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REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
nova série | número 52 |
junho-julho | 2015
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ADELTO GONÇALVES
‘Orpheu’: 100 anos
de uma revolução
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Adelto Gonçalves é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa
pela Universidade de São Paulo e autor de
Gonzaga, um Poeta do
Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999),
Barcelona Brasileira
(Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002),
Bocage - o Perfil Perdido
(Lisboa, Caminho, 2003) e
Tomás Antônio Gonzaga (Rio de Janeiro, Academia Brasileira de
Letras, 2012). E-mail:
marilizadelto@uol.com.br |
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EDITOR |
TRIPLOV |
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ISSN 2182-147X |
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Contacto: revista@triplov.com |
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Dir. Maria Estela Guedes |
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I |
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Foram apenas três números – o
terceiro chegou a ser impresso, embora não tenha sido distribuído –, mas
que mudaram a história da Literatura Portuguesa no século XX. Trata-se
da revista Orpheu, que, lançada ao final de março de 1915, completa neste ano
um século de seu aparecimento, marco do pensamento estético-literário do
movimento lançado por Luís de Montalvor (1891-1947), Fernando Pessoa
(1888-1935), Mário de Sá-Carneiro (1890-1916), Almada Negreiros
(1893-1970), Augusto de Santa Rita (1888-1956), o Santa Rita Pintor, e
outros integrantes de um grupo que à época escandalizou a bem-comportada
burguesia lisboeta.
Para marcar o centenário dessa
publicação, o professor, poeta e crítico literário Carlos Felipe Moisés
(1942) organizou, prefaciou e escreveu notas para o livro
Orpheu 1915-2015 – Textos
doutrinários e fortuna crítica (antologia), lançado em dezembro de
2014 pela Editora Unicamp. Na primeira parte do livro, o autor colocou
os textos-gêneses do movimento, que expõem a estrutura teórica do
modernismo português e constam dos três números da revista.
Já a segunda parte traz textos
mais recentes, que discutem a influência do movimento nas artes,
assinados por José Régio (1901-1969), João Gaspar Simões (1903-1987),
Jacinto Prado Coelho (1920-1984), Adolfo Casais Monteiro (1908-1972),
Jorge de Sena (1919-1978), José Gomes Ferreira (1900-1985), Eduardo
Lourenço (1923), Maria Aliete Galhoz (1929), Eugênio Lisboa (1930),
Arnaldo Saraiva (1939), Nuno Júdice (1949) e Luís Adriano Carlos (1959),
além do norte-americano Richard Zenith (1956), pesquisador radicado em
Lisboa, e do brasileiro Massaud Moisés (1928), professor aposentado da
Universidade de São Paulo (USP).
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II |
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Não se pode dizer que o
movimento do Orpheu mudou
também a Literatura Brasileira, embora tenha antecipado em sete anos o
frenesi da Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo. Contou, porém,
com a participação de dois personagens que, influenciados pelo
simbolismo que se praticava no Brasil à época, muito contribuíram para o
surgimento da revista: um foi o diplomata brasileiro Ronald de Carvalho
(1893-1935), que mandou sua colaboração em versos do Rio de Janeiro, e
outro o português Luís da Silva Ramos, o Luís de Montalvor, que,
assessor do embaixador de Portugal no Rio de Janeiro, voltava a Lisboa
impregnado por um gosto
mallarmeano de fazer poesia que era a origem do simbolismo. Teriam
idealizado a revista em conversas no bairro de Copacabana.
Um no Rio de Janeiro e outro em
Lisboa, eles aparecem como diretores do primeiro número da revista
Orpheu, que trazia também o drama estático
O Marinheiro, de um poeta de 27 anos de idade, pouco conhecido à
época, mas que seria o mais famoso de seus colaboradores, Fernando
Pessoa. Segundo Adolfo Casais Monteiro, Ronald de Carvalho e Luís de
Montalvor seguiam uma linha simbolista ou decadentista ou ainda seriam
adeptos do aristocratismo mallarmeano, que pouco tinha a ver com o
“futurismo” de Pessoa, Almada Negreiros e Sá-Carneiro.
Que o aparecimento da revista
foi um escândalo não há duvida. Tanto que uma nota publicada no jornal
A Capital, de Lisboa, de 28 de junho de 1915, reproduzida por Carlos
Felipe Moisés no prefácio, dizia que os “poetas e prosadores do
Orpheu sofrem quase todos da
cabeça”, chamando-os de “artistas de Rilhafoles”, nome pelo qual era
conhecido o Hospital Miguel Bombarda, primeiro manicômio da cidade,
instalado no antigo Convento de Rilhafoles e desativado só em 2011.
Segundo Almada Negreiros, à época, chegou-se a pedir em Lisboa “camisa
de forças para Fernando Pessoa”, como se lê em texto de João Gaspar
Simões.
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III |
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Fosse como fosse, ainda que
Pessoa e Almada Negreiros tenham vibrado com os comentários desaforados
a respeito dos “rapazes do Orpheu”
– o diário O Jornal, de 13 de abril de 1915, chegou a chamá-los de “loucos
varridos, seres degenerados e perigosos, morfinômanos, cocainômanos” –,
houve um rompimento no grupo inicial. Tanto que no segundo número
aparecem como diretores Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro. Diz
Casais Monteiro que bastou uma atitude mais escandalosa de Álvaro de
Campos, heterônimo de Fernando Pessoa, para afastar Luís de Montalvor do
grupo, preocupado talvez em não prejudicar politicamente sua carreira no
governo.
O segundo número teve igual
êxito, mas venderam-se apenas 600 exemplares. O problema foi pagar a
conta da tipografia. O pai de Sá-Carneiro, que já pagara a edição de
Céu em fogo, livro do filho,
relutaria em pagar também a conta da impressão da revista. Em crise
existencial, Sá-Carneiro iria às pressas para Paris, depois de
considerar “irrespirável” o ar que se sentia no café Martinho, de
Lisboa, local de encontro de intelectuais.
Mesmo assim, o
Orpheu 3 vai para a gráfica.
Até que uma carta desesperada de Sá-Carneiro vinda de Paris para Pessoa
exige que seja suspensa a edição da revista, depois que o pai do poeta
se recusara a assumir também aquele compromisso. Logo em seguida, veio a
notícia do suicídio de Sá-Carneiro em Paris.
Os textos reproduzidos nos dois
primeiros números da revista (ao terceiro poucos teriam acesso) foram,
no entanto, suficientes para derrubar os mitos culturais herdados do
passado e dessacralizar os modelos conceptuais recebidos de uma tradição
tão velha quanto a Idade Média, como assinalou Massaud Moisés.
No dizer de Eduardo Lourenço, a
importância extrema de Sá-Carneiro e Pessoa na poesia portuguesa é
precisamente a de terem chegado no fim desse movimento doloroso e
exaltante e terem tido olhos, imagens e vida para tomar parte num
confronto decisivo para o esclarecimento dos limites e poderes da alma
humana. “Um perdeu aí a vida que mal tinha, o outro a que poderia ter
tido. Assim ganharam a que finalmente haviam de ter”.
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IV |
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Carlos Felipe Moisés é mestre e
doutor em Letras pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
(FFLCH) da USP, com larga carreira de pesquisador e crítico literário
dedicada à Literatura Portuguesa, em especial à poesia de Fernando
Pessoa. Tem mais de 40 livros entre publicados/organizados ou edições,
entre os quais se destacam O poema
e as máscaras (1981),
Mensagem: roteiro de leitura (1996) e
Fernando Pessoa: almoxarifado de
mitos (2005), dedicados ao estudo da obra pessoana.
Colabora em periódicos
especializados e grandes jornais, desde os anos 60. Poeta e tradutor,
foi professor da USP, de 1966 a 1991, quando se aposentou, da Pontifícia
Universidade Católica (PUC-SP), de 1966 a 1968, da Faculdade de
Filosofia de São José do Rio Preto-SP, de 1966 a 1967, e da Universidade
Federal da Paraíba (1977). É professor da Universidade São Marcos, de
São Paulo, desde 2000. Passou duas temporadas nos Estados Unidos,
ensinando na Universidade da Califórnia, em Berkeley (1978-1983) e na
Universidade do Novo México (1986). Desde 1990, coordena oficinas de
criação literária no Museu da Literatura, em São Paulo.
Seus livros de poesia são:
Carta de marear (1966) Poemas
reunidos (1974), Círculo
imperfeito (1978), Subsolo
(1989), Lição de Casa & poemas
anteriores (1998) e Noite nula
(2008), o mais recente. Sua obra ensaística inclui ainda, entre outros
títulos: O desconcerto do mundo
(2001), Poesia e utopia (2007)
e Tradição e ruptura (2012);
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Orpheu
1915:2015 – textos doutrinários e fortuna crítica (antologia),
de Carlos Felipe Moisés, organização, prefácio e notas. Campinas-SP:
Editora Unicamp, 301, págs., R$ 54,00, 2014. E-mail:
vendas@editora.unicamp.br Site: www.editora.unicamp.com.br
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© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
PORTUGAL |
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