde a sevícia é a regra(…)”. 
		Modernamente, leia-se para ilustrar o livro de Ken Kesey “Voando 
		sobre um ninho de cucos”, ed.portug. em Coimbra.   
		
		(11)
		
		 Este 
		assunto fica suficientemente esclarecido no texto “Do 
		tempo em que os surrealistas tinham razão” onde é aclarada a 
		“impostura estalinista” (ver André Breton, op.cit., ps. 279 e segs.), 
		tal como “À la niche les 
		glapisseurs de dieu” aclara a impostura fideísta (CESARINY, Mário, A 
		intervenção surrealista, Lisboa, Ulisseia, 1966, p.56).   
		
		(12)
		
		 Gérard 
		Durozoi e Bernard Lecherbonnier, op.cit., p.36   
		
		(13)
		
		 Atente-se 
		que religião vem de re-ligare, 
		om que significa efectuar de novo a perdida junção entre o homem e o 
		cosmos. Todavia, as religiões institucionalizadas e geridas pelas 
		igrejas são, no entender dos surrealistas, “grandes empresas de 
		desmiolação” a que subjaz o fanatismo, apoiadas nas obsessões sexuais, 
		nos preconceitos e nas neuroses, apresentados como “moral” e tidos como 
		exemplares e servidas por miríades de fanáticos (nos casos mais 
		extremos) ou de obcecados, como é o caso dos sacerdotes. Robert Desnos 
		afirmava que “ninguém tem um espírito mais religioso que eu, na medida 
		em que estou profundamente ligado ao universo cósmico”. Verifica-se, 
		portanto, que os surrealistas aceitam a religião enquanto ligação do 
		homem ao universo, mas a recusam absolutamente enquanto sujeição do ser 
		humano a dogmas fideístas, sempre abusadores, ou à figura de qualquer 
		deus a quem se deveria adoração não se percebe bem porquê. (Cf. Nicolau 
		Saião: Para que precisa “Deus”, um ser perfeito, da adoração de seres 
		imperfeitos como dizem que nós somos? E porque tem “Deus” tanta 
		necessidade que os seus sacerdotes lhe façam incansavelmente a 
		publicidade? Isto para ficar só por aqui”.) 
		  
		
		(14)
		
		 Dão-se 
		apenas dois exemplos: ao perguntarem-lhe porque costumava ir 
		encontrar-se com o admirador X no Jardim do Luxemburgo (tentava o juiz 
		dá-la como lúbrica), respondeu desta forma magnífica: “Acalentava a 
		esperança de encontrar um homem que me falasse com as palavras do 
		sonho”; inquirida pelo mesmo juiz, que devido ao barulho levantado pelo 
		julgamento se apurou ser um perfeito canalha, sobre se não tivera 
		remorsos de ter abatido “o marido de sua Mãe” – que a violara 43 vezes – 
		respondeu: “Apesar do mal que me fez, tenho talvez mais pena dele do que 
		V.Exa. decerto tem dos mais de quarenta desgraçados que mandou para a 
		guilhotina e nunca lhe fizeram mal”. Para melhor elucidação deste caso 
		procure ver-se o probo filme de Claude Chabrol “Viollete Nozières”, com 
		entre outros actores Isabelle Hupert e Stéphane Audran (1978).  
		
		(15)
		
		 Gérard 
		Durozoi e Bernard Lecherbonnier, op.cit., p. 334   
		
		(16)
		
		 Não 
		se colocando nesta base e daí partindo para posteriores análises, os 
		investigadores do fenómeno surrealista, quando se debruçam sobre as suas 
		obras não as conseguem integrar no contexto próprio. Um exemplo: no 
		seguinte poema de Cesariny “Creio em deus pá/ um dois três quá/ tod’ 
		poderou’/ um dois dois três/ criador do céu e da té’/ seis sete oito 
		(…)” o A. mais do que “parodiar o Credo” ou apresentar “definições de 
		ritmo e de rima que destroem qualquer análise séria (sic)” ridiculariza 
		o Credo e toda a beatice ataviada nele expressa e, por seu intermédio, 
		as directrizes filosóficas e de actuação do fideísmo ocidental. Contudo, 
		no seu ensaio sobre o surrealismo, Maria de Fátima Marinho (talvez por 
		receio de ofender o Patriarcado, na melhor das hipóteses) fica-se pela 
		referência às duas particularidades primeiramente enunciadas – paródia 
		do Credo e destruição do ritmo e rima tradicionais (cf. Maria de Fátima 
		Marinho, op.cit., p. 412). Como referiu René Crevel, a poesia verdadeira 
		“nada tem a ver com os cantos mais ou menos felizmente rimados ou 
		ritmados que lisonjeiam as coisas e os seres bem instalados e que os 
		deixam nos seus lugares”. 
		  
		
		(17)
		
		 Trata-se 
		efectivamente de uma Ética e não de uma Moral, pois como refere William 
		Morrison “a moral é episódica e depende de leis sociais, frequentemente 
		falsas e enganosas, enquanto a ética é uma atitude que parte da 
		dignidade inscrita em cada um e inapagável”.   
		
		(18)
		
		 Refira-se 
		a este propósito, a título de exemplo, o caso de Manuel Mourato, 
		carpinteiro em Portalegre e que, devido à fractura de um pé, que o 
		impediu de trabalhar durante certo tempo, ocupou-o a pintar, 
		espontaneamente, uma enorme obra usando para o efeito tintas utilizadas 
		na sua profissão. Esta obra esteve patente na “Exposição 
		Ícono-Bibliográfica ‘O Fantástico e o Maravilhoso’ no Teatro Ibérico 
		(Julho de l984) e na Sociedade Nacional de Belas Artes, com o título “A 
		floresta encantada”. Manuel Mourato nunca tinha participado em qualquer 
		exposição, fazia de vez em quando, no remanso da sua casa (onde vive 
		absolutamente só) uns desenhos “para se distrair” e não tem qualquer 
		iniciação artística; devido a uma insuficiência auditiva e oral nunca 
		fez mais que a segunda classe, posto que seja pessoa bastante sociável. 
		(Nota posterior
		– Já falecido). 
		   
		(*) 
		Constava da peça de NS, Passagem de Nível, de fotos de quadros de Manuel Mourato, de LUD e 
		de colagens de Carlos Martins; bem como de extractos de obras de 
		Cesariny, Pedro Oom, Mário Henrique Leiria e Manuel de Castro.        
		CAPÍTULO II 
		  
		
		(1) 
		REBELO, Luiz 
		Francisco, O teatro simbolista e 
		modernista, Lisboa, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 
		“Biblioteca Breve”, 1979, p. 71.  
		
		(2) 
		Idem, p.72. 
		Não confundir movimento, enquanto estrutura organizada, com projecto de 
		vida e de actuação. Afirma Mário Cesariny: “Em Portugal nunca houve um 
		movimento surrealista, nem sequer no ano de existência pública (1948-49) 
		do grupo surrealista de Lisboa que depois da edição de quatro cadernos, 
		de um protesto público e de uma exposição de pintura se dissolve, dando 
		lugar a outro que também não tardará muito a dissolver-se. Como seria 
		possível subsistir ou subsistir-se na ditadura?(…) o que não quer dizer 
		que não tenha aparecido na cena pública(…) Do surrealismo não resta 
		nada, mas acontece que estão todos. Permanecem intactos os propósitos, 
		fins e meios da intentona surrealista”. (in
		Jornal de Letras, nº398, 20 de 
		Fevereiro de 1990). Parecendo querer referir o movimento, L.F.Rebelo 
		na realidade confunde o problema. Não se deve encarar como 
		“morto” ou “acabado” o surrealismo apenas por este não aparecer 
		enquadrado por uma estrutura organizada ao nível de “grupo”. O 
		surrealismo tem acontecido depois dos anos 50 e continua a acontecer – 
		evoluindo naturalmente nos seus resultados em espécie – da mesma forma 
		que se encontrava presente antes da formação do primeiro grupo em 1919 e 
		da elaboração do projecto que afixavam. A este propósito, veja-se o 
		livro de Durozoi e Lecherbonnier, entre outros, e a genealogia que os 
		surrealistas consideram.  
		
		(3) 
		in
		Jornal de Letras, nº 398 de 20 
		de Fevereiro de 1990, p.6   
		
		(4) 
		Idem, ibidem   
		
		(5) 
		in
		Jornal do Fundão de 12 de Maio 
		de 1963, p.6   
		
		(6) 
		Idem, p.7   
		
		(7) 
		Idem, ibidem   
		
		(8) 
		CESARINY, 
		Mário, A intervenção surrealista, Lisboa, Ulisseia, 1966, p.59   
		
		(9) 
		Por exemplo, 
		Cesariny foi detido em Portugal algumas vezes, tendo durante muito tempo 
		que se apresentar periodicamente na Polícia, para controle, ficando 
		conhecido como “o Poeta que ia à Revista”. Em França, por comportamentos 
		vitais considerados impróprios (homossexualidade e rebeldia) este também 
		preso, tendo sido libertado devido à intervenção de intelectuais.   
		
		(10)
		
		 Caso 
		de Pedro Oom em Alvaiázare. Tendo-se ali deslocado, foi abordado num 
		café por um natural da terra que, tendo visto uma exposição em que este 
		apresentava um quadro chamado “As meninas de Alvaiázare”, se sentiu 
		tocado nos seus brios bairristas; palavra puxa palavra, em breve se 
		passou dos comentários acintosos à acção material e violenta, logo 
		corroborada por outros sujeitos suscitados ao confronto físico com o 
		poeta e pintor. Não fôra a intervenção do barbeiro local, figura dada às 
		lides culturais e respeitada na povoação e teria sido propiciado ao A. 
		de “Histórias para crianças emancipadas” um correctivo maior que o que 
		já recebera.   
		
		(11)
		
		 Morte 
		prematura de António Maria Lisboa em 11 de Novembro de 1953, depois de 
		em 1951 haver sido internado num sanatório “com os pulmões 
		irremediavelmente perdidos”; também Mário-Henrique Leiria morreu fruto, 
		em grande medida, de carências alimentares (“de fome”, como foi referido 
		por um testemunho dum amigo, na altura, nos jornais).   
		
		(12)
		
		 Caso 
		de António Santiago Areal, que depois de vários problemas com 
		autoridades & etc., apareceu assassinado em 1978, continuando 
		desconhecidas as condições da sua morte.   
		
		(13)
		
		 Caso 
		de Carlos Martins e Ana dos Santos, que devido à sua actividade 
		surrealista tiveram problemas que os forçaram a deixar o emprego e os 
		fez sofrer marginalizações da parte das autoridades da região de 
		Alcoutim, que habitam (Nota 
		posterior – Na época da feitura deste texto) não lhes tendo sido 
		pago por exemplo um subsídio a que tinham direito, o que motivou uma 
		carta de amigos ao Pres. da República – dado que segundo se diz vive-se 
		em Democracia. Caso de N.Saião, que por distribuir textos surrealistas 
		no Alentejo depois do 25 de Abril, sofreu tentativas de agressão por 
		parte de estalinistas e fascistas, a que escapou por na altura andar 
		sempre armado de pistola; tentaram, ainda, expulsá-lo da sua terra – 
		curiosamente foi prevenido pelo comandante da polícia da época, um 
		militar democrata sobre quem queriam fazer pressão.   
		
		(14)
		
		 PORTO, 
		Carlos e MENEZES, Salvato Teles de,
		Dez anos de teatro e cinema em 
		Portugal, 1974-1984, Lisboa, Caminho, “Col. Nosso Mundo”, 1985, p.79   
		
		(15)
		
		 Cf. 
		N.Saião, a quem Cesariny o contou   
		
		(16)
		
		 REBELO, 
		L.Francisco, História do teatro português, Lisboa, Europa-América, Col. “Saber”, 
		1967, p.116   
		
		(17)
		
		 Sobre 
		este problema, ver BARATA, José Oliveira,
		Didáctica do Teatro, Coimbra, 
		Almedina, 1979, pp.49 a 54   
		
		(18)
		
		 Citado 
		por Luiz Forjaz Trigueiros, Novas 
		Perspectivas, Lisboa, União Gráfica, 1969, p.207   
		          
		(**) Foi 
		editado em tipografia c/ o apoio e subvenção integral da Comissão 
		Regional de Turismo de S.Mamede, Governo Civil de Portalegre e Câmara 
		Municipal portalegrense.         
		CAPÍTULO III 
		  
		
		(1) 
		Maria de 
		Fátima Marinho, op.cit., p.267  
		
		(2) 
		Cf. BEHAR, 
		Henri, Sobre teatro Dada y 
		Surrealista, Barcelona, Barral Editores, Col. “Breve biblioteca de 
		Respuesta”, 1970   
		
		(3) 
		in 
		Situação da Arte, inquérito junto de artistas e intelectuais 
		portugueses, Lisboa, Europa-América, Col. “Estudos e Documentos”, 
		1968, p.167 A questão pressupunha, de acordo com os seus 
		autores (Eduarda Dionísio, Almeida Faria e Luís Salgado de Matos), que 
		“o teatro vive das personagens”.  
		
		(4) 
		Manuel de 
		Lima, “Interfácio – Uma peça como não se faz lá fora”, in
		O clube dos antropófagos, 
		Lisboa, Ed.Estampa, 1973, p.129  
		
		(5) 
		Cf. Opinião de 
		Carlos Porto in “10 anos de teatro”, op.cit., p. 67 sobre a peça “Um 
		auto para Jerusalém”, da autoria de Mário Cesariny   
		
		(6) 
		CESARINY, 
		Mario, Nobilíssima Visão, 
		Lisboa, Guimarães Editores, Col.”Poesia e Verdade”, 1976, p.85   
		
		(7) 
		Maria de 
		Fátima Marinho, op.cit., p.351   
		
		(8) 
		Mário 
		Cesariny, op.cit., p.96   
		
		(9) 
		O autor 
		recomenda uma projecção de slides, 
		à falta de filme para a circunstância, que mostrarão depois de um 
		letreiro genérico “diversas imagens de veículos automóveis, indo-se dos 
		mais espampanantes e modernos aos mais irrisórios e anacrónicos. 
		Retrocede-se ainda para o landó, para a liteira e, finalmente, para um 
		homem que sobe por um monte com outro homem às cavalitas”, seguindo-se 
		imagens tais como: bairros de lata “de preferência portugueses”, um 
		comando da Legião Portuguesa, “uma cara bem escolhida de Salazar”, uma 
		imagem da explosão da bomba atómica, uma mulher morta,
		slide do Casino Estoril, uma 
		pose do Cardeal Cerejeira, “imagem de atrocidades sobre nativos na 
		Guerra de África”, um camponês a possuir uma cabra, cena de intervenção 
		cirúrgica…            
		Mário Cesariny, op.cit.,pp.109 e 110  
		
		(10)   
		Idem, p.109  
		
		(11)   
		Idem, p.113 
		  
		
		(12)   
		Idem, p.111 
		  
		
		(13)   
		Idem, p.90 
		  
		
		(14)   
		Maria de 
		Fátima Marinho, op.cit.,p.355 
		  
		
		(15)   
		Idem, ibidem   
		
		(16)
		
		 Idem, 
		p.362   
		
		(17)
		
		 Mário 
		Cesariny, op.cit., pp. 100 e 101   
		
		(18)
		
		 Idem, 
		pp.116 e 117   
		
		(19)
		
		 LIMA, 
		Manuel de, O clube dos antropófagos, Lisboa, Ed. Estampa, 1973   
		
		(20)
		
		 Manuel 
		de Lima in “Interfácio – Uma peça como não se faz lá fora”, op.cit., pp. 
		126 e 127   
		
		(21)
		
		 Idem, 
		p.128   
		
		(22)
		
		 Idem, 
		p.129   
		
		(23)
		
		 Idem, 
		p.132   
		
		(24)
		
		 Manuel 
		de Lima, op.cit., p.184   
		
		(25)
		
		 Idem, 
		p.224   
		
		(26)
		
		 Idem, 
		ibidem   
		
		(27)
		
		 Cf. 
		Manuel de Lima, op.cit., p.133:”(…) “e evitava-se também dar-lhe o 
		desgosto de um fracasso que não fica bem a um autor ‘maldito’. Ao passo 
		que eu podia muito bem aguentar um falhanço. TOMARA EU!”   
		
		(28)
		
		 ALVES, 
		Jorge de Lima, Cerimonial para um massacre, Lisboa, Ed.PASQUIM (Grupo Mandrágora), 
		s/d, p.9   
		
		(29)
		
		 Jorge 
		de Lima Alves, op.cit., pp.17 e 18  
		
		(30)
		
		 Idem, 
		p.39  
		
		(31)
		
		 Idem, 
		p.36   
		
		(32)
		
		 Idem, 
		pp.42, 43 e 44  
		
		(33)
		
		 CRESPO, 
		Manuel Grangeio, Os implacáveis, Lisboa, Minotauro, 1961, pp. 12 e 13 
		 
		  
		
		(34)
		
		 Idem, 
		p.21 
		  
		
		(35)
		
		 Veja-se 
		“Um auto para Jerusalém”, em que inclusivamente se introduzem 
		personagens com esse intuito, ou ”Cerimonial para um massacre” em que 
		uma das personagens, sob o pretexto de ler um livro, recita poemas e 
		alguns trechos de Rimbaud 
		  
		
		(36)
		
		 Manuel 
		Grangeio Crespo, op. cit., p.151   
		
		(37)
		
		 Idem, 
		p.159   
		
		(38)
		
		 Idem, 
		p. 160   
		
		(39)
		
		 Idem, 
		p. 120   
		
		(40)
		
		 CRESPO, 
		Manuel Grangeio, O gigante verde, Lisboa, Ática, 1965, p. 96   
		
		(41)
		
		 Manuel 
		Grangeio Crespo, op.cit., p. 132   
		
		(42)
		
		 In 
		revista “Rádio e Televisão”, nº847, de 3 de Fev.1973 
		  
		
		(43)
		
		 MARTINHO, 
		Virgílio, Filopópolus, Lisboa, Plátano Ed., Col. “Teatro vivo”, nº 2, 1973. 
		Esta opinião de Carlos Porto, o director da colecção, está expressa na 
		contracapa. Infelizmente e segundo julgamos saber, a Plátano Editora 
		encontra-se actualmente praticamente reduzida à edição de livros 
		escolares.   
		
		(44)
		
		 Virgílio 
		Martinho, op.cit., p.40 e 41   
		
		(45)
		
		 Idem, 
		pp.66 e 67   
		
		(46)
		
		 Idem, 
		pp. 10 e 11   
		
		(47)
		
		 Idem, 
		p.77   
		
		(48)
		
		 Idem, 
		p.50   
		
		(49)
		
		 Citado 
		por Alan de Benoist in Nova 
		direita, nova cultura, Lisboa, Ed.Afrodite de Fernando Ribeiro de 
		Melo, Dezembro de 1980   
		
		(50)
		
		 Cf. 
		PEDRO, António, Teatro Completo, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda/Biblioteca 
		Nacional, Col. “Biblioteca de autores portugueses”, 1981 
		  
		
		(51)
		
		 Cf. 
		SENA, Jorge de, Amparo de mãe e mais 5 peças em 1 acto, Lisboa, Plátano Ed., Col. 
		“Teatro vivo”, nº 5, 1974   
		
		(52)
		
		 In 
		Carta a Nicolau Saião, de 27 de Agosto 1989.                     
		 
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        |  | BIBLIOGRAFIA 
		  
		
		1 – Bibliografia Activa 
		  
		ALVES, Jorge de Lima, Cerimonial 
		para um Massacre, Lisboa, Ed.Pasquim, s/d 
		  
		CESARINY, Mário, Nobilíssima Visão, 
		Guimarães Ed., Col. “Poesia e Verdade”, 1976 
		  
		CRESPO, Manuel Grangeio, Os 
		implacáveis, Lisboa, Minotauro, 1961 
		------, 
		O Gigante Verde, Lisboa, Ática, 
		1965 
		  
		LIMA, Manuel de, O Clube dos 
		Antropófagos, Lisboa, Ed. Estampa, Col. “Obras de Manuel de Lima”, 
		1973 
		  
		MARTINHO, Virgílio, Filopópolus, 
		Lisboa, Plátano Ed., Col. “Teatro Vivo”, 1973 
		  
		SAIÃO, Nicolau, Passagem de Nível, 
		Portalegre, Ed. Autor/BSA (copiografado),1990 
		  
		  
		2 – Surrealismo Português 
		  
		CESARINY, Mário, A Intervenção 
		Surrealista, Lisboa, Ed,Ulisseia, Col. “Documentos do Tempo 
		Presente”, 1966 
		  
		CORREIA, Natália, O Surrealismo na 
		Poesia Portuguesa, Lisboa, Pub.Europa-América, Col. “Estudos e 
		Documentos”, Série “Antologias”, 1973 
		  
		LISBOA, António Maria, Poesia de 
		António Maria Lisboa, Assírio & Alvim, Col. “Documenta Poética”, 
		1977 
		  
		MARINHO, Maria de Fátima, O 
		Surrealismo em Portugal, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 
		Col. “Temas Portugueses”, 1987 
		  
		OOM, Pedro, Actuação Escrita, 
		Lisboa, Ed.& etc, s/d 
		  
		
		SURREALISMO/ABJECCIONISMO 
		(Antologia), Lisboa, Ed.Minotauro, 1963 
		  3 – Surrealismo no Estrangeiro
 
		  
		BRETON, André, Manifestos do 
		Surrealismo, Lisboa, Moraes Ed., Col. “Aventura
		 Interior”, 2ª ed., 1976 
		  
		CESARINY, Mário, Textos de 
		Afirmação e de Combate do Movimento Surrealista Mundial, Lisboa, 
		Ed.Perspectivas & Realidades, 1977 
		  
		DUROZOI, Gérard e LECHERBONNIER, Bernard,
		O Surrealismo, Coimbra, Liv. 
		Almedina, Col. “Almedina”, s/d 
		  
		FORTINI, Franco, O Movimento 
		Surrealista, Lisboa, Ed. Presença, Col.”Perspectivas”, s/d. 
		
		 
		  
		4 – História, Análise e Estética 
		Teatral 
		  
		BARATA, José Oliveira, Didáctica 
		do Teatro, Coimbra, Liv. Almedina, Col. “Nova Almedina”, s/d 
		  
		BEHAR, Henry, Sobre Teatro Dada y 
		Surrealista, Barcelona, Barral Ed., Col. “Biblioteca de Respuesta”, 
		1970 
		  
		INGARDEN, Roman, A Obra de Arte 
		Literária, Lisboa, F.Calouste Gulbenkian, 1979 (pp. 347-353) 
		  
		JÚNIOR, Redondo, A Juventude Pode 
		Salvar o Teatro, Lisboa, Ed. Arcádia, Col. “Teatro”, 1978 
		  
		PICHIO, Luciana Stegagno, História 
		do Teatro Português, Lisboa, Portugália, 1962 
		  
		PORTO, Carlos e MENESES, Salvato Telo de,
		Dez Anos de Teatro e Cinema em 
		Portugal 1974-1984, Lisboa, Caminho, 1985 
		  
		REBELLO, Luiz Francisco, História do Teatro Português, Lisboa, Pub. 
		Europa-América, Col. “Saber”, 1967 
		  
		REBELLO, Luiz Francisco, O Teatro 
		Simbolista e Modernista, Lisboa, Ed. Instituto de Cultura 
		Portuguesa, Col. “Biblioteca Breve”, Série “Literatura”, 1979. 
		
		 
		  
		
		5 – Outros 
		  
		PEDRO, António, Teatro Completo, 
		Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda/Biblioteca Nacional, 
		Col.”Biblioteca de Autores Portugueses”, 1981 
		  
		SENA, Jorge de, Amparo de Mãe e 
		mais 5 Peças em 1 Acto, Lisboa, Plátano Editora, Col. “Teatro Vivo”, 
		1974 
		  
		  
		                 
		                             NOTA 
		  
		   
		Esta bibliografia diz apenas respeito, 
		obviamente, ao material donde de uma forma ou de outra retirámos 
		elementos para o nosso estudo.     
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