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Tenho notado nos discursos de vários líderes
religiosos, destacadamente cristãos evangélicos, a insistente afirmação
de que suas convicções baseiam-se na revelação dada pela Bíblia e
referem-se a elas como "verdades teológicas".
Tal afirmação sempre soou-me estranhamente.
Mas, quando questionados sobre a tal "verdade
teológica" respondem sempre em círculos - é a verdade contida na Bíblia,
na palavra revelada por Deus e, como nunca se dão por satisfeitos, dão
um passo além: muitas dessas verdades estão sendo confirmadas pela
ciência. Transformam, assim, sob esta nova perspectiva, uma crença em
conhecimento.
Contudo, tal argumento não passa de uma
falácia, ou dito de outra maneira, um argumento válido apenas na
aparência.
Vejamos:
Muita tinta já foi gasta, em meio a sorrisos
e ranger de dentes, sobre descobertas científicas que confirmam a
Bíblia. A ciência aqui é utilizada como um argumento de autoridade.
Contudo, a verdade revelada é uma verdade que
se quer imutável, uma vez que quem a revelou foi o próprio Deus. Na
ciência, as verdades, são verdades humanas, fruto do esforço humano,
portanto, distante de uma revelação divina. Daí, serem verdades
temporárias.
Portanto, ao submeter-se uma verdade da fé à
confirmação pela ciência é exatamente afirmar-se ser a verdade da fé uma
verdade temporária. O que se constituiria num paradoxo. Mesmo porque a
base de sustentação da fé não está naquilo que pode ser provado. Se
assim fosse não estaríamos no campo das crenças. Não podemos nos deixar
seduzir pelos falsos profetas.
Consideremos, ainda, que devemos tomar certos
cuidados ao nos referirmos à "verdade teológica". Não existe uma única
teologia, como, por exemplo, uma única matemática. Existem várias
teologias: a teologia judaica, a teologia cristã, a teologia islâmica e
tantas outras. Mesmo assim devemos ter reserva para falarmos de cada uma.
Cristãos protestantes, por exemplo, divergem dos cristãos católicos em
vários aspectos. Portanto, falar-se em "verdade teológica", no
sentido em que esses líderes utilizam, ganha uma elasticidade pouco
desejável, diga-se, de uma verdade universal, o que seria risível até
mesmo para conversas descuidadas nos finais de tarde.
Devemos observar, ainda, o fato de religiosos
cristãos, das mais variadas denominações, continuarem a repetir, como
mantras, ser a Bíblia um livro único, embora com interpretações
discordantes. Também aqui cabe a pergunta: o que significa dizer ser a
Bíblia um livro sujeito a interpretações discordantes?
Que consequências isso traz para a sociedade?
Fora do mundo cristão poderíamos lembrar
sobre os recentes acontecimentos em Paris que vitimaram os cartunistas
do Charlie Hebdo, com base nessas interpretações discordantes do texto
sagrado. Isto apenas para lembrar que "verdade teológica" não passa de
uma afirmação vazia e, naturalmente, não é privilégio da cristandade.
Diante do que estamos expondo, como operam
aqueles que insistem em falar em "verdade teológica", o conceito de
verdade?
"Um levantamento realizado pelo Instituto
Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), entidade que monitora a
abertura de empresas de todos os tipos no Brasil, revelou o grande
volume de abertura de igrejas no país. De acordo com os números
revelados pelo instituto, são abertas doze novas igrejas por dia no
país. É uma nova igreja a cada duas horas." (1)
Parece-me sintomático, pelo menos sob o ponto
de vista religioso, dizer que doze novas igrejas são abertas diariamente
no Brasil.
Uma coisa está clara. Cada fiel seguidor de
qualquer que seja a denominação religiosa acredita que a sua é a certa.
Discussões em sites na Internet nos dão uma visão bastante ampla a esse
respeito. É sempre a mesma coisa quando questionados. Os ofendidos de
plantão sempre atiram com as mesmas e já desgastadas armas: - Fulano
deve estudar mais a bíblia. Não sabe sobre o que está falando. - Cicrano
não conhece o suficiente para falar sobre a denominação tal ou qual. - O
autor da matéria comete heresias ... - Beltrano não é teólogo, portanto
... - A igreja é imaculada. Nós somos pecadores. Não a igreja. E por
aí vai. Não tem fim.
Nos casos que envolvem católicos e
evangélicos, ambos cristãos, a coisa é de tirar qualquer psiquiatra do
sério. E lembremos que a Bíblia utilizada pelos evangélicos, em relação
ao novo Testamento, é exatamente a mesma utilizada pelos católicos,
inclusive foi a igreja primitiva, universal, portanto, católica, quem
definiu os 27 livros que compõem o Novo Testamento. (Dizer isso,
todavia, não significa nenhum tipo de proteção aos católicos. É apenas
uma constatação para nos auxiliar na reflexão).
Mesmo assim, com base nas denominadas
interpretações discordantes, algumas denominações afirmam que não
precisamos mais seguir os preceitos do Velho Testamento (que, sempre é
bom lembrar, não existe Velho Testamento para os judeus), outras, com
base no mesmo texto afirmam que sim. Cada lado gasta uma quantidade
enorme de páginas para defender suas convicções, suas interpretações
discordantes, sempre com a mesma Bíblia em punho. Uma
espécie de "Babel" dos tempos modernos.
Não podemos falar em certeza onde só há
incertezas. Portanto, falar-se em "verdade teológica" é o mesmo que
dizer "acreditar pela fé".
De nada adianta líderes religiosos das mais
variadas e conflitantes denominações citarem a Bíblia de cabeça para
demonstrarem erudição. Tais "erudições" apenas servem para impressionar
seus iguais. Nada mais. Assemelham-se àqueles que decoram o manual de um
Boeing 737, vestem um pomposo uniforme, estampam no rosto o ar altivo de
um experiente piloto, mas quando colocados na cabine de comando, para
levantar voo, não conseguem, sequer, encontrar a chave de partida
da aeronave.
Deixemos ainda de lado as "verdades
teológicas" de todos os que afirmam estarem sendo guiados pelo Espírito
Santo em suas leituras e interpretações. Esses são apenas arrogantes.
Quanto mais os escuto mais me convenço da inutilidade de suas palavras,
norteadas por pretensas revelações, ilusões e imposturas. São pregadores
do medo e cultivadores de incertezas, efeito último da insanidade.
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