A figura do sexólogo começa a emergir entre 75 e
77. A historiadora Verónica Policarpo (Sexualidades
em Construção, entre o Privado e o Público in
Os Nossos Dias. Coordenação
de Ana Nunes de Almeida. 2011) assinala que as questões periféricas como
a homossexualidade e a prostituição continuam clandestinas.
Os anos 80 nascem
com o yupie, uma nova cultura do lazer vivia-se em Portugal após 1986. O
consumo privado é assinalável. As famílias todas querem obter um
automóvel. Comprava-se a prestações a televisão a cores ou o
videogravador. O consumo do sexo privatiza-se: os indivíduos sozinhos ou
em casal, assistem comodamente em casa, através de cassetes de vídeo, a
filmes pornográficos. Os rapazes, por norma, acedem sozinhos à
pornografia.
Em 1982
descriminaliza-se a prostituição. Nos anos 80 iniciam-se as ladies
nights e o striptease masculino.
Os jovens com pais
católicos concordam com as saídas dos rapazes à noite. Mas, esses mesmos
pais temiam que as filhas ficassem grávidas se saíssem. O sentimento
amoroso é cada vez mais privilegiado, em desprimor do celebérrimo
casamento para procriação.
O primeiro caso
diagnosticado com HIV surge em 1983. No ano seguinte fala-se
indirectamente de um problema pulmonar que vitimaria António Variações.
Entretanto, iam morrendo Rock Hudson, Lauro Corona ou Cazuza.
Em 1983 o Diário de Notícias associa o HIV à
homossexualidade: a peste cor de
rosa e a doença dos
homossexuais. (Sexualidades
em Construção, entre o Privado e o Público in
Os Nossos Dias. Coordenação
de Ana Nunes de Almeida. 2011). Tal como nos diz a historiadora, os
homossexuais masculinos são apresentados como responsáveis.
Outros temas
tornavam-se completamente invisíveis: a heterossexualidade, o
lesbianismo, a bissexualidade.
Os preconceitos
avançam em relação ao HIV. Mas, na década a seguir um cada vez maior
número de pessoas é infectado. Claro que o preservativo começa a ser
publicitado em todo o lado. Os mais jovens aderem.
Em 1985 é fundada a
Sociedade Portuguesa de Sexologia
Clínica. Fala-se cada vez mais de impotência sexual e de frigidez.
Mas, os sexólogos, tal como os psiquiatras e os
psicólogos classificam os comportamentos todos: por exemplo, as
parafilias (Sexualidades em Construção, entre o Privado e o Público in
Os Nossos Dias. Coordenação
de Ana Nunes de Almeida. 2011).
Em Portugal a
homossexualidade é descriminalizada em 1982. Mas, no discurso médico
falava-se dessa preferência como um problema com possível tratamento.
Em 2001 passam a
ser legais as uniões de facto, também para casais do mesmo sexo.
Em 2004 a
Constituição inclui o artigo 13º, a proibição da descriminação em função
da orientação sexual. Mas, como é óbvio, os casais do mesmo sexo não
podiam adoptar nem procriar com assistência médica. Em 2006 é aprovada
uma lei que regula a procriação medicamente assistida, a inseminação
artificial e a fertilização in vitro. Mas, só as pessoas casadas,
vivendo como cônjuges há, pelo menos, 2 anos é que têm acesso.
Em 2009 a
sociedade portuguesa de sexologia clínica diz que a orientação sexual
não heterossexual não é uma doença e como tal, não precisa de qualquer
tratamento.
Os terapeutas, em grande parte, continuam a
considerar um défice ser-se homossexual (Sexualidades
em Construção, entre o Privado e o Público in
Os Nossos Dias. Coordenação
de Ana Nunes de Almeida. 2011).
Em 2010 é aprovado
o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Na internet não há horas para
nada. Tudo é possível. Surgem os poliamorosos. Através do anonimato
permite-se a expressão de afectos e fantasias. As redes sociais são
multifacetadas. Como diria Badinter, um é o outro; outro pode ser um.
Surgem os predadores sexuais. Os adolescentes podem estar mais
permeáveis. Os sexólogos passam das perversões às disfunções (Sexualidades
em Construção, entre o Privado e o Público in
Os Nossos Dias. Coordenação
de Ana Nunes de Almeida. 2011).
Nos anos 20 de
novecentos as mulheres eram enfermeiras, dactilógrafas, secretárias e ,
pasme-se, telefonistas. A sociedade portuguesa, em Lisboa ou no Porto,
não estava preparada para a mulher garçonne, tão volúvel.
Florbela Espanca,
corajosa e sem medos, divorciada várias vezes, fumando, era outra
garçonne que até chegou a entrar na faculdade de Letras de Lisboa.
Tal como Pessoa,
que também ele foi pesquisar o que os professores debitavam nessa
faculdade, rapidamente desistiu de sebentas tão antigas que nada
esclareciam sobre os saberes. Pensa-se que Pessoa não chegou a dar
alguma importância a Florbela. Esta, mais preocupada com as paixões e os
vestidos da moda, elaborava poemas uns atrás dos outros, desdenhando
muito das poetisas célebres suas contemporâneas. Desdenhava ela muito
bem. Bastava ler Virgínia Vitorino, enquadrada nos feminismos da época e
lésbica, para se alcançar que Florbela era de outra cepa.
Pessoa lia
furiosamente desde os clássicos até aos anglo-saxónicos. Não constava
que aí houvesse mulheres escritoras. Talvez uma das poucas mulheres que
ele leu fosse, derivado de um escândalo, a poetisa Judith Teixeira.
A garçonne
continuou por Paris, Londres, Nova Iorque. Os gloriosos anos vinte, a
descoberta do Jazzband, a estranha musicalidade de Armstrong e Porter, a
descoberta do gramofone, o esboço escultural de Greta Garbo, o glamour
do cinema, a popularidade das revistas de celebridades, exibiam uma
mulher magra, cabelo curto, bem tratado, com um pequeno chapéu, colares
muito longos, fumando com boquilha.
Portugal assistiu,
a 28 de Maio de 1926, a um novo golpe de estado.
Era mais um,
pensava-se. Gomes da Costa, general deste golpe de estado, rapidamente
saiu de cena. O marechal Carmona, mais consensual, exibiu o pendor
direitista do referido golpe.
Raul Proença (estudado até aos limites por
António Reis) era um visionário: na
Seara Nova, muito antes do 28
de Maio, e assistindo aos desenvolvimentos do palco europeu, adivinhava
um golpe de direita. Muito contribuiu a grande crise financeira de 1929
que levou ao suicídio, desde banqueiros a simples empregados, que se
viram no desemprego (sobretudo nos EUA).
As direitas
europeias tinham o caminho certo para alcançar o poder. Portugal,
Espanha, Itália, Alemanha nas direitas, e a União Soviética de Lenines e
Estalines, outros totalitarismos e até a China com Mao.
O Dux conduzia e
embriagava multidões em Itália, em Espanha, na Alemanha.
Portugal não tinha
um Dux: surgiu timidamente a figura de Salazar, primeiro nas Finanças,
depois na Presidência do Conselho de Ministros, muito preocupado em
elaborar uma Constituição nova (1933) e a querer moralizar as modernices
dos anos 20.
Com a Constituição
de 1933 suprimiram-se as liberdades de associação, políticas, culturais,
recreativas, desportivas.
O Governo podia dissolver qualquer associação já
constituída. Partidos políticos não havia. A
União Nacional era um “não
partido”, único (Fernando Rosas.
O Estado Novo in História de
Portugal. 1992).
Sindicatos ou
associações juvenis estavam no escrutínio dos polícias. Não podia haver
uma associação de cidadãos, desde 1942, nem no ensino primário.
A censura
prévia (de 1927 a 1974) era modelar e dependia do
Secretariado de Propaganda
Nacional, no início dirigida pelo jornalista António Ferro. Nenhum
periódico, nenhum livro podiam ser distribuídos sem o olhar da censura.
A PIDE, polícia
política, segundo Fernando Rosas, era a espinha dorsal do salazarismo.
Essa polícia era
detentora do poder de prender qualquer cidadão, pelo tempo que quisesse
e sem explicações.
O salazarismo
escolhia um a um, os funcionários da função pública, tendo alguns sido
expulsos, por práticas consideradas atentatórias. Lembremo-nos por
exemplo, do poeta António Botto, expulso por mostrar interesse
“pecaminoso” em relação a alguns colegas do sexo masculino. O poeta não
foi o único a sofrer a descriminação. O romancista/poeta Luiz Pacheco,
soube muito bem o que era a força da PIDE, e conheceu bem de perto a
total miséria económica, com mulher e filhos, e com a dádiva de alguns
intelectuais oposicionistas, que lá iam pagando a renda da casa.
Cesarinny, era
outro dos malditos. A PIDE detestava-o, bem como ao modo altivo como
exibia, sem problemas de consciência, a homossexualidade.
O Estado Novo não
gostava de pervertidos: a minha mãe tinha a melhor amiga num colégio em
Lisboa. Tinha um tio particularmente sujeito à descriminação social, era
solteirão, trabalhava no Estado, portava-se bem no emprego, mas chegado
o fim-de-semana, tomava uns copos a mais com os amigos e, sussurrava-se,
seria “esquisito”.
Nessa altura, essa
amiga morava num dos muitos arrabaldes de Lisboa, e havia só uma
camioneta, que passava de hora a hora.
A camioneta colocava-a na grande
cidade.
Numa das visitas
o tio “esquisito”, filho de pai
incógnito, meio-irmão do pai, perguntou se podia levar a sobrinha à
Feira Popular. O pai ficou preocupado: aquele meio irmão pretendia,
durante a tarde de um domingo, levar a angelical filha com semelhante
companhia.
Mas a amiga da
minha mãe berrava e queria ir à Feira Popular. O pai fez jurar o irmão
que nunca deixaria largar a mão da menina.
Foi uma festa. O
tio brincou tanto com ela, em muitos carroceis, por duas vezes lhe deu
algodão doce, que ela comia com satisfação. E ainda lhe deu um rajá
(gelado). Ela não se lembrava de o tio ter bebido outra coisa que não a
célebre Laranjina C.
Muito mais tarde,
após o 25 de Abril, de noite, o tio foi encontrado num canto de Lisboa,
totalmente violentado e quase morto, sem que a família ficasse muito
espantada com o que acontecera. Ela, adulta, já sabia. O tio, à noite,
vivia nas marginalidades.
Um outro episódio
vulgar envolvendo meninas.
Andando uma delas
sempre satisfeita nos eléctricos amarelos da cidade, com as janelas
abertas, para apanhar melhor os cheiros e as minudências, com os pais no
banco da frente, chega, sem que se aperceba, um homem mais velho para o
lugar do lado, que estava vago. O pai olha para trás. Vê um homem velho
que avançaria com a mão para o corpo da menina.
O pai salta do
banco, ergue bem alto a voz, fixa-se nos colarinhos do homem, diz
palavras impróprias, levanta a filha do lugar em breves segundos e, com
o público incrédulo, sai com grande estardalhaço. Questionou o pai sobre
o que acontecera. Disse: há homens muito maus e muito porcos. E a filha
perguntou, então pelas mulheres. O pai: disse que precisaria sempre de
ter cuidado, mas eram em menor número.
Nomeando a
res pública, Salazar, na comemoração do Ano X da Revolução Nacional,
diz embevecido “às almas dilaceradas pela dúvida e o negativismo do
século procurámos restituir o conforto das grandes certezas. Não
discutimos Deus e a virtude; não discutimos a Pátria e a sua história;
não discutimos a autoridade e o seu prestígio; não discutimos a família
e a sua moral; não discutimos a glória do trabalho e o seu dever.
(Fernando Rosas. O Estado Novo
in História de Portugal.
1992).
O povo português,
tal como nos assinala Fernando Rosas, era praticamente analfabeto.
Era preciso encenar as ditas certezas: seria a
Política do Espírito.
A Exposição do Mundo Português,
realizada em 1940, comemorando duas datas (1140, fundação da
nacionalidade e 1640, a restauração), corresponde ao período áureo do
regime e da sua propaganda.
Quando António
Ferro, responsável pelo SNI, o mesmo que em 1915 andou pelo Orpheu, e
que no princípio dos anos 30 fez a mais brilhante entrevista a Salazar
(publicada em livro), foi demitido em 1949. Nunca se soube a motivação
dessa demissão.
Salazar não queria saber muito de política
externa. Não escondeu a sua simpatia por Franco durante a
Guerra Civil de Espanha. Mas,
manteve-se “neutro” (Fernando Rosas.
O Estado Novo in História de
Portugal. 1992).
Durante a II
Guerra Mundial, Salazar jogou com a antiquíssima ligação à Grã-Bretanha,
e o germanofilismo que ele próprio, Salazar, só confessava aos íntimos.
O Estado Novo manteve-se neutro. Aliás, Salazar
dava-se especialmente bem com Franco. Aparentemente a Península Ibérica,
na sua neutralidade, assinou o Tratado de Amizade e Não Agressão, a 13
de Março de 1939 (Fernando Rosas.
O Estado Novo in História de Portugal. 1992).
O embaixador em
Madrid era Pedro Teotónio Pereira.
Salazar ganhou com as posições negociais: a
Grã-Bretanha velha amiga; Franco, neutral, mas com coração germanófilo;
milhares e milhares de judeus residindo no Estoril e em Cascais, todos
eles detentores de fortuna; a futura família real espanhola no Estoril e
a aura de Lisboa, como uma Primavera num mundo de guerra (Fernando
Rosas. O Estado Novo in
História de Portugal. 1992).
Nos anos 50, em Portugal, os anos da propaganda
e da opressão, passada a euforia do povo pela vitória dos Aliados, a
jornalista Maria Antónia Fiadeiro, numa entrevista, referia que os
rapazes e as raparigas se vestiam de escuro. Cores, só nos sabonetes (Amor
e Sexo no Estado Novo de Salazar. Isabel Freire).
O sexo feminino
era o eleito do puritanismo: na imprensa da época era raríssimo
mencionar a palavra sexo.
Isabel Freire fala
de um senhor de uma classe média-baixa que não possuía telefone em casa.
Ligava-se para o merceeiro, que bem alto participava a dita chamada. Se
a chamada fosse para o segundo andar, portador de um badalo, eram cinco
badaladas. Se fossem repicadas, era para o lado esquerdo. As donas de
casa desciam até à mercearia para atender o telefone.
Em 1956,iniciava-se a Feira Popular, onde está
hoje a Fundação Calouste Gulbenkian, e aí a RTP fez as primeiras
experiências: o povinho, passava diante das câmaras, e ficava muito
espantado. (Amor e Sexo no Estado
Novo de Salazar. Isabel Freire).
Em muitas ruas de
Lisboa uma vaca passava com a leiteira. As donas de casa pediam um
bocadinho daquele leite gordo e quente. À frente de toda a gente,
ordenhava-se o bicho.
Também havia as
galinhas vivas. As donas de casa escolhiam-nas uma a uma, e assistiam
impávidas e serenas ao corte do pescoço.
Através de Isabel
Freire, que relembra Maria Filomena Mónica, falava-se das estreitas ruas
da Baixa, casas minúsculas, carroças puxadas por mulas, e gente muito
miserável, com fome e descalça: em 1950 o país era amplamente rural e
sem saber escrever ao menos o nome.
As noivas chegavam castas ao dia do casamento,
sem sequer saberem o que iria acontecer (Amor
e Sexo no Portugal de Salazar. Isabel Freire).
De acordo com as
estatísticas oficiais de 1940, cerca de 17 % das mulheres eram
assalariadas. Dessas, 35 % eram criadas; 34 % trabalhadoras rurais; 20 %
operárias.
Relembrando o
historiador Miguel Cardina, nesses tempos, 90 % das raparigas
universitárias eram contra o sexo antes do casamento.
Havia um grande
desconhecimento em torno da contracepção.
Citando Maria
Isabel Barreno, a década de 50 pertence ao reinado de João XXIII, o mais
revolucionário dos Papas. E os jovens, ouviam-no. Marilyn Monroe, Marlon
Brando, James Dean, Paul Newman só são possíveis porque existiram os
anos 50.
A historiadora Inês Brasão afirma o interesse do
percurso das danças de salão entre os finais dos anos 30 e os anos 60,
em que o corpo feminino se vai autonomizando (O
Tempo das Criadas. Inês Brasão. 2012;
Amor e Sexo no Portugal de
Salazar. Isabel Freire.).
A ensaísta Isabel Freire falava de uma jovem,
nesses anos 50, a quem foi ordenada a filiação na
Mocidade Portuguesa Feminina.
Não faltavam as aulas de culinária e a toda espécie de artes e atributos
femininos.
Em 1956 essa mesma
jovem pediu ao pai para entrar na Faculdade. O progenitor avançou logo
com uma censura. As raparigas nas faculdades seriam prostitutas. A mãe
veio em socorro da filha. A jovem entra na faculdade, devidamente
avisada pela mãe, de que não poderia engravidar.
A revista Stella, conservadora, previa
conspirações contra as meninas e jovens em qualquer esquina. A
Mocidade Portuguesa Feminina
seria como que uma salvadora da moral e dos bons costumes (Amor
e Sexo no Portugal de Salazar. Isabel Freire).
O historiador
Paulo Guinote fez um interessante questionamento entre a “boa” filha da
velha monarquia, a “boa” filha da república e a “boa” filha do Estado
Novo: não haveria praticamente diferenças (Quotidianos
Femininos. Paulo Guinote).
A iniciação sexual
dos rapazes era feita na cama de uma prostituta da confiança dos pais.
A relação da
rapariga com o seu próprio corpo era de autovigilância.
Em Espanha, nos
colégios internos, não havia espelhos.
No recreio, as
meninas não se podiam reunir em grupinhos, e estavam proibidas, por
altura do banho, de se desnudarem umas para as outras. As raparigas
(anos 70, antes de 1974) conversavam sobre esses mistérios das
sexualidades, nas casas de banho, muito baixinho e como tabu.
Paulo Guinote diz,
acertadamente, que as operárias e as camponesas não eram tão ignorantes.
Bastava olhar para as vacas e os bois.
No princípio dos
anos 50 um jovem ia para a praia de fato de banho completo. Maillot com
alças e calção, com saiote na frente para impedir olhares outros.
Nos anos 60,
finalmente, o calção de banho, sempre era melhor do que o Maillot.
As revistas
femininas transmitiam imenso medo pela beira mar: crianças, exiguamente
cobertas, a correr à beira mar. Havia um vestido de banho: mulheres
totalmente vestidas, com os calções largos, praticamente até ao joelho,
sem um único decote e, vá lá, os braços descobertos. Segundo Irene
Pimentel estas campanhas de praia, não obtiveram grande êxito. Havia o
Estoril, a Figueira da Foz, Cascais, a Praia das Maçãs. Era difícil, com
tantos refugiados de guerra que permaneceram em Portugal, impôr regras
tão espartanas.
Da menstruação não
se sabia nada. A munha mãe contou: uma amiga, com 13 anos, era Verão,
num barco que se estendia pelo Tejo (anos 70), sentiu muitas dores e
corrimento. Falou à mãe que arranjou logo múltiplos panos para colocar
nas calcinhas, deu-lhe um Saridon para as dores, e alegremente disse-lhe
que já era uma Senhora.
O pai, informado
pela mulher, soergueu-a um pouco, abraçando-a, e dizendo: tu és uma
mulher!
Chegados a casa, o
pai disse-lhe para ter cuidado com os rapazes, senão ficava grávida.
Pergunta. Ao que o pai, embaraçado, disse que o melhor era o afastamento
dos rapazes.
As revistas femininas, tal como as dos anos 20 e
30, falavam de como reafirmar os seios, pôr batom, e manter a pele
clara. Os homens podiam alargar os seus ombros tornando-se mais másculos
(Amor e Sexo no Portugal de
Salazar. Isabel Freire).
Inês Brasão afirma
que a partir de 1931 a Igreja Católica fica cada vez mais preocupada com
o cinema.
O teatro e os romances eram igualmente
perigosos. Em 1946, a actriz Rita Hayworth era a protagonista de Gilda.
(O Tempo das Criadas. Inês
Brasão. 2012)
O decote da actriz
levou muitos jovens a fantasias perdidas. O dito filme foi logo
mal classificado na Classificação Moral das Películas: os cortes da
censura que existem na cinemateca fazem a maravilha de cinéfilos e não
cinéfilos.
Luís Miguel Oliveira sublinhou que foi através
do cinema que se fez a educação sentimental de gerações (Amor
e Sexo no Portugal de Salazar. Isabel Freire).
Mário Zambujal
terá dito à socióloga Isabel Freire que quanto mais uma coisa era
proibida, mais apetecida era.
Nos anos 50 quais
eram as relações pré-nupciais ou adúlteras que não estragavam a
moralidade e os costumes? A masturbação e o coito interrompido.
A dita masturbação
seria praticada por mais de 90 % dos rapazes.
Sobre as mulheres
nada se sabia.
Nos campos, os
rapazes copulavam com cabras e ovelhas.
Nos meios urbanos
o sexo masculino recorria a almofadas ou peças estofadas.
Maria de Castro,
em 1959, refere a contradição do sexo masculino. O homem não gosta da
mulher fácil. O ideal será a jovem, numa perversão imensa, ter atitudes
sensuais, mas nunca perder o equilíbrio moral.
Os homens ficariam doidos. Pediriam logo em
casamento. As jovens, muito difíceis, revelavam, muito baixinho, um
talvez, após o pedido de casamento. (Amor
e Sexo no Portugal de Salazar. Isabel Freire)
Isabel Freire,
refere o namoro cândido de 8 anos de um casal rural. Claro que o então
jovem tinha muitas namoradas às escondidas…ao fim de oito anos, a
família da jovem autorizou núpcias e finalmente houve relações sexuais.
Mário Zambujal refere
a excitação das matinés no cinema Restelo. Ou a beira Tejo com mãos
impacientes. Mas, a namorada marcava os limites da moral. (Amor
e Sexo no Portugal de Salazar. Isabel Freire).
Silveira Nunes, psiquiatra, dizia o fundamental:
tudo era permitido menos a penetração. E em Janeiro de 1953 havia
multas: mão na mão – 2$50; Mão naquilo – 15$00; aquilo na mão – 30$00; …
Já se sabe que não havia demonstrações de carinho em público: Mário
Zambujal assim o refere num livro sobre a Lisboa dos anos 50. Falava-se
abundantemente que nos EUA qualquer operário dispunha de um Ford, a
prestações. Ao longo de estradas e estradas, saber-se-ia lá o que os
jovens fariam uns aos outros dentro do automóvel, esse risco urbano. (Amor
e Sexo no Portugal de Salazar. Isabel Freire).
Um senhor, ao longo de edições e edições da
Crónica Feminina, pretende
conhecer uma alma gémea para casar. Surgem muitas candidatas. O senhor,
decide-se por uma jovem que está interessada em casar, mas, somente se
lhe der uma liberdade absoluta. O senhor calculou tratar-se de uma
boémia. Outras candidatas vieram: coristas, costureiras, jovens
universitárias, a pedir marido rico, etc. Afinal a alma gémea estava
perto e a bom caminho: era a secretária do pai (Amor
e Sexo no Portugal de Salazar. Isabel Freire).
Havia a criada (O
Tempo das Criadas. Inês Brasão;
Amor e Sexo no Portugal de
Salazar. Isabel Freire).
Dormia em casa dos
patrões. Trabalhava de manhã à noite, ganhava o almoço e o jantar e uns
poucos tostões. Ao Domingo era a folga.
A operária trabalhava nas fábricas de costura. A
hora de saída era às 19:00 horas, mas os clientes vinham muito mais
tarde. Uma jovem que era casada, recebia a visita do marido ciumento, à
porta da fábrica e fazendo escândalo. A jovem gostava de um camiseiro,
homem casado e sério. Mas, só depois do marido dessa jovem morrer, é que
pôde caminhar com aquele homem camiseiro, lado a lado, sem problemas. (Amor
e Sexo no Portugal de Salazar. Isabel Freire).
Voltemos à criada. Se engravidasse, era
despachada para a aldeia, onde teria o menino. Em princípio regressaria,
se a patroa não se importasse. (Amor e Sexo no Portugal de Salazar. Isabel Freire).
Irene Pimentel refere o romance
Diário de uma Criada de Quarto
de Octave Mirbeau que Buñuel adaptou para o cinema.
A empregada
doméstica permanente, a trabalhar por tuta e meia foi desaparecendo de
todos os países europeus e dos Estados Unidos, e posteriormente, em
Portugal.
Nos EUA, nos anos
50, a diminuição de criadas era tanta que deu origem ao fenómeno do
babysitting.
Na Crónica
Feminina, no final dos anos 50, indignadas articulistas, referiam
que uma criada auferiria mais de 1240$00, o que equivaleria ao ordenado
de uma funcionária pública. (Amor e Sexo no Portugal de Salazar. Isabel Freire).
Rapidamente, ao
longo dos anos 60, desapareciam as criadas e chegavam as empregadas
domésticas, 2 ou 3 vezes por semana, com um horário estipulado.
Só na alta
sociedade, permaneceriam os criados e as criadas, vestidos
exemplarmente, que encantavam os públicos pela juventude e beleza.
Lisboa, apesar de plebeia, já tinha prostituição
de alto nível. O Maxim´s e o Menina eram já uma solução para muitos
homens (Quotidianos Femininos.Paulo
Guinote; Amor e Sexo no Portugal
de Salazar. Isabel Freire).
Os maridos iam às prostitutas. As esposas não
ficavam impressionadas. Em 1930 pensou-se em extinguir as casas de
prostituição regulamentadas (Quotidianos
Femininos.Paulo Guinote). Em 1949 existe uma lei de proibição “leve”
do exercício desta profissão. Paulo Guinote refere que a partir daí, a
prostituição, entra na clandestinidade.
Ginecologistas havia a falar da sífilis como o
problema maior. Inês Brasão explica que nos finais dos anos 30 havia
autênticas cruzadas contra a sífilis. Mas, a verdadeira lei que proíbe a
sério a prostituição é de finais de 1962. Revogada em 1982,
estabelece-se então o crime de lenocínio. (O Tempo das Criadas. Inês Brasão;
Amor e Sexo no Portugal de Salazar. Isabel Freire).
Nos anos 50, 12 % das casas não tinham cozinha;
58 % não possuía retrete; 82 % não dispunham de casa de banho; em 71 %
não corria água canalizada; em 62 % dos tectos faltava electricidade; e
mais de 90 000 pessoas viviam em barracas. (Amor
e Sexo no Portugal de Salazar. Isabel Freire).
A mulher, além de
parideira, educava os filhos, mais atrevidos, com umas sovas e umas
palmadas que doíam.
Os rapazes não
tinham qualquer pressa em casar: gostavam de flirtar, iam às prostitutas
favoritas, eram sobretudo benfiquistas, iam ao futebol e enchiam os
estádios.
Aos domingos, por volta das 15:00 horas, as
telefonias portuguesas gritavam bem alto, com os locutores de futebol,
cada vez mais inventivos, e por todo o País, os homens colados ao rádio,
transparecia felicidade. Nas
revistas femininas, aconselhava-se as jovens esposas, a ceder aos
desejos do marido . (Amor e Sexo
no Portugal de Salazar. Isabel Freire).
Maria Artur Botequilha, dizia: um dia, na praia,
foi apresentada por um amigo como a mulher de A, a irmã de B e a mãe
daquelas crianças que brincavam à beira mar. Nem o meu primeiro nome se
referiu. (Amor e Sexo no Portugal
de Salazar. Isabel Freire).
O leitor católico, pai de
família, vivia horrorizado com a União Soviética, promíscua gente. Mas,
o mesmo católico, não gostava nada dos EUA. Aqueles filmes, já depois de
censurados, podiam ser vistos por ele e pelos amigos. Mas, as mulheres,
coitadas, seria uma insanidade.
A socióloga Anália
Torres referia a infelicidade do casamento salazarista, vivido pelas
mulheres dramaticamente. Elas viviam exclusivamente para os filhos. Ele
ia para o café ou para a taberna, tinha relações extraconjugais como
qualquer outro dos amigos, e o espaço público era dele.
A revista
Menina e Moça criticava ferozmente a vida das mulheres nos EUA. É
que havia, veja-se lá, electrodomésticos. (Amor
e Sexo no Portugal de Salazar. Isabel Freire).
A tão feminista
Maria Lamas, afirmava que depois do casamento, as mulheres caíam no
desmazelo. Como tal, não atrairiam o marido. Entretanto, nos EUA,
inventavam-se as meias de nylon. As mulheres, com pernas mais ou menos
feias, com aquele belíssimo nylon, apresentavam um ar sensual.
Anália Torres
insiste em que nas fábricas de têxteis, milhares e milhares de mulheres
trabalhavam afanosamente. Nem todas as mulheres eram somente donas de
casa. As operárias e as camponesas tinham de trabalhar, por causa da
fome, e da miséria.
A ensaísta e poetisa Ana Hatherley disse que
teve de pagar um alto preço pela singularidade de ser ela própria, uma
pessoa. . (Amor e Sexo no Portugal de Salazar. Isabel Freire).
Adelaide Cabette, médica, estando
em Luanda, num quarto do Hotel Central, nos anos 30, ouviu um repicar de
sinos. Ao criado negro perguntou se havia festa na cidade. Disse que era
o casamento de um branco. Cabette perguntou se um negro não tinha
direito a repicar de sinos, quando casava. O dito criado preto explicou:
os pretos não casam na igreja, com excepção de alguns que possuam uma
grande fortuna . (Amor e Sexo no Portugal de Salazar. Isabel Freire).
A médica fica a
pensar sobre essa união sem compromissos. O criado negro explica: o
casamento vem de Deus que está em toda a parte.
O preto casa com uma preta, não é preciso
nenhuma cerimónia, porque Deus assim o quer. O noivo preto compra a
noiva preta ao pai, por algum dinheiro. Se não resultar a relação, o
preto fica automaticamente livre, e a preta terá de ter outra vez muito
dinheiro para voltar a casar . (Amor e Sexo no Portugal de Salazar. Isabel Freire).
Anália Torres
sublinha que só a partir dos anos 60 é que os casais se mentalizam para
um amor duradouro.
O divórcio, era
algo de tão distante, que a mentalidade lusa puritana, alertava contra
os seus perigos.
Filomena Mónica, também falara do divórcio.(Bilhete
de Identidade. Maria Filomena Mónica).
Não raras vezes, a
mulher enganada, ia à cartomante ou até à bruxa, tratar do afastamento
do marido da amante do marido.
Quando a traição partia da esposa, havia sangue
e escândalo. (Paulo Guinoto. (Amor
e Sexo no Portugal de Salazar. Isabel Freire).
A Concordata do
Estado português com a Santa Sé em 1940, tornou impossível o divórcio,
no que respeita ao casamento religioso.
Os homens, diziam
as revistas, tinham nascido mesmo assim: poligâmicos, atraídos por
qualquer rabo de saia. As mesmas revistas lá diziam que a mulher não
tinha esses instintos e precisava do lar e de sossego.
Os homens casados
tinham de cumprir com a mensalidade monetária para a família. A partir
daí, soltavam-se, para o futebol ou para a taberna; para a manteúda ou
para a prostituta, divertindo-se ainda, na companhia de outros homens, a
beber umas cervejas, bagaços e whiskies em sítios mais cordatos.
Isabel Freire
entrevistou um senhor, de entre muitos outros, que dizia: nos anos 50 a
sexualidade das mulheres era apenas um instrumento da sexualidade dos
homens.
Uma senhora,
também ela entrevistada por Isabel Freire, tinha 17 anos quando casou
com um homem muito mais velho.
Foi de comboio para o Porto, para um pequeno
hotel. A senhora, para grande felicidade dela, nem sequer teve de exibir
o corpo nu nem privou com a nudez do marido. O marido, mais ou menos
experiente, conduziu a consumação do acto e finalizou com um casto beijo
na testa da jovem. Estava feita a noite de núpcias. (Amor
e Sexo no Portugal de Salazar. Isabel Freire).
Em alguma
literatura dos anos 50 referia-se abertamente que o desfloramento da
virgem poderia ser traumático.
Ainda nos anos 50,
o que se esperava de uma esposa no leito era o total silêncio e
obediência.
Muitos homens gostavam de fazer amor com a
mulher vestida ou meio vestida, imaginando-se no papel de violadores.
Claro que não era a regra. Mas, possuía mais sensualidade, copular com
uma mulher vestida, disso não haveria dúvidas. Já se falava de
preliminares. No livro
Quotidianos Femininos, Paulo Guinote referia literatura médica sobre
essas questões.
Ainda nos anos 50
(tal como nos 60), mulher que casasse, tinha de dar à luz uma prole
apreciável.
Quando uma mulher
ousava dizer que não queria filhos, para se resguardar numa vida a dois
com o marido, era normalmente posta de lado pela sociedade conservadora.
Paulo Guinote, por exemplo, referia que mesmo as
feministas da época nunca punham em causa o papel de mãe. Mas, se a
esposa mãe só se entregasse à criança recém-nascida, os maridos podiam
não gostar. Paulo Guinote dizia que o mais comum era que a mulher
engravidasse logo a seguir, para não haver problemas. (Quotidianos
Femininos.Paulo Guinote)
O Vaticano só aceitava o “método contraceptivo”
Ogino-Knaus (estimação da data da ovulação). Por sua vez o
preservativo de borracha, quase não tinha adesões. As norte-americanas,
nos anos 50, usavam a lavagem vaginal. Muitas portuguesas também já o
faziam.
Maria Filomena
Mónica, na sua autobiografia, conta que em 1964 foi pedir a pílula a um
médico especialista. O doutor recusou, invocando o facto de ser
católico.
As resistências à
pílula foram generalizadas. O parto acontecia em casa, com a parteira. O
homem não assistia.
Isabel Freire
constatou, no seu estudo, que as chamadas dores de parto permitiriam à
mulher espiar o pecado original.
Irene Pimentel
defendia que os valores terrivelmente altos de mortalidade infantil
resultavam que, por cada mil nascimentos, 150 bebés morriam.
A socióloga Isabel
Freire entrevistou uma senhora que fazia “desmanchos”. Pagava-se 150$00.
E o tema era tabu.
Segundo Maria
Antónia Palla, o aborto era o grande drama das mulheres. Por exemplo,
nos anos 60, uma médica parteira na Picheleira levava 500$00.
Muitas mulheres do povo usavam as agulhas de
crochet que lhes fariam perfurações no útero ou iam mais longe e tomavam
comprimidos de permanganato de potássio. (Amor
e Sexo no Portugal de Salazar. Isabel Freire).
Nos campos para se
abortar, introduzia-se no útero, uma pequena haste de madeira ou o caule
de salsa. Muitas camponesas morriam assim.
Mas, havia a
mulher de classe alta. Viajava de avião, conduzia o automóvel, falava ao
telefone, escrevia na máquina de escrever, e até ia ao snack-bar.
O investigador
Antoine Prost referiu que em França, em 1965, se produziam, pela
primeira vez, mais calças para mulher do que saias.
O cigarro estava
ligado à emancipação da mulher.
O soutien gorge
tornava-se indispensável: com uma cinta maleável e envolvente que
tornava qualquer mulher uma elegância.
Alçada Baptista
defendia que em meados do século XX a própria mulher de esquerda era
machista e puritana.
Em 1961 é publicado o célebre artigo “Carta a
Uma Jovem Portuguesa”. (História
da Vida Privada. Verónica Policarpo)
Era uma carta
contra a moral sexual hipócrita do Estado Novo.
A mulher no
salazarismo tinha o cabelo muito mais comprido, ondeado em mises, e
usava tailleur completo com as saias compridas e, algo largas, para não
ferir o olhar dos homens mais desprevenidos.
Dos anos 20 estas
mulheres dos anos 30, 40 e 50, repescaram a combinação, o soutien gorge
e as calcinhas.
As “mises” lá
foram ondeando os cabelos até praticamente ao 25 de Abril.
Nas classes altas
o tailleur parisiense impunha-se. Nas festas galantes, sempre na alta
sociedade, ou se ia buscar o vestido a Paris ou havia aquela modista que
construía o modelo ideal que uma menina vira numa dessas revistas da
moda. Aliás, a figura da modista continua largamente até 1974.
As cançonetistas
rivais eram Madalena Iglésias (1939) e Simone de Oliveira (1938): havia
recortes dos vestidos que elas usavam nas várias cerimónias e
espectáculos.
Portugal tinha
entrado na EFTA a 4 de Janeiro de 1960. O desenvolvimento económico
português na altura era de mais de 7 % ao ano.
Mas, o país era,
sobretudo, rural e migrante. Um milhão de portugueses saiu do País na
década de 60, para fugir à fome e à guerra.
Em Lisboa, tal
como no Porto, duplicam-se ordenados, porque há mais dinheiro nas
cidades.
Em 1967 abre um restaurante snack que vai
revolucionar Lisboa: o Galeto.
Compram-se mais carros. Esta loucura
expansionista da economia europeia só é travada, a fundo, com a grande
crise do petróleo em 1973. (Anos 60. Joana S. Vilela/Nick Mrozowski.).
Henry Miller, o autor de
Trópico de Câncer, chega a
Lisboa em Maio de 1960. O já idoso escritor mete-se num táxi e pede para
o levar para a Rua Rodrigues Sampaio, ao nº 52, no 5º andar. Miller bate
à porta e surge uma mulher ninfa, linda, entre o porte grego e a
voluptuosidade de uma Marilyn, muito espantada por ver à beira dela um
dos maiores escritores da época.
Os serões de
Natália Correia, no final dos anos 50, largavam uma aura de conspiração
contra o regime e de intelectualidade: Maria Teresa Horta, Urbano
Tavares Rodrigues, o próprio Almada Negreiros, o editor Ribeiro de
Mello, Ary dos Santos e Fernando Dacosta pairavam à volta de Natália, o
sol dos múltiplos debates ideológicos.
Em 1971 abre o
Botequim de Natália Correia no Largo da Graça: mais jovens e outros
mundos se iriam debater até à morte da poetisa em 1993.
Entretanto, em 1961, a
Guerra Colonial tinha início.
O Presidente Kennedy exige a Salazar a independência de Angola,
preocupado com a influência da União Soviética em África. Salazar, faz
ouvidos moucos e envia tropas para combater tumultos. (15 de Março de
1961). (Anos 60. Joana S.
Vilela/Nick Mrozowski).
Mas, Lisboa continuava a “arder”: a 2 de Julho
de 1961, abre a Feira Popular em Entrecampos. Cada entrada custava 15
tostões. Jogava-se no totobola, a partir de 24 de Setembro de 1961. (Anos
60. Joana S. Vilela/Nick Mrozowski).
O Teatro Moderno de Lisboa abre com a direcção
de nomes de primeira cepa: Armando Cortez, Carmen Dolores, Fernando
Gusmão e Rogério Paulo. O director de cena era Ruy de Carvalho. A
censura estava sempre presente nas peças que eram representadas. Eram já
os primórdios do que seria mais tarde o Teatro Aberto e a Comuna. (Anos
60. Joana S. Vilela/Nick Mrozowski).
Em 61, em Outubro, para gáudio de muitas donas
de casa, surge o primeiro supermercado Modelo. Era no Saldanha, tinha
snack-bar, produtos frescos, plásticos, pratos já prontos, tudo passado
por “extraordinárias registadoras-calculadoras” (Anos
60. Joana S. Vilela/Nick Mrozowski).
Estes dois
historiadores, referem que Johnny Hallyday, então com 18 anos, foi para
o Teatro Monumental cantar rock’n roll e twist, colocando meninas e
meninas numa histeria tal, que Jorge Alves teve de intervir, senão o
espectáculo teria de ser suspenso.
Muitos serão os que se lembram da autêntica
revolução de design que a Olaio conseguiu, a partir de 1958, até muito
mais tarde. Hotéis, casas e snack-bares vão sendo modernizados, com um
toque nórdico. (Anos 60.
Joana S. Vilela/Nick Mrozowski).
Em 1963 surge uma das melhores revistas
literárias do século XX, O Tempo
e o Modo: eram só celebridades. Vasco Pulido Valente, Alçada
Baptista, Bénard da Costa, Helena e Alberto Vaz da Silva, Pedro Támen,
Nuno Bragança, Ruy Bello, Sophia, Eduardo Lourenço, Medeiros Ferreira,
Mário Soares, Jorge Sampaio, Jorge de Sena, Salgado Zenha, Sotto Mayor
Cardia (Anos 60. Joana S.
Vilela/Nick Mrozowski).
A revista marcou
um tempo de grandes debates ideológicos em torno de questionamentos. Por
exemplo, Alçada Baptista, questionou a família tradicional. Reflectia-se
sobre as origens do amor romântico e os novos papéis profissionais da
mulher trabalhadora. A religião tradicional era posta em causa.
Falava-se de utopias e de distopias.
Também em 1963,
acabam os filmes líricos dos vascos santanas e surge o cinema diferente.
Paulo Rocha apresenta
Os Verdes Anos, com a actriz
Isabel Ruth. Carlos Paredes faz-se ouvir em fundo, com a sua guitarra na
composição com o mesmo nome.
Era a Nouvelle Vague portuguesa. Os jovens
universitários, em 1964, num escopo sociológico(Anos
60. Joana S. Vilela/Nick Mrozowski).
Apresentam-se
conservadores, recatados e pouco viajados. A guerra no Ultramar era o
problema mais importante. O passatempo preferido era a leitura.
O estudante típico
pensava que a mulher tinha de casar para proteger a casa e os filhos.
Metade dos jovens discordava do divórcio. A
virgindade da mulher era fundamental para 73 % dos rapazes. Eram contra
os anticoncepcionais. (Anos 60. Joana S. Vilela/Nick Mrozowski).
Fumava-se muito:
SG gigante, filtro, ventil, Kayak, Ritz, e outros.
Em 1973 chegam os
tupperwares. Bebia-se Toddy. Comprava-se casa na Reboleira ou em Sto.
António dos Cavaleiros, através de J. Pimenta. Após a Reboleira surgem
Paço de Arcos e Cascais: casas relativamente pequenas, com material mais
barato, mas que fazia toda a diferença para os curtos ordenados
portugueses.
Nos anos 60, Vasco
Morgado, o grande empresário de espectáculos, chega a empregar 3 000
pessoas: Laura Alves é a diva.
Com a sua pose de
galã conquistou a diva Laura Alves.
O Monumental tinha
sempre concursos ié-ié e, matinés dançantes de rock.
Por exemplo, a
actriz Io Appolloni, é a estrela do Parque Mayer, nos anos 60.
Quando chegou a
Lisboa tinha 20 anos, de nacionalidade italiana e deslumbrou o colega
mais velho Camilo de Oliveira.
Vasco Morgado contratou-a várias vezes. “Tinha
um sex-appeal” natural. (Anos 60.
Joana S. Vilela/Nick Mrozowski).
A Por-fi-ri-os
contraste abre a loja de moda a 5 de Dezembro de 1965. A Porfirios
original, provinha de uma loja de meias no Porto.
As raparigas, em filas e filas, adoravam mexer
nos trajes com sabor londrino. As empregadas usavam todas mini-saia. Em
fundo ouviam-se os Beatles. Mas, a primeira boutique de moda para
adolescentes, foi a Tara em 1963, em Cascais e no Chiado. A Delfieu tinha calças â
boca-de-sino de todas as cores. (Anos
60. Joana S. Vilela/Nick Mrozowski).
O jovem Fernando
Ribeiro de Mello, proveniente do Porto, pequenino mas de olhos azuis,
com um bigode à Dali, junta-se a Vitor Silva Tavares e forma uma editora
com o nome de Afrodite.
Em 1965 sai o Kamasutra. Publica a
Antologia de Poesia Erótica e
Satírica, organizada por Natália. Ribeiro de Mello avança com uma
Antologia do Humor Português e outra Antologia do Conto Abominável. (Anos
60. Joana S. Vilela/Nick Mrozowski).
Vai tudo a tribunal. De Luiz Pacheco, Cesariny,
Ernesto de Mello e Castro e Natália. Mas, a antologia continuava:
clandestinamente, através de Luís Alves Dias vendiam-se livros
proibidos, à surrelfa. A PIDE perguntava se Luís Alves Dias tinha livros
proibidos, ao que o mesmo dizia, inocentemente, que não… (Anos
60. Joana S. Vilela/Nick Mrozowski).
E agora a RTP: 200
jovens, muito entusiasmados, com uma “tecnologia” nova.
Mário Castrim, inicia a 4 de Janeiro de 1966, no
Diário de Lisboa, a rúbrica
O que vimos e ouvimos.
A rúbrica diária
durou mais de 20 anos. Um namorado da minha mãe, na ignorância dos seus
15 anos, foi à RTP, a um programa sobre jovens adolescentes, e cantou
uma produção de sua autoria. No dia seguinte, para seu grande espanto e
dos seus pais, Mário Castrim destruía a sua fraca exibição com
adjectivos tão empolgantes que até o pediatra que o seguia, lhe receitou
um calmante por causa dos nervos. Após esses tempos, tivemos o prazer de
ler o Mário Castrim a destruir os corações de muita gente, uns mais
novos outros mais velhos, sempre com a acutilância divina da ironia.
A mulher de Mário Castrim, a escritora Alice
Vieira, jornalista nessa altura, viveu uma paixão de 40 anos que se
iniciou com um escândalo. “Ele tinha mais 23 anos que eu, era casado,
estávamos nos anos 60” (Anos 60.
Joana S. Vilela/Nick Mrozowski).
A pílula chega a
Portugal em 1962. Mas, o planeamento familiar demoraria mais 14 anos.
A contracepção não
era um tema de que se falasse em público.
Nas barracas dos arredores de Lisboa, mulheres
havia com 9 e 10 filhos. O que valia era a pílula Anovlar. Quando se ia
ao estrangeiro pedia-se a dita pílula. Os abortos aconteciam porque as
mães queriam proteger as filhas do escândalo. (Anos
60. Joana S. Vilela/Nick Mrozowski).
As
enfermeiras-parteiras estavam colocadas estrategicamente por toda a
cidade, mas eram clandestinas.
Quem tinha
dinheiro ia a Londres. Havia outros métodos: chás “específicos” para
criar uma turbulência tal no organismo que não raras vezes morriam o
feto e a mãe.
Os padres nunca tinham ouvido falar na pílula,
mas, em 1968, com a Encíclica Humanae Vitae, virada contra esses
comprimidos, faziam homilias espalhando ingenuamente o nome maldito da
Anovlar. (Anos 60. Joana S.
Vilela/Nick Mrozowski).
Mas não falemos de
tristezas: em Setembro de 1968 o jet set internacional, em Colares e em
Alcoitão, correu para festas de grande brilhantismo.
Os hotéis
principais de Lisboa, o Ritz, o Tivoli e o hotel Palácio esgotaram a
lotação. Salazar andava furioso. Não queria que os seus ministros fossem
para aqueles lugares promíscuos.
Por cada celebridade que chegava a Lisboa, lá
andava a RTP com o galã Henrique Mendes. (Anos
60. Joana S. Vilela/Nick Mrozowski).
Em final de Julho de 1968, Salazar estava no
Forte de Sto António em S. João do Estoril. Tinha ao pé uma cadeira de
lona, como a dos realizadores de cinema, “cai mal, a cadeira tomba e com
ela o ditador, que bate com a cabeça nas lajes duras do chão” (Anos
60. Joana S. Vilela/Nick Mrozowski).
Morreria a 27 de
Julho de 1970.
Em 1969 chegou o revolucionário
Zip Zip.
Gravado no Teatro
Villaret, com uma plateia repleta, só editado nos dois dias seguintes e
emitido às segundas-feiras.
Almada Negreiros
passou pelo Zip Zip (no próprio ano da sua morte).
O jovem José Nuno Martins apresentava José
Barata Moura, Padre Fanhais ou Manuel Freire. Os apresentadores eram
Raul Solnado, Fialho Gouveia e Carlos Cruz. (Anos
60. Joana S. Vilela/Nick Mrozowski).
Para acabar bem a década, a 2 de Outubro de
1969, Lisboa recebe a Gulbenkian e, com a morte de Salazar em 1970,
muitas esperanças se acalentaram (Anos
60. Joana S. Vilela/Nick Mrozowski).
Após o 25 de Abril
de 1974 os rapazes e as raparigas já se podiam abraçar em público.
Usava-se uma roupa
revolucionária andrógina entre jeans, botas e coloridas camisas.
Importava mais para os jovens ler a primeira
página de O Capital de Karl Marx, ou Lenine ou Mao Tsé Tung do que ler as
revistas de moda.
Sartre e Beauvoir
vieram “beber” a revolução em 1975.
Os “reaccionários”
viviam no Brasil ou em Espanha.
Spínola ainda
tentou falar com Champalimaud, mas, afastado Spínola. Champalimaud
viajou para o Brasil.
Portugal estava a
passar por uma grande crise económica: em 1975, quase um milhão de
pessoas, provenientes das ex-colónias, assentaram em Lisboa, no Porto e
nalguns outros pontos do país.
Eram os
retornados.
Alguns ocuparam
hotéis, outros pensões e ainda outros ficaram em casa de famílias, de
norte a sul do país.
Apareciam com
roupas novas. Iam à praia e as raparigas usavam biquíni. Os retornados
começaram a entrar na função pública e em empresas nacionalizadas.
Como os
retornados, que iam a Joanesburgo falavam inglês, eram necessários como
interlocutores,
A intimidade nos
corpos também mudou: a pílula já tinha chegado a Portugal e as raparigas
mais instruídas tomavam os comprimidos de uma maneira certa.
O corpo feminino
era cada vez mais semelhante ao masculino: com excepção das barbas.
Havia no ar uma imensa vontade de fazer “comunas” entre jovens
universitários. Alguns mais empolgados, iam estudar para Moscovo ou para
a RDA.
O tabu do fazer
amor normativo, quebrou-se. A prostituição continuou clandestina.
O canto
livre invadia as rádios.
De José Jorge
Letria, a José Afonso, passando por Fernando Tordo a cantar Ary.
Ouvia-se Carlos Paredes, numa musicalidade intensa, diferente de tudo o
mais.
José Mário Branco
apelava à revolução contínua.
Amália rumou para
o Brasil.
Ninguém exibia
carros de marca muito qualificada.
E o fado tornou-se
canção através de Carlos do Carmo.
No Martim Moniz
abriu o Teatro Ad Hoc: um rapaz muito jovem e magro, chamado Herman
José, por lá andava.
O teatro de revista continuou a ser um sucesso.
Laura Alves, perspicaz, apresenta com brilhantismo “Espectáculos
despidos de preconceitos” (Diário de Lisboa. Vespertino. 1921-1989).
Magotes de rapazes
e raparigas, ávidos de dançar, iam ao Cais do Sodré e no Porto iam ao
Twins, à D. Urraca e Bateau.
Era a época do
Disco e, posteriormente, do travoltismo.
Foi promulgada a
lei do divórcio: em 1975, meio mundo se divorciou e outro meio mundo se
casou.
Nasceram muitos
meninos entre 75 e 76. Eu, fui um deles.
Até a televisão
era revolucionária: do Leste europeu, através de Vasco Granja, surgiam
desenhos animados diferentes.
O “mini” era o
carro do ano: era “mini” mas lá cabia toda a família. (Diário
de Lisboa)
Os portugueses do
continente habituaram-se a ver outros rostos, de cores diferentes.
As famílias que se
constituíam não tinham dinheiro para as rendas de Lisboa e do Porto.
Monte Abraão (Queluz), Seixal (margem Sul), Linda-a-Velha, Rio Tinto e
Vila Nova de Gaia, no Porto.
Lisboa e Porto
assistiam a um êxodo de famílias. À volta das cidades, juntamente com as
barracas do salazarismo, surgiam bairros de barracas com negros,
paquistaneses, chineses e outros.
Ser pobre ainda
era normal. Só os ricos é que dispunham de 50 a 60 contos para comprar
um pequeno automóvel.
Cresceu o
interesse em comprar uma televisão. A Singer começara com as máquinas de
costura e devagarinho alargou para os televisores, os frigoríficos e
algumas máquinas de lavar roupa. Tinha vantagens, porque se podia pagar
a prestações, a 10 meses.
Como os jovens,
sobretudo rapazes, queriam possuir um automóvel, começaram os leilões de
carros: pagava-se por mês uma importância, e com sorte, lá se obtinha o
carro ao 3º ou 4º ano consecutivos.
Quando se ia aos
stands de automóveis, aceitavam-se 10 a 12 cheques pré-datados ou
Letras.
Em 1977, a primeira telenovela brasileira
emitida em Portugal. Gabriela
inspirada num livro de Jorge Amado deslumbrava o país. Tudo parava à
hora da novela.
Na Assembleia da
República apressavam-se os trabalhos para se chegar a tempo da novela.
Portugal descobre
um Brasil desconhecido: Gabriela, a protagonista, apresentava-se
decotada, e erotisável. Os homens começam a preferir a mulher-desejo à
mulher andrógina. Mais divórcios.
Por pouco tempo,
logo a seguir ao 25 de Abril com os feminismos, não se exibiram filmes
pornográficos. Os homens foram inundados por revistas porno ou eróticas
nas tabacarias e quiosques.
Surgiu o Unibolso: os homens poderiam ver
pornografia em sessões contínuas. Surgiu a
Emanuelle versão 1. Mulheres e
homens foram ver e gostaram.
A pouco e pouco
voltaram os concursos de misses e as modas nas passerelles.
No Meco já havia
permissão de nudismo.
No Verão, não se
pagava a ponte, nomeada 25 de Abril, e passava-se horas e horas até
chegar à Costa da Caparica ou a Sesimbra.
O Estoril e
Cascais, apadrinhados pelo comboio, tinham cada vez mais Públicos.
No Porto já com os
carros ia-se para as praias de Leça. Os portuenses que não tinham carro
preferiam as de Matosinhos ou da Foz.
Os mais abonados,
faziam férias numa casa alugada no Algarve ou iam para pensões.
Faziam-se termas.
As do Luso e de Vidago eram as mais famosas.
Após a paixão pela
política, os jovens voltavam-se para as artes. Os conservatórios eram
muito disputados.
A famosa mulher de Azeredo Perdigão, Presidente
da Gulbenkian, transportou para o Conservatório o curso de
Arte pela Arte.
No Palácio Foz, em
Lisboa, passavam ciclos de cinema soviético, as obras de Hitchcock e os
clássicos de James Dean e de Cary Grant.
Na televisão, além
das novelas brasileiras, passavam séries britânicas.
Ser-se da
contracultura era moda.
Os poetas
alternativos, de Alberto Pimenta a Al berto, e os escritores Saramago,
Lobo Antunes e Lídia Jorge, rebentaram com as estruturas da literatura
neorrealista e mesmo da literatura do movimento 61.
Nos anos 70 abrem
os centros comerciais Apolo 70; Alvalade e Imaviz.
O primeiro deles,
além de 1 ou 2 salas de cinema, tinha um snack bar muito apelativo em
baixo, pronto a vestir feminino e masculino em abundância, uma tabacaria
com ar de modernidade, uma livraria com os sucessos editoriais, e um
cabeleireiro unisexo.
Pedro Bandeira
Freire, após o 25 de Abril, abre o Quarteto, quatro mini-salas de
cinema, onde toda a intelectualidade passou a deslocar-se para visionar
o bom cinema, sem censuras, que andavam por aí.
Os anos 80 são a marca da diferença.
Finalmente, o
corpo feminino cada vez mais se distanciava do masculino e, nos dias de
hoje, o feminino é a diferenciação absoluta do masculino.
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