REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 50 | fevereiro-março | 2015

 
 

 

CECÍLIA BARREIRA

Sexualidades em construção

Cecília Barreira é actualmente professora de Cultura Contemporânea na Universidade Nova de Lisboa. Pertence ao CHAM, onde é investigadora de periódicos. Pertence aos grupos de pesquisa AMONET e IRENNE, sobre questões de género. Licenciada em História, com Doutoramento e Agregação em Estudos Portugueses, interessa-se particularmente pela História das Mentalidades.

 

EDITOR | TRIPLOV

 
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Dir. Maria Estela Guedes  
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Todas as manifestações deviam ser de taxistas.
Pedro Mexia
(Fora do Mundo.2004)

   
 

A figura do sexólogo começa a emergir entre 75 e 77. A historiadora Verónica Policarpo (Sexualidades em Construção, entre o Privado e o Público in Os Nossos Dias. Coordenação de Ana Nunes de Almeida. 2011) assinala que as questões periféricas como a homossexualidade e a prostituição continuam clandestinas.

Os anos 80 nascem com o yupie, uma nova cultura do lazer vivia-se em Portugal após 1986. O consumo privado é assinalável. As famílias todas querem obter um automóvel. Comprava-se a prestações a televisão a cores ou o videogravador. O consumo do sexo privatiza-se: os indivíduos sozinhos ou em casal, assistem comodamente em casa, através de cassetes de vídeo, a filmes pornográficos. Os rapazes, por norma, acedem sozinhos à pornografia.

Em 1982 descriminaliza-se a prostituição. Nos anos 80 iniciam-se as ladies nights e o striptease masculino.

Os jovens com pais católicos concordam com as saídas dos rapazes à noite. Mas, esses mesmos pais temiam que as filhas ficassem grávidas se saíssem. O sentimento amoroso é cada vez mais privilegiado, em desprimor do celebérrimo casamento para procriação.

O primeiro caso diagnosticado com HIV surge em 1983. No ano seguinte fala-se indirectamente de um problema pulmonar que vitimaria António Variações. Entretanto, iam morrendo Rock Hudson, Lauro Corona ou Cazuza.

Em 1983 o Diário de Notícias associa o HIV à homossexualidade: a peste cor de rosa e a doença dos homossexuais. (Sexualidades em Construção, entre o Privado e o Público in Os Nossos Dias. Coordenação de Ana Nunes de Almeida. 2011). Tal como nos diz a historiadora, os homossexuais masculinos são apresentados como responsáveis.

Outros temas tornavam-se completamente invisíveis: a heterossexualidade, o lesbianismo, a bissexualidade.

Os preconceitos avançam em relação ao HIV. Mas, na década a seguir um cada vez maior número de pessoas é infectado. Claro que o preservativo começa a ser publicitado em todo o lado. Os mais jovens aderem.

Em 1985 é fundada a Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica. Fala-se cada vez mais de impotência sexual e de frigidez.

Mas, os sexólogos, tal como os psiquiatras e os psicólogos classificam os comportamentos todos: por exemplo, as parafilias (Sexualidades em Construção, entre o Privado e o Público in Os Nossos Dias. Coordenação de Ana Nunes de Almeida. 2011).

Em Portugal a homossexualidade é descriminalizada em 1982. Mas, no discurso médico falava-se dessa preferência como um problema com possível tratamento.

Em 2001 passam a ser legais as uniões de facto, também para casais do mesmo sexo.

Em 2004 a Constituição inclui o artigo 13º, a proibição da descriminação em função da orientação sexual. Mas, como é óbvio, os casais do mesmo sexo não podiam adoptar nem procriar com assistência médica. Em 2006 é aprovada uma lei que regula a procriação medicamente assistida, a inseminação artificial e a fertilização in vitro. Mas, só as pessoas casadas, vivendo como cônjuges há, pelo menos, 2 anos é que têm acesso.

Em 2009 a sociedade portuguesa de sexologia clínica diz que a orientação sexual não heterossexual não é uma doença e como tal, não precisa de qualquer tratamento.

Os terapeutas, em grande parte, continuam a considerar um défice ser-se homossexual (Sexualidades em Construção, entre o Privado e o Público in Os Nossos Dias. Coordenação de Ana Nunes de Almeida. 2011).

Em 2010 é aprovado o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

 Na internet não há horas para nada. Tudo é possível. Surgem os poliamorosos. Através do anonimato permite-se a expressão de afectos e fantasias. As redes sociais são multifacetadas. Como diria Badinter, um é o outro; outro pode ser um. Surgem os predadores sexuais. Os adolescentes podem estar mais permeáveis. Os sexólogos passam das perversões às disfunções (Sexualidades em Construção, entre o Privado e o Público in Os Nossos Dias. Coordenação de Ana Nunes de Almeida. 2011). 

Nos anos 20 de novecentos as mulheres eram enfermeiras, dactilógrafas, secretárias e , pasme-se, telefonistas. A sociedade portuguesa, em Lisboa ou no Porto, não estava preparada para a mulher garçonne, tão volúvel.  

Florbela Espanca, corajosa e sem medos, divorciada várias vezes, fumando, era outra garçonne que até chegou a entrar na faculdade de Letras de Lisboa.

Tal como Pessoa, que também ele foi pesquisar o que os professores debitavam nessa faculdade, rapidamente desistiu de sebentas tão antigas que nada esclareciam sobre os saberes. Pensa-se que Pessoa não chegou a dar alguma importância a Florbela. Esta, mais preocupada com as paixões e os vestidos da moda, elaborava poemas uns atrás dos outros, desdenhando muito das poetisas célebres suas contemporâneas. Desdenhava ela muito bem. Bastava ler Virgínia Vitorino, enquadrada nos feminismos da época e lésbica, para se alcançar que Florbela era de outra cepa.

Pessoa lia furiosamente desde os clássicos até aos anglo-saxónicos. Não constava que aí houvesse mulheres escritoras. Talvez uma das poucas mulheres que ele leu fosse, derivado de um escândalo, a poetisa Judith Teixeira.

A garçonne continuou por Paris, Londres, Nova Iorque. Os gloriosos anos vinte, a descoberta do Jazzband, a estranha musicalidade de Armstrong e Porter, a descoberta do gramofone, o esboço escultural de Greta Garbo, o glamour do cinema, a popularidade das revistas de celebridades, exibiam uma mulher magra, cabelo curto, bem tratado, com um pequeno chapéu, colares muito longos, fumando com boquilha.

Portugal assistiu, a 28 de Maio de 1926, a um novo golpe de estado.

Era mais um, pensava-se. Gomes da Costa, general deste golpe de estado, rapidamente saiu de cena. O marechal Carmona, mais consensual, exibiu o pendor direitista do referido golpe.

Raul Proença (estudado até aos limites por António Reis) era um visionário: na Seara Nova, muito antes do 28 de Maio, e assistindo aos desenvolvimentos do palco europeu, adivinhava um golpe de direita. Muito contribuiu a grande crise financeira de 1929 que levou ao suicídio, desde banqueiros a simples empregados, que se viram no desemprego (sobretudo nos EUA).

As direitas europeias tinham o caminho certo para alcançar o poder. Portugal, Espanha, Itália, Alemanha nas direitas, e a União Soviética de Lenines e Estalines, outros totalitarismos e até a China com Mao.

O Dux conduzia e embriagava multidões em Itália, em Espanha, na Alemanha.

Portugal não tinha um Dux: surgiu timidamente a figura de Salazar, primeiro nas Finanças, depois na Presidência do Conselho de Ministros, muito preocupado em elaborar uma Constituição nova (1933) e a querer moralizar as modernices dos anos 20.

Com a Constituição de 1933 suprimiram-se as liberdades de associação, políticas, culturais, recreativas, desportivas.

O Governo podia dissolver qualquer associação já constituída. Partidos políticos não havia. A União Nacional era um “não partido”, único (Fernando Rosas. O Estado Novo in História de Portugal. 1992).

Sindicatos ou associações juvenis estavam no escrutínio dos polícias. Não podia haver uma associação de cidadãos, desde 1942, nem no ensino primário.

A censura prévia (de 1927 a 1974) era modelar e dependia do Secretariado de Propaganda Nacional, no início dirigida pelo jornalista António Ferro. Nenhum periódico, nenhum livro podiam ser distribuídos sem o olhar da censura.

A PIDE, polícia política, segundo Fernando Rosas, era a espinha dorsal do salazarismo.

Essa polícia era detentora do poder de prender qualquer cidadão, pelo tempo que quisesse e sem explicações.

O salazarismo escolhia um a um, os funcionários da função pública, tendo alguns sido expulsos, por práticas consideradas atentatórias. Lembremo-nos por exemplo, do poeta António Botto, expulso por mostrar interesse “pecaminoso” em relação a alguns colegas do sexo masculino. O poeta não foi o único a sofrer a descriminação. O romancista/poeta Luiz Pacheco, soube muito bem o que era a força da PIDE, e conheceu bem de perto a total miséria económica, com mulher e filhos, e com a dádiva de alguns intelectuais oposicionistas, que lá iam pagando a renda da casa.

Cesarinny, era outro dos malditos. A PIDE detestava-o, bem como ao modo altivo como exibia, sem problemas de consciência, a homossexualidade.

O Estado Novo não gostava de pervertidos: a minha mãe tinha a melhor amiga num colégio em Lisboa. Tinha um tio particularmente sujeito à descriminação social, era solteirão, trabalhava no Estado, portava-se bem no emprego, mas chegado o fim-de-semana, tomava uns copos a mais com os amigos e, sussurrava-se, seria “esquisito”.

Nessa altura, essa amiga morava num dos muitos arrabaldes de Lisboa, e havia só uma camioneta, que passava de hora a hora.

A camioneta colocava-a na grande cidade.

Numa das visitas o tio “esquisito”, filho de pai incógnito, meio-irmão do pai, perguntou se podia levar a sobrinha à Feira Popular. O pai ficou preocupado: aquele meio irmão pretendia, durante a tarde de um domingo, levar a angelical filha com semelhante companhia.

Mas a amiga da minha mãe berrava e queria ir à Feira Popular. O pai fez jurar o irmão que nunca deixaria largar a mão da menina.

Foi uma festa. O tio brincou tanto com ela, em muitos carroceis, por duas vezes lhe deu algodão doce, que ela comia com satisfação. E ainda lhe deu um rajá (gelado). Ela não se lembrava de o tio ter bebido outra coisa que não a célebre Laranjina C.

Muito mais tarde, após o 25 de Abril, de noite, o tio foi encontrado num canto de Lisboa, totalmente violentado e quase morto, sem que a família ficasse muito espantada com o que acontecera. Ela, adulta, já sabia. O tio, à noite, vivia nas marginalidades.

Um outro episódio vulgar envolvendo meninas.

Andando uma delas sempre satisfeita nos eléctricos amarelos da cidade, com as janelas abertas, para apanhar melhor os cheiros e as minudências, com os pais no banco da frente, chega, sem que se aperceba, um homem mais velho para o lugar do lado, que estava vago. O pai olha para trás. Vê um homem velho que avançaria com a mão para o corpo da menina.

O pai salta do banco, ergue bem alto a voz, fixa-se nos colarinhos do homem, diz palavras impróprias, levanta a filha do lugar em breves segundos e, com o público incrédulo, sai com grande estardalhaço. Questionou o pai sobre o que acontecera. Disse: há homens muito maus e muito porcos. E a filha perguntou, então pelas mulheres. O pai: disse que precisaria sempre de ter cuidado, mas eram em menor número.

Nomeando a res pública, Salazar, na comemoração do Ano X da Revolução Nacional, diz embevecido “às almas dilaceradas pela dúvida e o negativismo do século procurámos restituir o conforto das grandes certezas. Não discutimos Deus e a virtude; não discutimos a Pátria e a sua história; não discutimos a autoridade e o seu prestígio; não discutimos a família e a sua moral; não discutimos a glória do trabalho e o seu dever. (Fernando Rosas. O Estado Novo in História de Portugal. 1992).

O povo português, tal como nos assinala Fernando Rosas, era praticamente analfabeto.

Era preciso encenar as ditas certezas: seria a Política do Espírito. A Exposição do Mundo Português, realizada em 1940, comemorando duas datas (1140, fundação da nacionalidade e 1640, a restauração), corresponde ao período áureo do regime e da sua propaganda.

Quando António Ferro, responsável pelo SNI, o mesmo que em 1915 andou pelo Orpheu, e que no princípio dos anos 30 fez a mais brilhante entrevista a Salazar (publicada em livro), foi demitido em 1949. Nunca se soube a motivação dessa demissão.

Salazar não queria saber muito de política externa. Não escondeu a sua simpatia por Franco durante a Guerra Civil de Espanha. Mas, manteve-se “neutro” (Fernando Rosas. O Estado Novo in História de Portugal. 1992).  

Durante a II Guerra Mundial, Salazar jogou com a antiquíssima ligação à Grã-Bretanha, e o germanofilismo que ele próprio, Salazar, só confessava aos íntimos.

O Estado Novo manteve-se neutro. Aliás, Salazar dava-se especialmente bem com Franco. Aparentemente a Península Ibérica, na sua neutralidade, assinou o Tratado de Amizade e Não Agressão, a 13 de Março de 1939 (Fernando Rosas. O Estado Novo in História de Portugal. 1992).

O embaixador em Madrid era Pedro Teotónio Pereira.

Salazar ganhou com as posições negociais: a Grã-Bretanha velha amiga; Franco, neutral, mas com coração germanófilo; milhares e milhares de judeus residindo no Estoril e em Cascais, todos eles detentores de fortuna; a futura família real espanhola no Estoril e a aura de Lisboa, como uma Primavera num mundo de guerra (Fernando Rosas. O Estado Novo in História de Portugal. 1992).  

Nos anos 50, em Portugal, os anos da propaganda e da opressão, passada a euforia do povo pela vitória dos Aliados, a jornalista Maria Antónia Fiadeiro, numa entrevista, referia que os rapazes e as raparigas se vestiam de escuro. Cores, só nos sabonetes (Amor e Sexo no Estado Novo de Salazar. Isabel Freire).

O sexo feminino era o eleito do puritanismo: na imprensa da época era raríssimo mencionar a palavra sexo.

Isabel Freire fala de um senhor de uma classe média-baixa que não possuía telefone em casa. Ligava-se para o merceeiro, que bem alto participava a dita chamada. Se a chamada fosse para o segundo andar, portador de um badalo, eram cinco badaladas. Se fossem repicadas, era para o lado esquerdo. As donas de casa desciam até à mercearia para atender o telefone.

Em 1956,iniciava-se a Feira Popular, onde está hoje a Fundação Calouste Gulbenkian, e aí a RTP fez as primeiras experiências: o povinho, passava diante das câmaras, e ficava muito espantado. (Amor e Sexo no Estado Novo de Salazar. Isabel Freire).

Em muitas ruas de Lisboa uma vaca passava com a leiteira. As donas de casa pediam um bocadinho daquele leite gordo e quente. À frente de toda a gente, ordenhava-se o bicho.

Também havia as galinhas vivas. As donas de casa escolhiam-nas uma a uma, e assistiam impávidas e serenas ao corte do pescoço.

Através de Isabel Freire, que relembra Maria Filomena Mónica, falava-se das estreitas ruas da Baixa, casas minúsculas, carroças puxadas por mulas, e gente muito miserável, com fome e descalça: em 1950 o país era amplamente rural e sem saber escrever ao menos o nome.

As noivas chegavam castas ao dia do casamento, sem sequer saberem o que iria acontecer (Amor e Sexo no Portugal de Salazar. Isabel Freire).

De acordo com as estatísticas oficiais de 1940, cerca de 17 % das mulheres eram assalariadas. Dessas, 35 % eram criadas; 34 % trabalhadoras rurais; 20 % operárias.

Relembrando o historiador Miguel Cardina, nesses tempos, 90 % das raparigas universitárias eram contra o sexo antes do casamento.

Havia um grande desconhecimento em torno da contracepção.  

Citando Maria Isabel Barreno, a década de 50 pertence ao reinado de João XXIII, o mais revolucionário dos Papas. E os jovens, ouviam-no. Marilyn Monroe, Marlon Brando, James Dean, Paul Newman só são possíveis porque existiram os anos 50.

A historiadora Inês Brasão afirma o interesse do percurso das danças de salão entre os finais dos anos 30 e os anos 60, em que o corpo feminino se vai autonomizando (O Tempo das Criadas. Inês Brasão. 2012; Amor e Sexo no Portugal de Salazar. Isabel Freire.).

A ensaísta Isabel Freire falava de uma jovem, nesses anos 50, a quem foi ordenada a filiação na Mocidade Portuguesa Feminina. Não faltavam as aulas de culinária e a toda espécie de artes e atributos femininos.

Em 1956 essa mesma jovem pediu ao pai para entrar na Faculdade. O progenitor avançou logo com uma censura. As raparigas nas faculdades seriam prostitutas. A mãe veio em socorro da filha. A jovem entra na faculdade, devidamente avisada pela mãe, de que não poderia engravidar.

A revista Stella, conservadora, previa conspirações contra as meninas e jovens em qualquer esquina. A Mocidade Portuguesa Feminina seria como que uma salvadora da moral e dos bons costumes (Amor e Sexo no Portugal de Salazar. Isabel Freire).

O historiador Paulo Guinote fez um interessante questionamento entre a “boa” filha da velha monarquia, a “boa” filha da república e a “boa” filha do Estado Novo: não haveria praticamente diferenças (Quotidianos Femininos. Paulo Guinote).

A iniciação sexual dos rapazes era feita na cama de uma prostituta da confiança dos pais.

A relação da rapariga com o seu próprio corpo era de autovigilância.

Em Espanha, nos colégios internos, não havia espelhos.

No recreio, as meninas não se podiam reunir em grupinhos, e estavam proibidas, por altura do banho, de se desnudarem umas para as outras. As raparigas (anos 70, antes de 1974) conversavam sobre esses mistérios das sexualidades, nas casas de banho, muito baixinho e como tabu.

Paulo Guinote diz, acertadamente, que as operárias e as camponesas não eram tão ignorantes. Bastava olhar para as vacas e os bois.

No princípio dos anos 50 um jovem ia para a praia de fato de banho completo. Maillot com alças e calção, com saiote na frente para impedir olhares outros.

Nos anos 60, finalmente, o calção de banho, sempre era melhor do que o Maillot.

As revistas femininas transmitiam imenso medo pela beira mar: crianças, exiguamente cobertas, a correr à beira mar. Havia um vestido de banho: mulheres totalmente vestidas, com os calções largos, praticamente até ao joelho, sem um único decote e, vá lá, os braços descobertos. Segundo Irene Pimentel estas campanhas de praia, não obtiveram grande êxito. Havia o Estoril, a Figueira da Foz, Cascais, a Praia das Maçãs. Era difícil, com tantos refugiados de guerra que permaneceram em Portugal, impôr regras tão espartanas.

Da menstruação não se sabia nada. A munha mãe contou: uma amiga, com 13 anos, era Verão, num barco que se estendia pelo Tejo (anos 70), sentiu muitas dores e corrimento. Falou à mãe que arranjou logo múltiplos panos para colocar nas calcinhas, deu-lhe um Saridon para as dores, e alegremente disse-lhe que já era uma Senhora.

O pai, informado pela mulher, soergueu-a um pouco, abraçando-a, e dizendo: tu és uma mulher!

Chegados a casa, o pai disse-lhe para ter cuidado com os rapazes, senão ficava grávida. Pergunta. Ao que o pai, embaraçado, disse que o melhor era o afastamento dos rapazes.

As revistas femininas, tal como as dos anos 20 e 30, falavam de como reafirmar os seios, pôr batom, e manter a pele clara. Os homens podiam alargar os seus ombros tornando-se mais másculos (Amor e Sexo no Portugal de Salazar. Isabel Freire).

Inês Brasão afirma que a partir de 1931 a Igreja Católica fica cada vez mais preocupada com o cinema.

O teatro e os romances eram igualmente perigosos. Em 1946, a actriz Rita Hayworth era a protagonista de Gilda. (O Tempo das Criadas. Inês Brasão. 2012)

O decote da actriz levou muitos jovens a fantasias perdidas. O dito filme foi logo mal classificado na Classificação Moral das Películas: os cortes da censura que existem na cinemateca fazem a maravilha de cinéfilos e não cinéfilos.

Luís Miguel Oliveira sublinhou que foi através do cinema que se fez a educação sentimental de gerações (Amor e Sexo no Portugal de Salazar. Isabel Freire).

Mário Zambujal terá dito à socióloga Isabel Freire que quanto mais uma coisa era proibida, mais apetecida era.

Nos anos 50 quais eram as relações pré-nupciais ou adúlteras que não estragavam a moralidade e os costumes? A masturbação e o coito interrompido.

A dita masturbação seria praticada por mais de 90 % dos rapazes.

Sobre as mulheres nada se sabia.

Nos campos, os rapazes copulavam com cabras e ovelhas.

Nos meios urbanos o sexo masculino recorria a almofadas ou peças estofadas.

Maria de Castro, em 1959, refere a contradição do sexo masculino. O homem não gosta da mulher fácil. O ideal será a jovem, numa perversão imensa, ter atitudes sensuais, mas nunca perder o equilíbrio moral.

Os homens ficariam doidos. Pediriam logo em casamento. As jovens, muito difíceis, revelavam, muito baixinho, um talvez, após o pedido de casamento. (Amor e Sexo no Portugal de Salazar. Isabel Freire)

Isabel Freire, refere o namoro cândido de 8 anos de um casal rural. Claro que o então jovem tinha muitas namoradas às escondidas…ao fim de oito anos, a família da jovem autorizou núpcias e finalmente houve relações sexuais.

Mário Zambujal  refere a excitação das matinés no cinema Restelo. Ou a beira Tejo com mãos impacientes. Mas, a namorada marcava os limites da moral. (Amor e Sexo no Portugal de Salazar. Isabel Freire).

Silveira Nunes, psiquiatra, dizia o fundamental: tudo era permitido menos a penetração. E em Janeiro de 1953 havia multas: mão na mão – 2$50; Mão naquilo – 15$00; aquilo na mão – 30$00; … Já se sabe que não havia demonstrações de carinho em público: Mário Zambujal assim o refere num livro sobre a Lisboa dos anos 50. Falava-se abundantemente que nos EUA qualquer operário dispunha de um Ford, a prestações. Ao longo de estradas e estradas, saber-se-ia lá o que os jovens fariam uns aos outros dentro do automóvel, esse risco urbano. (Amor e Sexo no Portugal de Salazar. Isabel Freire).

Um senhor, ao longo de edições e edições da Crónica Feminina, pretende conhecer uma alma gémea para casar. Surgem muitas candidatas. O senhor, decide-se por uma jovem que está interessada em casar, mas, somente se lhe der uma liberdade absoluta. O senhor calculou tratar-se de uma boémia. Outras candidatas vieram: coristas, costureiras, jovens universitárias, a pedir marido rico, etc. Afinal a alma gémea estava perto e a bom caminho: era a secretária do pai (Amor e Sexo no Portugal de Salazar. Isabel Freire).

Havia a criada (O Tempo das Criadas. Inês Brasão; Amor e Sexo no Portugal de Salazar. Isabel Freire).

Dormia em casa dos patrões. Trabalhava de manhã à noite, ganhava o almoço e o jantar e uns poucos tostões. Ao Domingo era a folga.

A operária trabalhava nas fábricas de costura. A hora de saída era às 19:00 horas, mas os clientes vinham muito mais tarde. Uma jovem que era casada, recebia a visita do marido ciumento, à porta da fábrica e fazendo escândalo. A jovem gostava de um camiseiro, homem casado e sério. Mas, só depois do marido dessa jovem morrer, é que pôde caminhar com aquele homem camiseiro, lado a lado, sem problemas. (Amor e Sexo no Portugal de Salazar. Isabel Freire).

Voltemos à criada. Se engravidasse, era despachada para a aldeia, onde teria o menino. Em princípio regressaria, se a patroa não se importasse. (Amor e Sexo no Portugal de Salazar. Isabel Freire).

Irene Pimentel refere o romance Diário de uma Criada de Quarto de Octave Mirbeau que Buñuel adaptou para o cinema.  

A empregada doméstica permanente, a trabalhar por tuta e meia foi desaparecendo de todos os países europeus e dos Estados Unidos, e posteriormente, em Portugal.

Nos EUA, nos anos 50, a diminuição de criadas era tanta que deu origem ao fenómeno do babysitting.

Na Crónica Feminina, no final dos anos 50, indignadas articulistas, referiam que uma criada auferiria mais de 1240$00, o que equivaleria ao ordenado de uma funcionária pública. (Amor e Sexo no Portugal de Salazar. Isabel Freire).

Rapidamente, ao longo dos anos 60, desapareciam as criadas e chegavam as empregadas domésticas, 2 ou 3 vezes por semana, com um horário estipulado.

Só na alta sociedade, permaneceriam os criados e as criadas, vestidos exemplarmente, que encantavam os públicos pela juventude e beleza.

Lisboa, apesar de plebeia, já tinha prostituição de alto nível. O Maxim´s e o Menina eram já uma solução para muitos homens (Quotidianos Femininos.Paulo Guinote; Amor e Sexo no Portugal de Salazar. Isabel Freire).

Os maridos iam às prostitutas. As esposas não ficavam impressionadas. Em 1930 pensou-se em extinguir as casas de prostituição regulamentadas (Quotidianos Femininos.Paulo Guinote). Em 1949 existe uma lei de proibição “leve” do exercício desta profissão. Paulo Guinote refere que a partir daí, a prostituição, entra na clandestinidade.

Ginecologistas havia a falar da sífilis como o problema maior. Inês Brasão explica que nos finais dos anos 30 havia autênticas cruzadas contra a sífilis. Mas, a verdadeira lei que proíbe a sério a prostituição é de finais de 1962. Revogada em 1982, estabelece-se então o crime de lenocínio. (O Tempo das Criadas. Inês Brasão; Amor e Sexo no Portugal de Salazar. Isabel Freire).

Nos anos 50, 12 % das casas não tinham cozinha; 58 % não possuía retrete; 82 % não dispunham de casa de banho; em 71 % não corria água canalizada; em 62 % dos tectos faltava electricidade; e mais de 90 000 pessoas viviam em barracas. (Amor e Sexo no Portugal de Salazar. Isabel Freire).

A mulher, além de parideira, educava os filhos, mais atrevidos, com umas sovas e umas palmadas que doíam.

Os rapazes não tinham qualquer pressa em casar: gostavam de flirtar, iam às prostitutas favoritas, eram sobretudo benfiquistas, iam ao futebol e enchiam os estádios.

Aos domingos, por volta das 15:00 horas, as telefonias portuguesas gritavam bem alto, com os locutores de futebol, cada vez mais inventivos, e por todo o País, os homens colados ao rádio, transparecia  felicidade. Nas revistas femininas, aconselhava-se as jovens esposas, a ceder aos desejos do marido . (Amor e Sexo no Portugal de Salazar. Isabel Freire).

Maria Artur Botequilha, dizia: um dia, na praia, foi apresentada por um amigo como a mulher de A, a irmã de B e a mãe daquelas crianças que brincavam à beira mar. Nem o meu primeiro nome se referiu. (Amor e Sexo no Portugal de Salazar. Isabel Freire).

 O leitor católico, pai de família, vivia horrorizado com a União Soviética, promíscua gente. Mas, o mesmo católico, não gostava nada dos EUA. Aqueles filmes, já depois de censurados, podiam ser vistos por ele e pelos amigos. Mas, as mulheres, coitadas, seria uma insanidade.

A socióloga Anália Torres referia a infelicidade do casamento salazarista, vivido pelas mulheres dramaticamente. Elas viviam exclusivamente para os filhos. Ele ia para o café ou para a taberna, tinha relações extraconjugais como qualquer outro dos amigos, e o espaço público era dele.

A revista Menina e Moça criticava ferozmente a vida das mulheres nos EUA. É que havia, veja-se lá, electrodomésticos. (Amor e Sexo no Portugal de Salazar. Isabel Freire).

A tão feminista Maria Lamas, afirmava que depois do casamento, as mulheres caíam no desmazelo. Como tal, não atrairiam o marido. Entretanto, nos EUA, inventavam-se as meias de nylon. As mulheres, com pernas mais ou menos feias, com aquele belíssimo nylon, apresentavam um ar sensual.

Anália Torres insiste em que nas fábricas de têxteis, milhares e milhares de mulheres trabalhavam afanosamente. Nem todas as mulheres eram somente donas de casa. As operárias e as camponesas tinham de trabalhar, por causa da fome, e da miséria.

A ensaísta e poetisa Ana Hatherley disse que teve de pagar um alto preço pela singularidade de ser ela própria, uma pessoa. . (Amor e Sexo no Portugal de Salazar. Isabel Freire).

 Adelaide Cabette, médica, estando em Luanda, num quarto do Hotel Central, nos anos 30, ouviu um repicar de sinos. Ao criado negro perguntou se havia festa na cidade. Disse que era o casamento de um branco. Cabette perguntou se um negro não tinha direito a repicar de sinos, quando casava. O dito criado preto explicou: os pretos não casam na igreja, com excepção de alguns que possuam uma grande fortuna . (Amor e Sexo no Portugal de Salazar. Isabel Freire).

A médica fica a pensar sobre essa união sem compromissos. O criado negro explica: o casamento vem de Deus que está em toda a parte.

O preto casa com uma preta, não é preciso nenhuma cerimónia, porque Deus assim o quer. O noivo preto compra a noiva preta ao pai, por algum dinheiro. Se não resultar a relação, o preto fica automaticamente livre, e a preta terá de ter outra vez muito dinheiro para voltar a casar . (Amor e Sexo no Portugal de Salazar. Isabel Freire).

Anália Torres sublinha que só a partir dos anos 60 é que os casais se mentalizam para um amor duradouro.

O divórcio, era algo de tão distante, que a mentalidade lusa puritana, alertava contra os seus perigos.

Filomena Mónica, também falara do divórcio.(Bilhete de Identidade. Maria Filomena Mónica).

Não raras vezes, a mulher enganada, ia à cartomante ou até à bruxa, tratar do afastamento do marido da amante do marido.

Quando a traição partia da esposa, havia sangue e escândalo. (Paulo Guinoto. (Amor e Sexo no Portugal de Salazar. Isabel Freire).

A Concordata do Estado português com a Santa Sé em 1940, tornou impossível o divórcio, no que respeita ao casamento religioso.

Os homens, diziam as revistas, tinham nascido mesmo assim: poligâmicos, atraídos por qualquer rabo de saia. As mesmas revistas lá diziam que a mulher não tinha esses instintos e precisava do lar e de sossego.

Os homens casados tinham de cumprir com a mensalidade monetária para a família. A partir daí, soltavam-se, para o futebol ou para a taberna; para a manteúda ou para a prostituta, divertindo-se ainda, na companhia de outros homens, a beber umas cervejas, bagaços e whiskies em sítios mais cordatos.

Isabel Freire entrevistou um senhor, de entre muitos outros, que dizia: nos anos 50 a sexualidade das mulheres era apenas um instrumento da sexualidade dos homens.

Uma senhora, também ela entrevistada por Isabel Freire, tinha 17 anos quando casou com um homem muito mais velho.

Foi de comboio para o Porto, para um pequeno hotel. A senhora, para grande felicidade dela, nem sequer teve de exibir o corpo nu nem privou com a nudez do marido. O marido, mais ou menos experiente, conduziu a consumação do acto e finalizou com um casto beijo na testa da jovem. Estava feita a noite de núpcias. (Amor e Sexo no Portugal de Salazar. Isabel Freire).

Em alguma literatura dos anos 50 referia-se abertamente que o desfloramento da virgem poderia ser traumático.

Ainda nos anos 50, o que se esperava de uma esposa no leito era o total silêncio e obediência.

Muitos homens gostavam de fazer amor com a mulher vestida ou meio vestida, imaginando-se no papel de violadores. Claro que não era a regra. Mas, possuía mais sensualidade, copular com uma mulher vestida, disso não haveria dúvidas. Já se falava de preliminares. No livro Quotidianos Femininos, Paulo Guinote referia literatura médica sobre essas questões.

Ainda nos anos 50 (tal como nos 60), mulher que casasse, tinha de dar à luz uma prole apreciável.

Quando uma mulher ousava dizer que não queria filhos, para se resguardar numa vida a dois com o marido, era normalmente posta de lado pela sociedade conservadora.

Paulo Guinote, por exemplo, referia que mesmo as feministas da época nunca punham em causa o papel de mãe. Mas, se a esposa mãe só se entregasse à criança recém-nascida, os maridos podiam não gostar. Paulo Guinote dizia que o mais comum era que a mulher engravidasse logo a seguir, para não haver problemas. (Quotidianos Femininos.Paulo Guinote)

O Vaticano só aceitava o “método contraceptivo”  Ogino-Knaus (estimação da data da ovulação). Por sua vez o preservativo de borracha, quase não tinha adesões. As norte-americanas, nos anos 50, usavam a lavagem vaginal. Muitas portuguesas também já o faziam.

Maria Filomena Mónica, na sua autobiografia, conta que em 1964 foi pedir a pílula a um médico especialista. O doutor recusou, invocando o facto de ser católico.

As resistências à pílula foram generalizadas. O parto acontecia em casa, com a parteira. O homem não assistia.

Isabel Freire constatou, no seu estudo, que as chamadas dores de parto permitiriam à mulher espiar o pecado original.

Irene Pimentel defendia que os valores terrivelmente altos de mortalidade infantil resultavam que, por cada mil nascimentos, 150 bebés morriam.

A socióloga Isabel Freire entrevistou uma senhora que fazia “desmanchos”. Pagava-se 150$00. E o tema era tabu.

Segundo Maria Antónia Palla, o aborto era o grande drama das mulheres. Por exemplo, nos anos 60, uma médica parteira na Picheleira levava 500$00.

Muitas mulheres do povo usavam as agulhas de crochet que lhes fariam perfurações no útero ou iam mais longe e tomavam comprimidos de permanganato de potássio. (Amor e Sexo no Portugal de Salazar. Isabel Freire).

Nos campos para se abortar, introduzia-se no útero, uma pequena haste de madeira ou o caule de salsa. Muitas camponesas morriam assim.

Mas, havia a mulher de classe alta. Viajava de avião, conduzia o automóvel, falava ao telefone, escrevia na máquina de escrever, e até ia ao snack-bar.

O investigador Antoine Prost referiu que em França, em 1965, se produziam, pela primeira vez, mais calças para mulher do que saias.

O cigarro estava ligado à emancipação da mulher.

O soutien gorge tornava-se indispensável: com uma cinta maleável e envolvente que tornava qualquer mulher uma elegância.

Alçada Baptista defendia que em meados do século XX a própria mulher de esquerda era machista e puritana.

Em 1961 é publicado o célebre artigo “Carta a Uma Jovem Portuguesa”. (História da Vida Privada. Verónica Policarpo)

Era uma carta contra a moral sexual hipócrita do Estado Novo.

A mulher no salazarismo tinha o cabelo muito mais comprido, ondeado em mises, e usava tailleur completo com as saias compridas e, algo largas, para não ferir o olhar dos homens mais desprevenidos.

Dos anos 20 estas mulheres dos anos 30, 40 e 50, repescaram a combinação, o soutien gorge e as calcinhas.

As “mises” lá foram ondeando os cabelos até praticamente ao 25 de Abril.

Nas classes altas o tailleur parisiense impunha-se. Nas festas galantes, sempre na alta sociedade, ou se ia buscar o vestido a Paris ou havia aquela modista que construía o modelo ideal que uma menina vira numa dessas revistas da moda. Aliás, a figura da modista continua largamente até 1974.

As cançonetistas rivais eram Madalena Iglésias (1939) e Simone de Oliveira (1938): havia recortes dos vestidos que elas usavam nas várias cerimónias e espectáculos.

 

 

Portugal tinha entrado na EFTA a 4 de Janeiro de 1960. O desenvolvimento económico português na altura era de mais de 7 % ao ano.

Mas, o país era, sobretudo, rural e migrante. Um milhão de portugueses saiu do País na década de 60, para fugir à fome e à guerra.

Em Lisboa, tal como no Porto, duplicam-se ordenados, porque há mais dinheiro nas cidades.

Em 1967 abre um restaurante snack que vai revolucionar Lisboa: o Galeto.

Compram-se mais carros. Esta loucura expansionista da economia europeia só é travada, a fundo, com a grande crise do petróleo em 1973. (Anos 60. Joana S. Vilela/Nick Mrozowski.).

 

Henry Miller, o autor de Trópico de Câncer, chega a Lisboa em Maio de 1960. O já idoso escritor mete-se num táxi e pede para o levar para a Rua Rodrigues Sampaio, ao nº 52, no 5º andar. Miller bate à porta e surge uma mulher ninfa, linda, entre o porte grego e a voluptuosidade de uma Marilyn, muito espantada por ver à beira dela um dos maiores escritores da época.

Os serões de Natália Correia, no final dos anos 50, largavam uma aura de conspiração contra o regime e de intelectualidade: Maria Teresa Horta, Urbano Tavares Rodrigues, o próprio Almada Negreiros, o editor Ribeiro de Mello, Ary dos Santos e Fernando Dacosta pairavam à volta de Natália, o sol dos múltiplos debates ideológicos.

Em 1971 abre o Botequim de Natália Correia no Largo da Graça: mais jovens e outros mundos se iriam debater até à morte da poetisa em 1993.

Entretanto, em 1961, a Guerra Colonial tinha início. O Presidente Kennedy exige a Salazar a independência de Angola, preocupado com a influência da União Soviética em África. Salazar, faz ouvidos moucos e envia tropas para combater tumultos. (15 de Março de 1961). (Anos 60. Joana S. Vilela/Nick Mrozowski).

Mas, Lisboa continuava a “arder”: a 2 de Julho de 1961, abre a Feira Popular em Entrecampos. Cada entrada custava 15 tostões. Jogava-se no totobola, a partir de 24 de Setembro de 1961. (Anos 60. Joana S. Vilela/Nick Mrozowski).

O Teatro Moderno de Lisboa abre com a direcção de nomes de primeira cepa: Armando Cortez, Carmen Dolores, Fernando Gusmão e Rogério Paulo. O director de cena era Ruy de Carvalho. A censura estava sempre presente nas peças que eram representadas. Eram já os primórdios do que seria mais tarde o Teatro Aberto e a Comuna. (Anos 60. Joana S. Vilela/Nick Mrozowski).

Em 61, em Outubro, para gáudio de muitas donas de casa, surge o primeiro supermercado Modelo. Era no Saldanha, tinha snack-bar, produtos frescos, plásticos, pratos já prontos, tudo passado por “extraordinárias registadoras-calculadoras” (Anos 60. Joana S. Vilela/Nick Mrozowski).

Estes dois historiadores, referem que Johnny Hallyday, então com 18 anos, foi para o Teatro Monumental cantar rock’n roll e twist, colocando meninas e meninas numa histeria tal, que Jorge Alves teve de intervir, senão o espectáculo teria de ser suspenso.

Muitos serão os que se lembram da autêntica revolução de design que a Olaio conseguiu, a partir de 1958, até muito mais tarde. Hotéis, casas e snack-bares vão sendo modernizados, com um toque nórdico. (Anos 60. Joana S. Vilela/Nick Mrozowski).

Em 1963 surge uma das melhores revistas literárias do século XX, O Tempo e o Modo: eram só celebridades. Vasco Pulido Valente, Alçada Baptista, Bénard da Costa, Helena e Alberto Vaz da Silva, Pedro Támen, Nuno Bragança, Ruy Bello, Sophia, Eduardo Lourenço, Medeiros Ferreira, Mário Soares, Jorge Sampaio, Jorge de Sena, Salgado Zenha, Sotto Mayor Cardia (Anos 60. Joana S. Vilela/Nick Mrozowski).

A revista marcou um tempo de grandes debates ideológicos em torno de questionamentos. Por exemplo, Alçada Baptista, questionou a família tradicional. Reflectia-se sobre as origens do amor romântico e os novos papéis profissionais da mulher trabalhadora. A religião tradicional era posta em causa. Falava-se de utopias e de distopias.

Também em 1963, acabam os filmes líricos dos vascos santanas e surge o cinema diferente.

Paulo Rocha apresenta Os Verdes Anos, com a actriz Isabel Ruth. Carlos Paredes faz-se ouvir em fundo, com a sua guitarra na composição com o mesmo nome.

Era a Nouvelle Vague portuguesa. Os jovens universitários, em 1964, num escopo sociológico(Anos 60. Joana S. Vilela/Nick Mrozowski).

Apresentam-se conservadores, recatados e pouco viajados. A guerra no Ultramar era o problema mais importante. O passatempo preferido era a leitura.

O estudante típico pensava que a mulher tinha de casar para proteger a casa e os filhos.

Metade dos jovens discordava do divórcio. A virgindade da mulher era fundamental para 73 % dos rapazes. Eram contra os anticoncepcionais. (Anos 60. Joana S. Vilela/Nick Mrozowski).

Fumava-se muito: SG gigante, filtro, ventil, Kayak, Ritz, e outros.

Em 1973 chegam os tupperwares. Bebia-se Toddy. Comprava-se casa na Reboleira ou em Sto. António dos Cavaleiros, através de J. Pimenta. Após a Reboleira surgem Paço de Arcos e Cascais: casas relativamente pequenas, com material mais barato, mas que fazia toda a diferença para os curtos ordenados portugueses.

Nos anos 60, Vasco Morgado, o grande empresário de espectáculos, chega a empregar 3 000 pessoas: Laura Alves é a diva.

Com a sua pose de galã conquistou a diva Laura Alves.

O Monumental tinha sempre concursos ié-ié e, matinés dançantes de rock.

Por exemplo, a actriz Io Appolloni, é a estrela do Parque Mayer, nos anos 60.

Quando chegou a Lisboa tinha 20 anos, de nacionalidade italiana e deslumbrou o colega mais velho Camilo de Oliveira.

Vasco Morgado contratou-a várias vezes. “Tinha um sex-appeal” natural. (Anos 60. Joana S. Vilela/Nick Mrozowski).

A Por-fi-ri-os contraste abre a loja de moda a 5 de Dezembro de 1965. A Porfirios original, provinha de uma loja de meias no Porto.

As raparigas, em filas e filas, adoravam mexer nos trajes com sabor londrino. As empregadas usavam todas mini-saia. Em fundo ouviam-se os Beatles. Mas, a primeira boutique de moda para adolescentes, foi a Tara em 1963, em Cascais e no Chiado. A Delfieu tinha calças â boca-de-sino de todas as cores. (Anos 60. Joana S. Vilela/Nick Mrozowski).

 

O jovem Fernando Ribeiro de Mello, proveniente do Porto, pequenino mas de olhos azuis, com um bigode à Dali, junta-se a Vitor Silva Tavares e forma uma editora com o nome de Afrodite.

Em 1965 sai o Kamasutra. Publica a Antologia de Poesia Erótica e Satírica, organizada por Natália. Ribeiro de Mello avança com uma Antologia do Humor Português e outra Antologia do Conto Abominável. (Anos 60. Joana S. Vilela/Nick Mrozowski).

Vai tudo a tribunal. De Luiz Pacheco, Cesariny, Ernesto de Mello e Castro e Natália. Mas, a antologia continuava: clandestinamente, através de Luís Alves Dias vendiam-se livros proibidos, à surrelfa. A PIDE perguntava se Luís Alves Dias tinha livros proibidos, ao que o mesmo dizia, inocentemente, que não… (Anos 60. Joana S. Vilela/Nick Mrozowski).

E agora a RTP: 200 jovens, muito entusiasmados, com uma “tecnologia” nova.

Mário Castrim, inicia a 4 de Janeiro de 1966, no Diário de Lisboa, a rúbrica O que vimos e ouvimos.

A rúbrica diária durou mais de 20 anos. Um namorado da minha mãe, na ignorância dos seus 15 anos, foi à RTP, a um programa sobre jovens adolescentes, e cantou uma produção de sua autoria. No dia seguinte, para seu grande espanto e dos seus pais, Mário Castrim destruía a sua fraca exibição com adjectivos tão empolgantes que até o pediatra que o seguia, lhe receitou um calmante por causa dos nervos. Após esses tempos, tivemos o prazer de ler o Mário Castrim a destruir os corações de muita gente, uns mais novos outros mais velhos, sempre com a acutilância divina da ironia.

A mulher de Mário Castrim, a escritora Alice Vieira, jornalista nessa altura, viveu uma paixão de 40 anos que se iniciou com um escândalo. “Ele tinha mais 23 anos que eu, era casado, estávamos nos anos 60” (Anos 60. Joana S. Vilela/Nick Mrozowski).

A pílula chega a Portugal em 1962. Mas, o planeamento familiar demoraria mais 14 anos.

A contracepção não era um tema de que se falasse em público.

Nas barracas dos arredores de Lisboa, mulheres havia com 9 e 10 filhos. O que valia era a pílula Anovlar. Quando se ia ao estrangeiro pedia-se a dita pílula. Os abortos aconteciam porque as mães queriam proteger as filhas do escândalo. (Anos 60. Joana S. Vilela/Nick Mrozowski).

As enfermeiras-parteiras estavam colocadas estrategicamente por toda a cidade, mas eram clandestinas.

Quem tinha dinheiro ia a Londres. Havia outros métodos: chás “específicos” para criar uma turbulência tal no organismo que não raras vezes morriam o feto e a mãe.

Os padres nunca tinham ouvido falar na pílula, mas, em 1968, com a Encíclica Humanae Vitae, virada contra esses comprimidos, faziam homilias espalhando ingenuamente o nome maldito da Anovlar. (Anos 60. Joana S. Vilela/Nick Mrozowski).

Mas não falemos de tristezas: em Setembro de 1968 o jet set internacional, em Colares e em Alcoitão, correu para festas de grande brilhantismo.

Os hotéis principais de Lisboa, o Ritz, o Tivoli e o hotel Palácio esgotaram a lotação. Salazar andava furioso. Não queria que os seus ministros fossem para aqueles lugares promíscuos.

Por cada celebridade que chegava a Lisboa, lá andava a RTP com o galã Henrique Mendes. (Anos 60. Joana S. Vilela/Nick Mrozowski).

Em final de Julho de 1968, Salazar estava no Forte de Sto António em S. João do Estoril. Tinha ao pé uma cadeira de lona, como a dos realizadores de cinema, “cai mal, a cadeira tomba e com ela o ditador, que bate com a cabeça nas lajes duras do chão” (Anos 60. Joana S. Vilela/Nick Mrozowski).

Morreria a 27 de Julho de 1970.

Em 1969 chegou o revolucionário Zip Zip.

Gravado no Teatro Villaret, com uma plateia repleta, só editado nos dois dias seguintes e emitido às segundas-feiras.

Almada Negreiros passou pelo Zip Zip (no próprio ano da sua morte).

O jovem José Nuno Martins apresentava José Barata Moura, Padre Fanhais ou Manuel Freire. Os apresentadores eram Raul Solnado, Fialho Gouveia e Carlos Cruz. (Anos 60. Joana S. Vilela/Nick Mrozowski).

Para acabar bem a década, a 2 de Outubro de 1969, Lisboa recebe a Gulbenkian e, com a morte de Salazar em 1970, muitas esperanças se acalentaram (Anos 60. Joana S. Vilela/Nick Mrozowski).

Após o 25 de Abril de 1974 os rapazes e as raparigas já se podiam abraçar em público.

Usava-se uma roupa revolucionária andrógina entre jeans, botas e coloridas camisas.

Importava mais para os jovens ler a primeira página de O Capital de Karl Marx, ou Lenine ou Mao Tsé Tung do que ler as revistas de moda.

Sartre e Beauvoir vieram “beber” a revolução em 1975.

Os “reaccionários” viviam no Brasil ou em Espanha.

Spínola ainda tentou falar com Champalimaud, mas, afastado Spínola. Champalimaud viajou para o Brasil.

Portugal estava a passar por uma grande crise económica: em 1975, quase um milhão de pessoas, provenientes das ex-colónias, assentaram em Lisboa, no Porto e nalguns outros pontos do país.

Eram os retornados.

Alguns ocuparam hotéis, outros pensões e ainda outros ficaram em casa de famílias, de norte a sul do país.

Apareciam com roupas novas. Iam à praia e as raparigas usavam biquíni. Os retornados começaram a entrar na função pública e em empresas nacionalizadas.

Como os retornados, que iam a Joanesburgo falavam inglês, eram necessários como interlocutores,

A intimidade nos corpos também mudou: a pílula já tinha chegado a Portugal e as raparigas mais instruídas tomavam os comprimidos de uma maneira certa.

O corpo feminino era cada vez mais semelhante ao masculino: com excepção das barbas. Havia no ar uma imensa vontade de fazer “comunas” entre jovens universitários. Alguns mais empolgados, iam estudar para Moscovo ou para a RDA.

O tabu do fazer amor normativo, quebrou-se. A prostituição continuou clandestina.

O canto livre invadia as rádios.

De José Jorge Letria, a José Afonso, passando por Fernando Tordo a cantar Ary. Ouvia-se Carlos Paredes, numa musicalidade intensa, diferente de tudo o mais.

José Mário Branco apelava à revolução contínua.

Amália rumou para o Brasil.

Ninguém exibia carros de marca muito qualificada.

E o fado tornou-se canção através de Carlos do Carmo.

No Martim Moniz abriu o Teatro Ad Hoc: um rapaz muito jovem e magro, chamado Herman José, por lá andava.

O teatro de revista continuou a ser um sucesso. Laura Alves, perspicaz, apresenta com brilhantismo “Espectáculos despidos de preconceitos” (Diário de Lisboa. Vespertino. 1921-1989).

Magotes de rapazes e raparigas, ávidos de dançar, iam ao Cais do Sodré e no Porto iam ao Twins, à D. Urraca e Bateau.

Era a época do Disco e, posteriormente, do travoltismo.

Foi promulgada a lei do divórcio: em 1975, meio mundo se divorciou e outro meio mundo se casou.

Nasceram muitos meninos entre 75 e 76. Eu, fui um deles.

Até a televisão era revolucionária: do Leste europeu, através de Vasco Granja, surgiam desenhos animados diferentes.

O “mini” era o carro do ano: era “mini” mas lá cabia toda a família. (Diário de Lisboa)

Os portugueses do continente habituaram-se a ver outros rostos, de cores diferentes.

As famílias que se constituíam não tinham dinheiro para as rendas de Lisboa e do Porto. Monte Abraão (Queluz), Seixal (margem Sul), Linda-a-Velha, Rio Tinto e Vila Nova de Gaia, no Porto.

Lisboa e Porto assistiam a um êxodo de famílias. À volta das cidades, juntamente com as barracas do salazarismo, surgiam bairros de barracas com negros, paquistaneses, chineses e outros.

Ser pobre ainda era normal. Só os ricos é que dispunham de 50 a 60 contos para comprar um pequeno automóvel.

Cresceu o interesse em comprar uma televisão. A Singer começara com as máquinas de costura e devagarinho alargou para os televisores, os frigoríficos e algumas máquinas de lavar roupa. Tinha vantagens, porque se podia pagar a prestações, a 10 meses.

Como os jovens, sobretudo rapazes, queriam possuir um automóvel, começaram os leilões de carros: pagava-se por mês uma importância, e com sorte, lá se obtinha o carro ao 3º ou 4º ano consecutivos.

Quando se ia aos stands de automóveis, aceitavam-se 10 a 12 cheques pré-datados ou Letras.

Em 1977, a primeira telenovela brasileira emitida em Portugal. Gabriela inspirada num livro de Jorge Amado deslumbrava o país. Tudo parava à hora da novela.

Na Assembleia da República apressavam-se os trabalhos para se chegar a tempo da novela.

Portugal descobre um Brasil desconhecido: Gabriela, a protagonista, apresentava-se decotada, e erotisável. Os homens começam a preferir a mulher-desejo à mulher andrógina. Mais divórcios.

Por pouco tempo, logo a seguir ao 25 de Abril com os feminismos, não se exibiram filmes pornográficos. Os homens foram inundados por revistas porno ou eróticas nas tabacarias e quiosques.

Surgiu o Unibolso: os homens poderiam ver pornografia em sessões contínuas. Surgiu a Emanuelle versão 1. Mulheres e homens foram ver e gostaram.

A pouco e pouco voltaram os concursos de misses e as modas nas passerelles.

No Meco já havia permissão de nudismo.

No Verão, não se pagava a ponte, nomeada 25 de Abril, e passava-se horas e horas até chegar à Costa da Caparica ou a Sesimbra.

O Estoril e Cascais, apadrinhados pelo comboio, tinham cada vez mais Públicos.

No Porto já com os carros ia-se para as praias de Leça. Os portuenses que não tinham carro preferiam as de Matosinhos ou da Foz.

Os mais abonados, faziam férias numa casa alugada no Algarve ou iam para pensões.

Faziam-se termas. As do Luso e de Vidago eram as mais famosas.

Após a paixão pela política, os jovens voltavam-se para as artes. Os conservatórios eram muito disputados.

A famosa mulher de Azeredo Perdigão, Presidente da Gulbenkian, transportou para o Conservatório o curso de Arte pela Arte.

No Palácio Foz, em Lisboa, passavam ciclos de cinema soviético, as obras de Hitchcock e os clássicos de James Dean e de Cary Grant.

Na televisão, além das novelas brasileiras, passavam séries britânicas.

Ser-se da contracultura era moda.

Os poetas alternativos, de Alberto Pimenta a Al berto, e os escritores Saramago, Lobo Antunes e Lídia Jorge, rebentaram com as estruturas da literatura neorrealista e mesmo da literatura do movimento 61.

Nos anos 70 abrem os centros comerciais Apolo 70; Alvalade e Imaviz.

O primeiro deles, além de 1 ou 2 salas de cinema, tinha um snack bar muito apelativo em baixo, pronto a vestir feminino e masculino em abundância, uma tabacaria com ar de modernidade, uma livraria com os sucessos editoriais, e um cabeleireiro unisexo.

Pedro Bandeira Freire, após o 25 de Abril, abre o Quarteto, quatro mini-salas de cinema, onde toda a intelectualidade passou a deslocar-se para visionar o bom cinema, sem censuras, que andavam por aí.

Os anos 80 são a marca da diferença.                 

Finalmente, o corpo feminino cada vez mais se distanciava do masculino e, nos dias de hoje, o feminino é a diferenciação absoluta do masculino.

 

 

© Maria Estela Guedes
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