REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 51 | abril-maio | 2015

 
 

 

 

ALEXANDRA VIEIRA DE ALMEIDA

Poemas

Alexandra Vieira de Almeida  (Brasil). Doutorado em Literatura Comparada (UERJ). Poeta, cronista, contista, ensaísta e crítica literária. Tem artigos acadêmicos publicados em revistas especializadas e livros. Tem um livro em crítica literária. Tem textos literários publicados em sites, revistas, jornais e antologias por todo o Brasil. Publicou três livros de poesia: 40 poemas, Painel e Oferta.
www.malabarismospoeticos.blogspot.com.br
. alealmeida76@gmail.com

 

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
Contacto: revista@triplov.com  
Dir. Maria Estela Guedes  
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O pescador e o mar 

Os murmúrios das ondas martelam

molhando os lençóis amarelados

de areias mescladas em branco e preto

 

Vaga a grande asa do barco no ar

e o céu escurece as ondas do mar

indo o rastro do mastro diluir-se

 

Moroso o pescador move o leme

sem medo do vento ventando alto

busca o consolo do leito límpido

 

E ruidosas as águas o bebem

sorvendo o seu sossego no mar. 

 

Deserto 

Canibalismo no deserto, aridez dos astros. Não há mágoa numa névoa. Somente a faca é minha carne. O desejo se escondeu num olhar amargurado. Facas e garfos não são sensações. O astro cresce à minha volta. Não é possível contornar a outra margem, o deserto é meu silêncio. A névoa cai nos meus braços, sustento-a até a capacidade do meu olhar. Olhar de deserto, não espero estações. Na virada das poeiras que oscilam ao vento quente do deserto, pássaros se comem antropofagicamente. Formigas, maçãs, garfos, facas na sua ordenação neblinam minha face. Face neutra na passagem da névoa. Névoa paira, cai, se esbarra nos ventos da minha passagem pelo deserto, anímico, auditivo, mais do que a minha vida.

Em "40 poemas” (Multifoco, 2011) 

Sossego 

Monólogos de tigres ociosos

na penumbra, a noite cala a veia

Trigos adormecidos na vértebra da caverna

os escuros pontos da morte não se escondem

O chão se abre para a passagem dos renascidos

O vento atira palavras de cimento e cal

Tristes mares invadem o espelho da memória

para conter os risos inconsoláveis dos palhaços

A escuridão se apaga após a voz de um sonâmbulo profundo

Não há atalhos que neblinem a floresta de morcegos

A tempestade devasta as estações da derrota

O sossego se encarrega de florir na natureza.

 

Minha casa 

Fiz da minha casa uma floresta

em que nutro sementes e canções novas

com a água do destino

Nas paredes brancas da mente

acendo fogueiras que acalentam

os sonhos dos homens

Mas minha casa não tem paredes

No conhecimento que se abre

de meu corpo em riso sereno

fundo novos ritos e danças

acromáticas, homeopáticas

A cura que perfura a mão ofertada

inaugura a sede constante das chuvas

No chão da casa encontro

pisadas de pequenos seres

que direcionam meu gesto

ao sol de um novo mundo

Minha casa tem pianos

com teclas de livros da natureza

que segredam o silêncio do sagrado.

Em “Painel” (Multifoco, 2011) 

 

Nadar no seu mar 

No olho do reverso

da página em branco

encontro teu nome escrito

com tintas da água do mar

Pedras duras amortizam

a história de sua vida

As conchas escondem

a música de sua voz melodiosa

na altura da rocha vermelha

que encontra algas azuis

de tanto nadarem ao encontro da morte

A espuma se desfaz ao ar fresco

da madrugada incerta da memória

Seu corpo navegando nas águas

esclarecidas do tempo que vaga

na asa do barco que ilumina com suas

luzes a escuridão do mar na lua

Nadar no seu corpo marítimo

que esconde peixes coloridos

ao encontro do sol do meio-dia.

  

Vento 

Cerejas escondidas no vento

Explodem sóis na sua testa

tentando avisar aos seres

da escuridão que habitará o vento

Vento nas vias da lua

atiçando memórias de flores murchas

O farol ao longe ilumina o vento vadio

que corre para lá e para cá sem destino certo

Dos cachecóis do vento vejo a velhice

a naufragar sonhos da infância nas estrelas

Vento ventando na janela

esperando a moça fiar sua linda história

Vento que habita o corpo

assaltando sem espera os olhos

da névoa e da mágoa

Ventos que batem no trecho do mar

elevando a voz dos peixes e amortizando vícios

O vento na asa da gaivota

trazendo a esperança dos pequenos.

Em “Oferta” (Scortecci, 2014)

 

Soterra 

Soterra, fere a terra

no entremeluzir das pedras, orgasmo oco

de pedra, de terra, de sal

Dádivas do céu

chuvas salinas das preces

a molhar as páginas da vida

Vento amotinado de algas

amarras de lenços nos braços

o choro incandescente das trevas

Sol enfraquecido pela chuva

se aquece no seu rosto

Cascos de vida

lança que se parte no astro

Soterra a fera, na selva

monstros faiscando luzes gigantes

Na cor dos lábios

uma prisão de infectos insetos

Azul que corta, na face

o verbo que tremeluz

no papel da terra

Soterra imagens na fímbria

das páginas brancas

Terra que esconde pequeninos seres

Na haste da planta a gana da semente

a esmiuçar gestos do sol

Soterra, em treva

as letras do atrevimento

Littera desperta

pelos escombros da terra

Soterra. 

 

Dormindo no verbo 

Dormindo no verbo

logaritmo do vazio

espera o anoitecer em branco

Entre a verdade e a palavra

escolhe as letras equilibristas

que morrem no abismo

Mesmo o atalho para as pedras

o fez vacilar entre o gesto e a crença

Saliência de palavras

que mancha o papel taciturno

Na noite esquelética

os livros dão carne para os outros

ávidos por dançar no salão da matéria

O verbo se fez carne

a matéria se fez palavra

prestes a preencher

a vida dos outros

inimigos da sombra

que se desfaz em sonho

Dorme na coagulação do sangue

corpo que se move no vazio

da atmosfera escassa do osso

Carnaliza os vazios da noite

para se fazer dia do verbo encarnado

Dorme, dorme

e espera

na entrega do verbo

para os outros com insônia

O verbo se preenche de carne

manchando as páginas em branco

que esquálidas, tiram a fome

de anos e anos de espera.

 

No prelo

 

 

© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
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