REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 51 | abril-maio | 2015

 
 
JOSÉ ROBERTO BAPTISTA

Verdade teológica?

José Roberto Baptista (Brasil). Editor da ARTE-LIVROS Editora. Foi professor universitário e Diretor-Acadêmico de tradicionais instituições de ensino superior em São Paulo. É estudioso da fenomenologia parapsicológica e autor, entre outros, do livro Introdução ao Estudo da Parapsicologia (Arké, 2007), além de já ter escrito vários artigos sobre o tema. Dirigiu o IEP-SP - Instituto de Estudos Psicobiofísicos de São Paulo voltado, exclusivamente, ao estudo e ao ensino da Parapsicologia.

 

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Tenho notado nos discursos de vários líderes religiosos, destacadamente cristãos evangélicos, a insistente afirmação de que suas convicções baseiam-se na revelação dada pela Bíblia e referem-se a elas como "verdades teológicas".

Tal afirmação sempre soou-me estranhamente.

Mas, quando questionados sobre a tal "verdade teológica" respondem sempre em círculos - é a verdade contida na Bíblia, na palavra revelada por Deus e, como nunca se dão por satisfeitos, dão um passo além: muitas dessas verdades estão sendo confirmadas pela ciência. Transformam, assim, sob esta nova perspectiva, uma crença em conhecimento.

Contudo, tal argumento  não passa de uma falácia, ou dito de outra maneira, um argumento válido apenas na aparência.

Vejamos:

Muita tinta já foi gasta, em meio a sorrisos e ranger de dentes, sobre descobertas científicas que confirmam a Bíblia. A ciência aqui é utilizada como um argumento de autoridade.

Contudo, a verdade revelada é uma verdade que se quer imutável, uma vez que quem a revelou foi o próprio Deus. Na ciência, as verdades, são verdades humanas, fruto do esforço humano, portanto, distante de uma revelação divina. Daí, serem verdades temporárias.

Portanto, ao submeter-se uma verdade da fé à confirmação pela ciência é exatamente afirmar-se ser a verdade da fé uma verdade temporária. O que se constituiria num paradoxo. Mesmo porque a base de sustentação da fé não está naquilo que pode ser provado. Se assim fosse não estaríamos no campo das crenças. Não podemos nos deixar seduzir pelos falsos profetas.

Consideremos, ainda, que devemos tomar certos cuidados ao nos referirmos à "verdade teológica". Não existe uma única teologia, como, por exemplo, uma única matemática.  Existem várias teologias: a teologia judaica, a teologia cristã, a teologia islâmica e tantas outras. Mesmo assim devemos ter reserva para falarmos de cada uma. Cristãos protestantes, por exemplo, divergem dos cristãos católicos em vários aspectos. Portanto, falar-se em "verdade teológica", no sentido em que esses líderes utilizam, ganha uma elasticidade pouco desejável, diga-se, de uma verdade universal, o que  seria risível até mesmo para conversas descuidadas nos finais de tarde.

Devemos observar, ainda, o fato de religiosos cristãos, das mais variadas denominações, continuarem a repetir, como mantras, ser a Bíblia um livro único, embora com interpretações discordantes. Também aqui cabe a pergunta: o que significa dizer ser a Bíblia um livro sujeito a interpretações discordantes?

Que consequências isso traz para a sociedade?

Fora do mundo cristão poderíamos lembrar sobre os recentes acontecimentos em Paris que vitimaram os cartunistas do Charlie Hebdo, com base nessas interpretações discordantes do texto sagrado. Isto apenas para lembrar que "verdade teológica" não passa de uma afirmação vazia e, naturalmente, não é privilégio da cristandade.

Diante do que estamos expondo, como operam aqueles que insistem em falar em "verdade teológica", o conceito de verdade?

"Um levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), entidade que monitora a abertura de empresas de todos os tipos no Brasil, revelou o grande volume de abertura de igrejas no país. De acordo com os números revelados pelo instituto, são abertas doze novas igrejas por dia no país. É uma nova igreja a cada duas horas." (1)

Parece-me sintomático, pelo menos sob o ponto de vista religioso, dizer que doze novas igrejas são abertas diariamente no Brasil.

Uma coisa está clara. Cada fiel seguidor de qualquer que seja a denominação religiosa acredita que a sua é a certa. Discussões em sites na Internet nos dão uma visão bastante ampla a esse respeito. É sempre a mesma coisa quando questionados. Os ofendidos de plantão sempre atiram com as mesmas e já desgastadas armas: - Fulano deve estudar mais a bíblia. Não sabe sobre o que está falando. - Cicrano não conhece o suficiente para falar sobre a denominação tal ou qual. - O autor da matéria comete heresias ... - Beltrano não é teólogo, portanto ... - A igreja é imaculada. Nós somos pecadores. Não a igreja. E por aí vai. Não tem fim.

Nos casos que envolvem católicos e evangélicos, ambos cristãos, a coisa é de tirar qualquer psiquiatra do sério. E lembremos que a Bíblia utilizada pelos evangélicos, em relação ao novo Testamento, é exatamente a mesma utilizada pelos católicos, inclusive foi a igreja primitiva, universal, portanto, católica, quem definiu os 27 livros que compõem o Novo Testamento. (Dizer isso, todavia, não significa nenhum tipo de proteção aos católicos. É apenas uma constatação para nos auxiliar na reflexão).

Mesmo assim, com base nas denominadas interpretações discordantes, algumas denominações afirmam que não precisamos mais seguir os preceitos do Velho Testamento (que, sempre é bom lembrar, não existe Velho Testamento para os judeus), outras, com base no mesmo texto afirmam que sim. Cada lado gasta uma quantidade enorme de páginas para defender suas convicções, suas interpretações discordantes, sempre com a mesma Bíblia em punho.  Uma espécie de "Babel" dos tempos modernos.

Não podemos falar em certeza onde só há incertezas. Portanto, falar-se em "verdade teológica" é o mesmo que dizer "acreditar pela fé".

De nada adianta líderes religiosos das mais variadas e conflitantes denominações citarem a Bíblia de cabeça para demonstrarem erudição. Tais "erudições" apenas servem para impressionar seus iguais. Nada mais. Assemelham-se àqueles que decoram o manual de um Boeing 737, vestem um pomposo uniforme, estampam no rosto o ar altivo de um experiente piloto, mas quando colocados na cabine de comando, para levantar voo, não conseguem, sequer,  encontrar a chave de partida da aeronave.

Deixemos ainda de lado as "verdades teológicas" de todos os que afirmam estarem sendo guiados pelo Espírito Santo em suas leituras e interpretações. Esses são apenas arrogantes. Quanto mais os escuto mais me convenço da inutilidade de suas palavras, norteadas por pretensas revelações, ilusões e imposturas. São pregadores do medo e cultivadores de incertezas, efeito último da insanidade.

 
 

NOTAS

(1) http://noticias.gospelmais.com.br/levantamento-revela-brasil-aberta-igreja-cada-duas-horas-60137.html

 

 

 

 

© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
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