REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 50 | fevereiro-março | 2015

 
 

 

 

GABRIELA ROCHA MARTINS

Uma Utopia possível

Gabriela Rocha Martins Gouveia (Portugal). Ensaísta, poeta, organizadora da

Bienal de Poesia de Silves.

http://cantochao.blogspot.pt

http://umnovoremansoparavelhasmetaforas.blogspot.pt

 

EDITOR | TRIPLOV

 
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Dir. Maria Estela Guedes  
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uma Utopia possível. 1ª parte

 

deambulando pensamentos ou ,simplesmente ,cogitando ,chego sempre à mesma conclusão – a Humanidade divide.se em poetas e não.poetas

.no primeiro grupo há aqueles que nunca escreveram um verso .no segundo ,há não só quem os tenha escrito ,como também publicado

.ser poeta ,porém ,não se circunscreve ao escrevinhador/escritor ,citando Sartre ,mas antes à enorme capacidade de reinventar a utopia ,em tornar viável o inexequível .é a ascese

.a afirmação do indivíduo como ser uno ,inserido ,todavia ,no social a que pertence ,por nascimento ou adopção

.“Ninguém morre sozinho” ,escreveu ,um dia ,o Professor Daniel Sampaio .parafraseando.o ,direi que ,em cidadania ,ninguém “vive” sozinho ,porque o UM não é mais do que a minúscula parte do TODO ,e ,o todo somos nós

,poetas ,sonhadores ,“homens práticos” ,ascéticos ,agentes activos e passivos

.em suma ,a Comunidade possível

.mas as nossas esperanças como seres não ganharão consistência se não forem alicerçadas na busca da simbiose entre o ser pensante e o ser agente ,balizadas nos valores civilizacionais mais profundos e na modernidade mais actualizada ,hoje ,falhos de verdadeiros substractos sociais ,culturais e políticos

.políticos ,porque a carência dos mesmos fez com que todos nós tivéssemos mergulhado ,pouco a pouco ,nos vícios atávicos do passivismo ,por um lado ,ou na intolerância e na pequenez cultural ,geradoras do diletantismo que subestima os cidadãos que não se reconhecem na partidocracia ,por outro

.a memória é curta ,diz o velho aforismo popular

.e ,como a memória dos homens tem tendência a repetir.se ,exige a moderna consciência que saibamos aprender ,todos ,mesmo os de fraca memória ,de modo a não permitir ,no presente e no futuro ,que o autoritarismo ( camuflado ou não ) domine ,perversamente ,o nosso dia a dia ,enfraquecendo a capacidade criadora de todos nós

.é fundamental que a cooperação e o diálogo prevaleçam ,dignificando o HOMEM ,ser uno e social ,não o marginalizando ,porque fazê.lo é uma visão maniqueísta que acentua as já perturbadoras assimetrias económicas ,culturais e educacionais

.são as Pessoas ,os únicos protagonistas das reformas e reestruturações ,e ,deverão ser elas ,numa perspectiva humanista ,os principais agentes das mesmas

.em cidadania não há filhos adoptados

.acentuar a diferença entre “nascidos” e adoptados é um conceito xenófobo que ,mais não faz ,do que preceituar a exclusão ,por ironia ,receio ou despeito

.a democracia exige que o Homem se torne no centro das relações sociais crescentes em número ,amplidão e qualificação .oferecer à liberdade humana novas possibilidades ,manifesta o devir e o dever/ser dessa mesma liberdade ,o que equivale a dizer que só resulta ,através e com o homem ,ser uno e plural

.a política faz-se pela positiva ,não por contradição .muito menos com medo ,mentiras ou falsas verdades

.tentar minimizar o Homem ,ou coarctar.lhe a criatividade ,são conceitos mesquinhos que só se equiparam à mesquinhez de quem assim age

 
 

uma Utopia possível – 2ª Parte 

 

“a Política faz-se pela positiva ,não por contradição”  

foi com esta frase que terminei a 1ª parte da minha anterior crónica .é com ela que inicio a segunda ,porque ,em meu entender ,a política impõe uma séria reflexão introspectiva e actual sobre a comunidade em que estamos inseridos .reflexão que ,como um dia escrevi ,deve ser acompanhada por um profundo exame de consciência ,sem concessões para todos aqueles que ,quais Velhos do Restelo ,e ,com várias metástases ,tentam deturpar a verdade dos factos ,lançando o anátema sobre essa mesma comunidade

.essa reflexão é tanto mais necessária quanto a nossa comunidade continua adiada ,marginalizada e minimizada

.é legítimo ,em democracia ,que as Pessoas tenham ou façam as suas opções políticas .como é legítimo o contrário

.todavia ,qualquer posição que seja tomada ,deverá sê-lo ,em consciência ,e não como factor de poder ou contra-poder .isto é: nos verdadeiros democratas ,as opções fundamentam.se em princípios interiorizados ,em que o “servir a causa pública” é ,sempre ,um acto político ,quer o queiramos ou não .não há isenção nos seres activos ,porque agir pressupõe “tomar posição em relação a” ,e , esta é ,igualmente ,uma forma de poder .sendo este um factor determinante do estar em sociedade ,não pode ,nem deve sustentar-se em questões de índole pessoal ,mesmo quando camufladas no “bem servir a comunidade” ,porque o “ser em comunidade” exige o respeito pelo outro ,ou seja ,o respeito à diferença .outrossim ,este respeito pressupõe o estar sempre ausente ,no não agente ,o estar sempre presente ,no agente

.há que afastar os fantasmas ,consequências inevitáveis do ser em comunidade ,porque não são as nossas empatias que galvanizam as sociedades ,saturadas até à medula ,nas certezas dos HOMENS SÓS

.e neste capítulo ,a Comunicação Social – escrita e falada – tem um papel preponderante

.não para os que vivem os acontecimentos ou neles se envolvem ,porque ,facilmente ,detectam a inveracidade dos factos ,a subjectividade das crónicas ,a informação tendenciosa

.todos nós temos consciência da falibilidade informativa

.mas ,se tomar posições é natural ,o mesmo não acontece quando não assumidas com frontalidade e verticalidade ,mas antes ,camufladas pelos imperativos de momento ,à volta de interesses pessoais presentes ,passados ou futuros

.urge assumir ,sem diletantismos ,uma perspectiva racional ,porque os tempos das “paixões” são fugazes como a própria paixão

.urge assumir uma perspectiva englobante ,essencialmente construtiva ,em prol do Humanismo ,da Solidariedade ,da Justiça e da Cultura ,porque só em diálogo ,transparência e tolerância ,é possível renovar as sociedades

.somos Mulheres e Homens ,com os defeitos e as qualidades do género ,mas também com a fragilidade humana de nos sabermos emocionar .todavia ,confundir emoção com prepotência ,é não ser capaz ou não querer ultrapassar a própria incapacidade

.urge assumir as diferenças .é o princípio da não contradição

.assim ,deambulando pensamentos ou cogitando sobre o nosso passado recente ,chego ,invariavelmente ,à mesma conclusão – as nossas esperanças como poetas ou não –poetas ,sonhadores ou “homens práticos” ,ascéticos ,agentes ou ausentes ,não ganharão consistência ,primo ,enquanto não racionalizadas e interiorizadas ,secundo ,quando não colocadas ,sem dissimulados protagonismos ,ao serviço do bem comum

.só assim nos afirmamos como seres individuais e sociais

.em suma ,numa comunidade falha de verdadeiros substractos humanistas ,há que acreditar numa Utopia possível ,porque mudar é renovar e renovar é construir o futuro. 

 

 

Gabriela Rocha Martins 

 

 

© Maria Estela Guedes
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