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        | REVISTA TRIPLOVde Artes, Religiões e Ciências
nova série | número 50 | 
		fevereiro-março | 2015 |  
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			RODRIGO ARAÚJO No território de Eros:  a poesia de Al Berto | 
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            | 
			Rodrigo 
			da Costa Araújo 
			é professor de Literatura 
			Infantojuvenil e Teoria da Literatura na FAFIMA - Faculdade de 
			Filosofia, Ciências e Letras de Macaé, Mestre em Ciência da Arte 
			(2008-UFF) e Doutorando em Literatura Comparada [UFF]. Ex 
			Coordenador Pedagógico do Curso de Letras da FAFIMA, pesquisador do 
			Grupo Estéticas de Fim de Século, da Linha de Pesquisa em Estudos 
			Semiológicos: Leitura, Texto e Transdisciplinaridade da UFRJ/ CNPq e 
			do Grupo Literatura e outras artes, da UFF/ CNPq. Coautor das 
			coletâneas Literatura e Interfaces, Leituras em Educação
			(Opção 2011), 
			Saberes Plurais: Educação, Leitura & Escola, Literatura 
			infantojuvenil: diabruras, imaginação e deleite. (Opção-2012)
			E-mail: 
			rodricoara@uol.com.br |  |  
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        | EDITOR | 
		TRIPLOV |  |  
        | ISSN 2182-147X |  |  
        | Contacto: revista@triplov.com |  |  
        | Dir. Maria Estela Guedes |  |  
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		Além de cada 
		momento da linguagem poder se tornar ambíguo e dizer coisa diversa do 
		que diz, o sentido geral da linguagem é incerto, não sabemos se ela 
		expressa ou se representa, se é uma coisa ou se a significa; se está ali 
		para ser esquecida ou se se faz esquecer apenas para ser vista; se é 
		transparente por causa do pouco sentido do que diz ou clara pela 
		exatidão com que o diz, obscura porque diz demais, opaca porque nada 
		diz. (BLANCHOT, 1997, p. 328).  
		Alguns poetas imprimem um desenvolvimento horizontal à sua produção: a 
		cada nova obra fazem surgir pequenos ou grandes blocos, relativamente 
		autônomos, que se articulam sintagmaticamente e configuram ao fim breve 
		ou longo tempo, o perfil de uma caminhada. 
		Outros há, que percorrem uma mesma e inviolável trajetória: a obra 
		posterior traz sempre a marca de um curso que se aprofunda 
		incessantemente.Um processo cuja principal característica é jamais 
		desvelar-se por completo. Nesse caso, temos uma progressão vertical, que 
		encontra no adensamento seu móvel e sua diretriz. Quanto a esse tipo de 
		opção criadora, sua tessitura traz marcas inconfundíveis. Eis o caso da 
		poética de Al Berto.  O que 
		se pretende neste ensaio curto é mapear essas marcas na produção poética 
		de Al Berto; entender que essa criação se traduz pela busca do 
		equilíbrio em face do desequilíbrio, pela busca da plenitude em face da 
		incompletude. A expressão poética al bertiana, no sentido de combate, 
		que se faz perceber como equilíbrio, tem a ver com a lucidez, com a 
		consciência. Mas, nem por isso ela deixa de ser uma experiência de 
		paixão: a loucura e a sua avidez, sem destino, que brotam do sopro 
		intenso de poesia.  São 
		essas as impressões que conduzem a leitura da obra de Al Berto. Lendo o 
		livro O Medo (2000), de Al 
		Berto, quase de uma vez só, fica-se pensando, de olhos fechados, num 
		sujeito/poeta nebuloso, indefinido, mas apaixonante e convidativo. 
		Fica-se reclamando novo contato ou leitura e maior aproximação, e o 
		convite, muitas vezes, torna-se irresistível. De qualquer forma, a 
		leitura da poesia de Al Berto exige velocidade, expõem as suas 
		capacidades mais próprias, as de serem múltiplas, plásticas, 
		transgressoras e, a um tempo, inscrição, alteridade e brilho. Foi 
		com esse brilho e nessa rapidez, também, que a poesia al bertiana 
		compareceu na literatura portuguesa, como uma espécie de estrela 
		cadente, solta da galáxia, correndo anos-luz, em fuga e desrespeito à 
		estabilidade celeste. Veio direta, cega, com seu brilho, sem apalpar o 
		escuro, sem escolher caminho, apesar de ter percorrido vários deles. 
		Perceptível apenas como um ponto luminoso, à longa distância, Al Berto 
		foi uma surpresa caminhante, enigmático e perscrutador. Perturbador 
		também, porque chega vertiginoso, carregado de energia densa e 
		magnética. Sua escritura traz feições dessa rapidez e imagem insólita: 
		“há dias que o lápis te foge, resiste como um objecto estranho/ 
		persistes, esboças o rosto de cera apercebido no espelho, no fundo 
		quieto do rio” (2000, p.82). Todos 
		os seus livros falam de um mesmo rosto que se procura na linguagem do 
		espelho, forçam o leitor a descobrir o sentido moral e estético de suas 
		reticências. São como óperas sincopadas ou sinfonias inacabadas, mas são 
		envolventes nos arroubos ou na aparente simplicidade. Atraem, enleiam, 
		enfeitiçam e introduzem o leitor como personagem e participante de suas 
		poesias, confissões poéticas, romances e suas diabruras. Na verdade, a 
		força de sua escrita revela um outro desejo “queria ser marinheiro 
		correr mundo/com as mãos abertas ao rumo das aves costeiras/ a boca 
		magoando-se a sonolenta canção dos ventos” (2000, p.296). 
		Alberto Raposo Pidwell Tavares (1948-1997) ou mesmo Al Berto, ligeiro, 
		transgressor, atraente e inovador, veio compor a Via Láctea da 
		Literatura Portuguesa, dando vida, força e movimento à palavra escrita, 
		libertando-a de amarras e regras literárias convencionais. Sua poesia 
		questiona a forma, as convenções do gênero, as marcas clássicas do 
		convencional, as normas da língua portuguesa, os códigos estabelecidos, 
		a moral, a sexualidade e as escolhas. O 
		silêncio, a melancolia, a solidão, o corpo, o mar, o esteticismo e 
		muitos outros temas são questões e características que pontuam suas 
		escolhas poéticas. Al Berto é eletrizante ao descrever qualquer viagem e 
		transferi-la para o seu leitor. “A noite trazia-me aragens com cheiro a 
		corpos suados/cantares e danças em redor de fogos que eu não sabia” 
		(2000, p.298), ele transmite vida às linhas do texto, carregando-as de 
		energia ao contato de seus dedos e olhos, emitindo sempre mensagens sem 
		retoque. Do imaginário, ele passa para o real, para o existencial até à 
		fusão do espírito e da carne, do amálgama da poesia e ficção. E ainda 
		recomenda: “virava todo o meu sentir para o mar/quando no medo dos 
		míticos promontórios/ se rasgou a oceânica visão... a ânsia de partir” 
		(2000, p.301).  Na 
		sua sinfonia literária, carregada de pianíssimos e crescendos, repleta 
		de mistérios e divagações, ele é sempre imprevisível. Do esplendor da 
		galáxia, desce e captura a minúscula luz de uma paisagem, mas a 
		luminosidade é a mesma, irradiante, repleta, múltipla. 
		 Al 
		Berto tem um mundo próprio, todo seu, enorme, surpreendente, e sente 
		necessidade de refleti-lo para fora, para os outros, para quem possa 
		entendê-lo ou não. Esteta, como Oscar Wilde, sua escrita, apesar de 
		leves diferenças, revela certo tom de beleza inconfundível: “a morte é 
		uma relâmpago suspenso sobre o coração” (2000, p.333)/ “e da nossa 
		passagem permanecerá/ o deslumbrante rumor dos fogos sobre o mar” (2000, 
		p.333).  Pelas 
		suas múltiplas cores, para avistá-lo, porque meteoro, é preciso 
		reconhecer o impulso que imana o leitor. A partir daí, segue o 
		hipnotismo e o rastro luminoso para suas divagações voluptuosas, 
		carregadas de emoções e inquietudes, nem sempre lógicas, mas 
		interrogativas, transgressoras, existencialistas, envolventes. O próprio 
		leitor é levado - arrastado pela sua trilha luminosa e errante - a 
		perscrutar algumas metáforas, não importa se reais ou fictícias, 
		surreais ou insólitas. Ele - o leitor - vale-se de emaranhados de 
		sentimentos, uma espécie de labirinto, em que se procura uma saída para 
		o subconsciente. 
		De 
		todas as leituras, ficam sempre leves marcas, impressões digitais, 
		marcas do corpo, peso das palavras, leveza da escrita, desejo de uma 
		poética do erótico. Algumas vezes delicada, outras vezes excitante. 
		Comparecem em suas poesias, o registro sensorial da palavra, o 
		silêncio, a festa imaginária que recria o corpo, mesmo se o tema não é 
		erótico, a escrita erotiza o significante. Impressão Digital, 
		por exemplo, é um livro que a linguagem segue o mesmo ritmo da redondez 
		erótica - impressões do corpo, sutilezas do tato, cicatriz da memória. O 
		corpo erógeno e palavra jogam com o prazer de criar a suspensão do 
		sentido. A ambiguidade que dá pistas, mas não resolve, decididamente, do 
		significado, resulta na excitação - preliminares eróticas. Todo o livro
		O Medo, coletânea de muitos 
		outros, é um livro vivo, compilação de emoções que surgem e 
		manifestam-se, gemem, gritam, lamentam-se, protestam no silêncio, no 
		escuro, na solidão, vibrando ao impacto da vida real e sensível. 
		 
		Apreciável, como as luzes de um meteoro no céu noturno, a poesia de Al 
		Berto é lenta vertigem, paixão e desejo de escrever. Ao mesmo tempo em 
		que metalinguística, porém pelo seu plano opositivo, também revela, 
		sutilmente, a agonia de não conseguir a palavra ideal: “os poemas 
		adormecem no desassossego da idade. fulguram na perturbação de um tempo 
		cada dia mais curto. e, por vezes, ouço-os no transe da noite, 
		assolam-me as imagens, rasgam-me as metáforas insidiosas, porcas... e 
		nada escrevo” (2000, p.595). 
		Da 
		escrita visceral de Al Berto, ecoam outros poetas da tradição portuguesa 
		e de suas leituras pessoais: Fernando Pessoa, Florbela Espanca, Cesário 
		Verde,  Mário de Sá-Carneiro, 
		Antonio Botto. Estes, estetas e transgressores. Seu discurso integra 
		outros ainda, como Oscar Wilde, Rimbaud, Genet, Baudelaire. Como espelho 
		poliédrico, esses poetas assumem vozes em Al Berto. Funcionam como 
		projeção, recortes/aspirações para sua própria poética, metáforas da 
		condição literária. O espelho é, ainda, estratégia que possibilita o 
		ingresso em outros discursos, como a música
		pop e as artes visuais. Sua poesia, portanto, retoma e recria, 
		criativamente, esses rastros discursivos. 
		Da 
		sua poesia, também, ecoam algumas experiências urbanas de Bruxelas, 
		Paris e Barcelona. Experiências e deambulações, que revelam suas 
		preferências por um discurso poético, que imbricam ficção e poesia, 
		vertigem e velocidade, confissão e encanto próprios de atitudes do
		flâneur. Poesia marcada, 
		também, de vivências do poeta por uma Europa notadamente
		underground dos anos sessenta 
		e setenta. 
		Dessas múltiplas facetas, o poeta-meteoro é também pintor. Ele dialoga 
		com essas cidades numa linguagem mais próxima da sua plasticidade 
		original. Essas mediações pictóricas são estabelecidas, entre a 
		legibilidade da poesia e do texto urbano que se oferecem, visualmente, 
		no lirismo ímpar. 
		O 
		leitor, ao acompanhar o exercício da dialética da
		flânerie e desses vários 
		diálogos com a tradição literária, evidencia o desenraizamento de Al 
		Berto e sua memória, a resgatar fragmentos de versos ou escolhas que se 
		inserem nos seus discursos. Essas retomadas e opções, no entanto, 
		reforçam a constituição de sujeitos que proliferam em sua poética, 
		tematizando ideias e cenários, onde se diluem as metáforas rumo a uma 
		escritura radical de demarcação, entre urgência e melancolia, diferença 
		e transgressão poética. 
		Por 
		isso, a conexão biografia-obra é, em alguns momentos, inevitável, já que 
		dessas releituras nascem uma relação especular. Não se trata de uma 
		obra, predominantemente confessional, é uma obra que
		ficcionaliza, através da palavra poética, o drama de um sujeito 
		situado, aquém do espelho. Espelho-texto, a poesia de Al Berto, pela 
		sucessão de máscaras que esconde, atende à urgência de mascarar a 
		errância e o homoerotismo. Pela 
		sua natureza pós-moderna, a poesia al bertiana, também, apresenta 
		contradições. Feito os meteoros, sua escrita fragmentária, assemelha-se 
		com partículas de poeira ou rocha que fica voando pelo espaço textual em 
		alta velocidade. Quando entra na atmosfera literária, principalmente a 
		lusitana, torna-se incandescente e pega fogo, construindo um imenso 
		risco no céu. Pela sua distância no espaço celeste, em relação ao 
		leitor, os meteoros parecem que são grandes, mas na maioria das vezes, 
		não passam de pequeninos grãos de areia. Fácil 
		de ler e ver Al Berto, difícil penetrar na sua malha poética e analisar 
		algumas incoerências, bem como as indagações pessoais dos sujeitos de 
		seus textos, transgressores, autônomos, com decisões próprias, como 
		sujeitos marcados para desempenhar, cegamente, algum comportamento 
		criado para ele.  Como 
		meteoro, a poética de Al Berto rasga o céu brilhando com intensidade. 
		Arrasta consigo, além do olhar atônito do leitor, a beleza, o jogo de 
		luzes e a rapidez que surgem queimando-se e destruindo-se, até o impacto 
		final com algum planeta. Na face do planeta, a cratera indelével marca 
		para sempre algum momento histórico e estético. Al 
		Berto chegou como um meteoro: cego, vertiginoso, inesperado, reluzente, 
		interferindo no brilho e na constelação da poesia lusitana.  |  
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				| Al Berto nasceu a 11 de 
				janeiro de 1948, em Coimbra, Portugal. Seu nome de batismo era 
				Alberto Raposo Pidwell Tavares. Estudou em Lisboa, 
				primeiramente, e mais tarde viajou a Bruxelas para estudar 
				pintura. Voltou a Portugal na década de 70, onde passou a 
				dedicar-se exclusivamente à escrita. Publicou vários livros de 
				poesia, como Meu Fruto de Morder, Todas as Horas 
				(1980), Salsugem (1984) e Horto de Incêndio 
				(1997), mas foi a coletânea O Medo, com poemas escritos 
				entre 1974 e 1986, editada pela primeira vez em 1987, que trouxe 
				o reconhecimento da importância de Al Berto no panorama da 
				poesia portuguesa contemporânea, tornando-se o livro mais 
				conhecido do poeta português, ao qual seriam adicionados em 
				posteriores edições novos escritos do autor, mesmo após a sua 
				morte. |  |  
				| Al Berto 
				tornou-se um dos poetas mais conhecidos do Portugal pós-Salazar, 
				por fazer de “Al Berto” uma criação poética em que a vida e a 
				obra se entrelaçavam. Atualmente, sua obra é editada pela 
				prestigiosa Assírio & Alvim. Al Berto morreu em 1997. |  |  
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		ITINERÁRIOS DA ESCRITA EM 
		AL BERTO   “Não 
		tenho biografia; sendo um verdadeiro artista, atravesso a vida como uma 
		das personagens dos meus livros” (Lawrence D./Lívia) (p.480). 
		Preciso com a máxima urgência de escrever, sobretudo não parar de 
		escrever, não para substituir o livro que me escapa, que se desligou de 
		mim, mas porque me é impossível não criar, não escrever, ou ficar 
		siderado perante o vazio que o livro deixou. Não acredito no génio, 
		acredito, sim, na necessidade, na urgência, na ânsia de me manter por um 
		fio entre a queda final e o precário equilíbrio das palavras (Al Berto, 
		2012, p.78). 
		Não 
		passa despercebida, a quem já tenha lido algum texto de Al Berto, uma 
		espécie de nuança autobiográfica, especialmente no que concerne ao ato 
		de criar. Isso fica mais evidente na leitura dos seus
		Diários (2012), lançados 
		recentemente pela editora Assírio & Alvim. Vários fragmentos, registros 
		e confissões dão conta de que, para ele, escrever assume sentido e 
		inscrição, desejo, procura e disfarces. Ademais, a escrita como tema de 
		seus registros e foco de muitas de suas poesias contribuem, 
		favoravelmente, para isso. Criar é, então, um dilema e tema na escritura 
		al bertiana.  
		Escrever todos os dias. Umas horas. Disciplinar a mão e a mente. 
		Escrever, simplesmente escrever. Escrever como quem se perturba consigo 
		mesmo e com o que o rodeira. Escrever, só - sem insistir sequer no acto 
		de o fazer. Escrever à medida dos dias - 
		ou não escrever nada, absolutamente nada e esquecer os 
		dias, as horas, tudo. Esquecer (Al Berto, 2012, p.505). 
		Há 
		uma espécie de poética da criação, oriunda da experiência artística 
		vivenciada, que se mostra e se oculta em seus
		Diários. Semelhante aos 
		efeitos do vaga-lume na intermitência do acende-apaga, ou na rapidez do 
		meteoro que deixa rastros luminosos ou mesmo na metáfora da respiração 
		(inspira-expira), o processo de construção de sua escritura é 
		detalhadamente revelado ao leitor. Os esforços do escrever são 
		descortinados em um gesto de confiança e de humildade, mas que mostra, 
		sobretudo, uma consciência sobre o ato em si.
		     
		 
		Os
		Diários demonstram, pelas mãos 
		e escrita de Al Berto, certo gesto da mimese da criação ou do nascimento 
		com toda a sua dor e incertezas. Nesse sentido, poderíamos dizer que 
		suas confissões revelam-se como abordagem teórica feita no espaço da 
		criação estética. O diário pensa o fazer literário, fazendo teoria e ao 
		mesmo tempo criando ficção, estetizando o mundo, poetizando a vida. 
		Portanto, revela-se, também, como metapoesia. 
		Diários, 
		de Al Berto funciona como certa biografia imaginária, em fragmentos, de 
		uma voz. É nesta direção que se encaminham os livros incluídos em À 
		procura do vento num jardim d’Agosto (1974-75) e muitos outros 
		livros da obra do poeta português. Como voz ou algumas vezes como 
		personagem, outras vezes como autorretrato, recado breve, emblema 
		geracional ou figura com máscaras ou sem contornos fixos, é que se 
		define o sujeito nos textos de Al Berto. E como colagem de falas, 
		sucessão de tons, ritmos, conversas, reflexões que se singulariza sua 
		forma de composição poética. O que, em parte, sobretudo porque expressa 
		geralmente em primeira pessoa, se conduz a uma sensação de marcada 
		intimidade (daí, talvez, a sedução voyeurística com que certos leitores 
		se apropriam de seus escritos como exemplares de uma zona de indistinção 
		entre lírica e biografia), por outro lado, revela um constante exercício 
		de aproximação a uma das vertentes mais marcadas da poesia moderna: a do 
		monólogo dramático.  A 
		escrita como conversação, como fala, arte da declamação: este é um dos 
		traços mais característicos da escrita de Al Berto, cujo eco, 
		insistente, se repete, com variações de um livro a outro. Às vezes o 
		texto até começa como recado ou relato à primeira vista coeso, mas, de 
		repente, surgem aspas, interrogações, sugestões de interlocução, 
		fotografias, aforismos. 
		Os
		Diários, de Al Berto, de 
		alguma maneira, acompanham o modo como trabalhou com as sugestões 
		fornecidas pelo horizonte estético de sua geração, e como foi 
		singularizando as próprias hesitações e escolhas numa poesia, 
		marcadamente, próxima a uma arte da conversação, num texto com 
		características fortemente orais e dramáticas. Escrever poesia torna-se, 
		para Al Berto, além de escuta, um trabalho de elaboração de sua 
		percepção de mundo, de registro de impressões e de referências a partir 
		das suas paixões literárias: Charles Baudelaire, Rimbaud, Florbela, 
		Fernando Pessoa, Oscar Wilde e outros.  
		
		Nesses termos, os fragmentos de diários íntimos convertidos, algumas 
		vezes, em poemas demonstram como o poeta opta por um projeto pautado no 
		inacabado e no precário, mas que, ao mesmo tempo, concentra uma múltipla 
		e densa expressividade, instaurando um espaço híbrido onde encena sua 
		própria subjetividade. No mesmo aspecto, destaca que apesar de nos 
		poemas-diário de Al Berto as datas serem quase sempre explícitas e, 
		muitas vezes, intitularem os textos, o autor conseguiu colocar em crise 
		a própria lógica do gênero na medida em que inseriu cortes a sequência 
		linear dos relatos, construindo poemas marcados pela desordem e pela 
		descontinuidade dos registros. Diários, 
		de Al Berto e sua obra, como obra literária, é uma crise e uma crítica. 
		Crítica no sentido etimológico da palavra: cortar para discernir. Crise 
		porque institui continuamente, a consciência de que o ato de escrever é, 
		entre outras coisas, uma incitante provocação ao pensar e 
		autorretratar-se. Por isso mesmo, o desejo de: Desejaria esboçar um 
		autorretrato, mas não consigo, o corpo paralisou-me no início da 
		memória. Perdi-me no tempo incerto dos berlindes, dos passeios para 
		apanhar búzios. Perdi-me no momento em que a infância me abandonou (Al 
		Berto, 2012, p.117). O 
		espelho, também continuidade desse processo, é metáfora retomada para 
		assumir a busca e do drama do homem que é acrescido do drama do 
		escritor/poeta, preocupado com sua verdade “artística”: “Procurar o meu 
		corpo no corpo dos outros, atravessar espelhos e destruir os reflexos 
		que me incitam a acreditar que aquilo que se reflecte sou eu. (Al Berto, 
		2012, p.153)”. 
		
		Escrever no corpo da linguagem e com o corpo, eis a tarefa a que se tem 
		proposto Al Berto. A partir dele, é com o tempo, a escrita e o silêncio, 
		em que se mesclam a palavra e o ser, que se elabora a criação poética de 
		Al Berto.  Nela e em sua obra 
		como um todo, articulando-se ao inevitável conflito do homem angustiado, 
		entra também em jogo, em primeiro plano, o indagar sobre esse processo. 
		A 
		procura de ler a obra e Diários, 
		de Al Berto deve ser feita na instância em que, pelo silêncio, ela se 
		manifesta e pulsa. E porque ela se move no espaço do vício de escrever, 
		da procura pela palavra, ela, algumas vezes, nega seu próprio registro: 
		“Este diário, se é que é, é um vício e não uma necessidade. Posso muito 
		bem passar sem escrever. Posso muito bem não escrever absolutamente 
		nada, não deixaria de ter o vício das palavras, não deixaria de ser 
		escritor”. (Al Berto, 2012, p.96). 
		
		Negando a palavra enquanto projeto, a experiência de ler a poesia 
		al bertiana, é, também, assumir de alguma maneira, sua leitura 
		como paixão errante, como diria Blanchot. Onde essa errância pára e como 
		ela se movimenta parte dos bastidores de sua poesia, tanto quanto sua 
		criação artística. Isso fica evidente quando registra: “Um projecto 
		assalta-me: Escrever incessantemente para poder deixar de escrever” (Al 
		Berto, 2012, p.41). Como 
		o pensamento baudelairiano, além do fascínio e a obsessão pela palavra, 
		Al Berto registra a consciência da fragilidade, a fugacidade do tempo, 
		dos seus estragos, e que, por isso mesmo, abarca a tentativa de 
		superação pelo imaginário poético: Recomeçar este diário. 
		Voltar a escrever com regularidade. Quase nada de novo na minha vida. 
		Apenas escrever, sem cessar; aí residirá talvez um pouco de felicidade. 
		Ou talvez um pouco de esperança. Ou talvez nada, absolutamente nada. 
		Escrever livros que me percorrem o coração. Quebrar este silêncio em que 
		me fechei. Diluir a mágoa dos dias nalgum sorriso. Olhar as horas e 
		saber que no minuto vindouro se pode morrer. Quase nada tem importância 
		na vida. Atravesso o tempo tranquilamente, repleto de sobressaltos 
		(Al Berto, 2012, p.173).  
		Se a 
		memória baudelariana abriu ao artista as portas da imaginação e à Beleza 
		suprema, se transformou em desilusão, em angústia - o próprio
		spleen - nem por isso a emoção 
		estética associada à lembrança, sob a forma de poesia, se converteu em 
		espaço e tempos vazios. A lírica al bertiana traz, feito Baudelaire, do 
		seu desencanto com o mundo pós-moderno o fermento para o seu 
		reencantamento. Em outras palavras, ele tece uma realidade outra a 
		partir de si mesma, da sua materialização, enquanto imagem de sonho, 
		reflexão ontológica, identidade reencontrada por intermédio da criação. 
		E por isso confirma veemente:  Seria incapaz de deixar de 
		escrever, mesmo que nunca mais publicasse. Parece-me, cada vez mais 
		tenho a certeza disto, que a trajectória de um escritor nada tem a ver 
		com a publicação do que escreve. Um “projecto de escrita” escapa a essa 
		necessidade de se ver publicado, não se verga a nenhum comércio, nem se 
		compra em concessões. Escrever, pelo menos no que me diz respeito, é um 
		projeto que assenta em grande parte, na maneira como estou na vida, na 
		maneira como vou dimensionando com o que me rodeia. Seria impossível 
		condescender, facilitar ou aceitar propostas que não têm ligação alguma 
		com a minha maneira de estar e, por consequência, que nada tem a ver com 
		o que escrevo (Al Berto, 2012, p.88). |  
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        |  | 
		
		REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:  
		Al 
		Berto. O Medo. Lisboa. Assírio & Alvim. 2000. 
		___.
		O último coração do sonho. 
		Lisboa. Quase Edições. 2000. 
		___. 
		Diários. Lisboa. 
		Assírio & Alvim. 2012.  
		___.
		Apresentação da Noite. Lisboa. Assírio & Alvim. 2006. 
		___.
		Al Berto: dispersos. Lisboa. Assírio & Alvim. 2007. 
		___.
		Horto de Incêndio. Lisboa. Assírio & Alvim. 1997. 
		___.
		O Anjo Mudo. Lisboa. Assírio & Alvim. 2001. 
		___.
		Vigílias. Lisboa. Assírio & Alvim. 2004. 
		
		ARAUJO, Rodrigo da Costa. A 
		poética dionisíaca de Al Berto.
		ZUNÁI - Revista de poesia & 
		debates. Acesso em 17/12/2014. 
		
		___. 
		
		Escrever o Mar: provocações da poesia de Al Berto.
		
		
		Revista Diadorim / Revista de Estudos Linguísticos e Literários do 
		Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal 
		do Rio de Janeiro. 
		Volume 11, Julho 2012. [http://www.revistadiadorim.letras.ufrj.br] 
		
		___. Al Berto no salão dos 
		espelhos. Revista Convergência. 
		Real Gabinete de Leitura. 
		
		Número 26 - jul/dez de 2011: Resenhas.  
		___.
		A escrita visceral de Al Berto. 
		
		Revista Querubim - Revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas 
		de Letras, Ciências Humanas e ciências Sociais - Ano 09 Nº21- 2013 - 
		ISSN 1809-3264. pp.116-160. 
		
		___. Al Berto, um meteoro. 
		Revista Verbo-21. Cultura e Literatura. In:
		http://www.verbo21.com.br/ 
		acesso em 17 dez. 2014. 
		
		___. A escrita, segundo Al Berto. 
		Resenha Diários. 
		
		Revista Mosaicum nº 18. Teixeira de Freitas. Bahia. Faculdade do Sul da 
		Bahia. (Impresso), v. 01, pp. 35-38, 2013. 
		
		BLANCHOT, Maurice. O espaço literário.
		Trad. Álvaro Cabral. Rio de Janeiro. Rocco,1987. |  
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        |  | © Maria Estela Guedesestela@triplov.com
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