1
É o mundo
o meu corpo como
efígie
é um tigre de pueril condição
a minha invisível fé no amor
ficou na grande migração do templo
no esquife que se cerrou
ocultando o teu rosto
disponho
a tua involuntária imagem
de braços abertos à lava da crença
a paixão e o desejo
em encetadas mãos iludidas
ó dilecção da dissidência do desejo
na antologia
Dobra
o sagrado e o profano sem igual
saber de Adília Lopes
abro a arca das vozes e dos milagres
na fíbula do lipídio corpo
enxuto e ávido
bebo a água
2
Acometer a azagaia esverdeada
que se acalenta entre o meu corpo e o seu
sustentada na votiva blasfémia
apenas me concebe a compaixão
e não é por compaixão
a cada um o logro
o eleito fascínio dos sálios
3
Apareces como um discípulo
eu que nunca venerei os anais do discípulo
amei-te e contigo todos os discípulos
na ansiedade do mosto
e amando a deferência
o denodo do divino como a si mesmo
caem girassóis do teu corpo
galgam mundos como alucinados meteoritos
substituindo a primitiva utopia da magnólia
e penso em Deus (como seria ele?)
para a lídima incerteza
o amor nem basta a uma aurora
4
Outros são os devaneios que granjeamos
no reverso das alvuras
em prematura ignomínia do esplendor
e enunciaremos amor o céu a terra o fogo
a cruz a restrita índole do gáudio
a procedência inefável do miso
e o misterioso sopitar e apatia de Deus
(a densidade do seu imaginário expeliu)
cobriu-se de igual modo copioso
e jamais se pode ser fecundo e arrogante:
um desejo não é uma oração
5
(não te satisfaças com o perianto
de um poema: conspira melhor a virgindade
da rosa e no orifício do Incriado a pétala
creio que ela apenas pétala
um corpo puro cúspide de oiro)
6
Ainda acredito
que tenhas existido pois
concebo voltar ao pesar das arestas
nesse lugar ainda é “possível
encontrar Deus pelos baldios”
e Adília sob a “árvore cortada”
onde está suspenso o fruto da carniça
olhar o amor no seu devido lugar
e colher do musgo uma flor
7
Deixa que as palavras tumulem
as palavras com as estirpes arreigadas: o veio
alimentando todos os movimentos
o tríduo do canto das folhas
expiando a
pureza do amor em que te aceitas
antes da
eclosão dos temores
antes dos
ciprestes e das oliveiras
antes de
Deus
o lenho extraído desse corpo
para onde adejarão os corvos
após o último azul
a maculada cabeça e a sua representação
a extrema beleza que nos desfaz
8
Algumas criaturas já só estão estendidas
e de olhos incindidos na sufumigação dos céus
outras cerceiem os espasmos de Deus
que geram recreações
de bem-querer
apenas a estria da cegueira
nas púberes percepções relativas à arquitectura
que nunca se repete
o riso do decesso é sempre em função do sol
e dos lícitos “versos verdes” da aurora
9
No
concipio das constelações
sob o espanto que fica depois de passar a flor
faça-se com que os
crentes
alimentem os seus crentes na escuridão
negar a extrema beleza da impiedade
é da ordem da abominação e da degeneração
do amor (este conceito começa aqui
e aí em oração na boca do poço da Babilónia)
como fonte de tudo o que Deus não
assumiu como próprio:
genderqueer
amor e Deus Verbo e sílaba
a morte enquanto poema
impelido pela expurga do exterior.
10
Eu espiarei como aporia
esta é uma dobra
sui generis
um poema tíbio um
um sóbrio soco para as delicadezas do mundo
um amor urdido um
Deus para a
polimorfia da sílaba
acredito que
floriremos numa blasfémia
de crueldade sem
precedentes
e só assim seremos
felizes: na invenção
impessoal do revérbero
l'art et la polymère
que irá iluminar a apropriação do mundo
(shit
shit shit
o amor a fazer de Deus)
11
O instante das
linhagens e das porções
a estesiologia do
jogo
por fim
L'Amour et l'Occident
é aquele ou aquela
que jamais logra
deixar de mover-se na fraude
um amor na cércea de
Deus
que se mestiça sob o
oestrus
a copiosa época do
cio
e por conseguinte um
modo de pegar
a sacrílega língua
12
E desobrigo-me do sobejo
e da impura egolatria dos poemas
no continuo olfacto dos miosótis
e é de uma premente revelação que
o verso no fundo da solidão das procelas
narceja pelos campos
o tempo de novos baldios
o amor cambiando Deus
na devoluta excisão por outra devoluta
que não exortará a alegria: a dobrez
é única na intimação
dessa condição de utopia venosa
uma por uma a desdobra
13
O primeiro requisito para um poema
é que este deve iludir
o seu sensível e estimável autor
a libidinal fidelidade da visão
(“Deus aborrece as tíbias
Deus vomita as tíbias”) Adília
canta: a arte da farsa e do jogo sob os céus.
João Rasteiro .
2014
O homem se fez Deus
(o sagrado furúnculo do verme)
Livro das Maldições
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