O carácter
português foi objeto de reflexão ao longo dos tempos. Quais serão os
nossos traços peculiares? Teremos nós características únicas? Será uma
delas a saudade como defendia Teixeira de Pascoaes? Ou os brandos
costumes como o propalado a partir da propaganda salazarista?
A abertura ao
exterior e a diáspora foram invariantes estruturais ao longo da nossa
história. Interessa-nos para aqui uma diáspora particular: a que existiu
para além do estado e do poder régio. Muitos de nós, ao longo dos
séculos, existimos fora do estado e o exemplo mais remoto é anterior à
própria nacionalidade – o condado de Coimbra e Sesisnando, oscilando
entre o poder muçulmano e o cristão; o próprio primeiro Condado
Portucalense.
Também na época das
descobertas isso foi visível: milhares de portugueses viviam fora das
fortificações, constituíram inclusive cidades não defendidas onde o
poder oficial era ténue. Muitos outros viveram entre povos estrangeiros
na Índia, Indochina, África e Brasil. Já em séculos mais recentes,
muitos dos movimentos migratórios se dirigiram para outros países:
Brasil independente; França; América do Norte, etc… O sonho de muitos
desses emigrantes seria a construção no nosso país de um verdadeiro lar
para gozo dos últimos anos de vida. Um sonho construído para além de
Portugal e, frequentemente, apesar de Portugal.
É um pouco isto que
se observa agora durante a crise. Eis que ressurge, como outrora, a
nossa capacidade de abraçar o mundo, de passarmos a ser noutros lugares.
No fundo, um dos
traços centrais da nossa cultura, é precisamente essa capacidade de não
ser ou, se quisermos, de nos des-portugalizarmos. Eis um traço que
propomos como central da nossa cultura. Será esta uma das razões do
nosso silêncio perante as agressões diárias de que somos alvo?
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