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REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
nova série | número 49 |
dezembro-janeiro | 2014-15
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A. M. GALOPIM
DE CARVALHO
Domínios
morfossedimentares de transição na interface terra-mar (1)
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A.M. Galopim de Carvalho (Portugal). Geólogo
e ficcionista. Professor jubilado da Faculdade de Ciências da
Universidade de Lisboa. |
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EDITOR |
TRIPLOV |
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ISSN 2182-147X |
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Contacto: revista@triplov.com |
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Dir. Maria Estela Guedes |
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Introdução
Entidades morfossedimentares (1) por excelência,
deltas,
estuários e
lagunas são, na grande
maioria, formas e ambientes químicos, hidrodinâmicos e ecológicos
situados na fronteira ou na transição dos meios continental e marinho.
Neles se fazem sentir, simultaneamente, as acções químicas, físicas
(sobretudo dinâmicas) e biológicas destes dois meios. Deltas e estuários
representam, em geral, duas situações opostas na dialéctica que, na foz
de muitos rios, se estabelece entre a sedimentação e a erosão.
Se domina a sedimentação da carga sólida carreada pelo rio, forma-se o
delta, que cresce enquanto se mantiverem tais condições.
Se, pelo contrário, a descarga do rio em material terrígeno for
deficitária, e/ou se a energia do mar for suficiente para remobilizar e
evacuar esses sedimentos, prevalece o estuário. Neste caso, uma parte
mais ou menos alargada do seu troço vestibular abre-se ao mar, que passa
a exercer aí algumas das acções que lhe são próprias. Esta é a visão
simplista, mais divulgada. A realidade é bem mais complexa. Muitas vezes
formam-se estruturas deltaicas na extremidade interior dos estuários,
situação por demais evidente nos
mouchões (2) no
Tejo e nas morraceiras no
Minho e no Mondego. Parte da carga sólida do Tejo tem-se acumulado a
montante do seu amplo estuário, formando um delta interior. Outro
exemplo de situações que escapam ao modelo clássico, estereotipado, de
delta, encontra-se na foz do Guadiana, que forma um delta a jusante do
estuário.
Deltas e estuários sofrem as influências:
- do clima,
na medida em que este afecta, sobretudo, o caudal e a carga sólida dos
rios;
-
da bacia de alimentação, em
especial da morfologia (expressa na topografia) e da natureza geológica,
nos seus aspectos litológicos e estruturais;
- do fundo marinho
adjacente (3), com relevância para a sua forma, dimensão e batimetria; e
-
de outros elementos forçadores,
como salinidade, correntes de maré, ritmo, energia e orientação das
ondas (4), eventual subsidência, tectónica, e história geológica
recente, em especial a decorrente do
glacioeustatismo
(5) nos últimos tempos
do Quaternário.
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Delta do Ganges |
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Deltas
Umas vezes, porque a agitação do mar é fraca e outras, porque é muita a
carga que os rios transportam, os deltas são sempre a expressão do
balanço positivo da sedimentação fluvial sobre a erosão na desembocadura
(ou na sua vizinhança) dos respectivos rios. Rios como o Tamisa ou o
Douro não formam deltas porque a energia das vagas e das marés lhes
dispersam toda a carga sólida que debitam (6). Por outras palavras, pode
dizer-se que nos deltas predomina a influência fluvial, com ganho da
terra sobre o mar, que não consegue evacuar ou dispersar os sedimentos
que o rio para ali transporta. Neste caso formam-se mosaicos, mais ou
menos complexos, de baixios e ilhas muito planas e rebaixadas (mouchões)
em resultado
da deposição dos sedimentos descarregados pelo rio e separadas entre si
por canais.
A maré e a ondulação, dois factores hidrodinâmicos actuantes na maioria
dos litorais, não são condição fundamental à construção dos deltas. Têm,
porém, papel determinante na dinâmica destes sistemas e,
consequentemente, na sua morfologia. Neste aspecto tem particular
relevância a maré, pela acção dos respectivos fluxo e refluxo, ao longo
dos canais do delta. Os deltas marítimos com marés são os mais
frequentes, os de maior dimensão e, também, os mais complexos. Mas há,
não o esqueçamos, deltas em mares sem marés, do mesmo modo que os há nos
lagos. Acumulados na plataforma continental, os deltas marinhos são
edifícios
progradantes (7)
sobre o mar. Independentemente do regime de maré e da agitação marítima,
do enquadramento geográfico e climático, a condição essencial à formação
de um delta é a existência de um sistema fluvial associado a uma bacia
de drenagem externa suficientemente importante e fornecedora de volumosa
carga sólida.
A forma triangular do conjunto de mouchões na desembocadura do Nilo
levou Heródoto, filósofo grego do século V a.C., a dar-lhe o nome da
quarta letra (Δ) do alfabeto helénico, de forma triangular bem
conhecida.
O termo delta acabou por ser
adoptado pelos geógrafos, mesmo para os que não tenham essa
configuração, com é o caso do delta do Mississipi.
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Forma grosso modo triangular
do delta do Nilo |
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Delta do
Mississipi
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(continua) |
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(1) Em que a morfologia e a sedimentação são causa e consequência
uma da outra.
(2)
Do castelhano mojón. Nome
dado às “ilhas” de acumulação aluvionar, não só na foz, como em
qualquer ponto do curso do rio. Correspondem-lhe as morraceiras no
Minho e no Mondego.
(3)
Em geral, marinho, mais raramente, lacustre.
(4)
Massas de água com movimentos de elevação e de abaixamento que se
deslocam, as mais visíveis, por acção do vento, mas também por
efeito de correntes de diversas origens. O nome radica no latim
unda. Com, praticamente, o
mesmo sentido usa-se o termo vaga, oriunda do escandinavo antigo
vaag, através do francês vague.
(5)
Variações do
nível do mar induzidas pela formação e fusão dos glaciares. Uma
glaciação determina uma regressão marinha e, pelo contrário, uma
deglaciação determina uma transgressão marinha.
(6)
Esta
situação no Douro, e em muitos outros grandes rios, já se verificava
antes da implantação das barragens hidroeléctricas. Acentuou-se
ainda mais com esta intervenção humana que, ao interromper o curso
natural do transporte de inertes pelo rio, quase anulou a descarga
de sedimentos de fundo (grosseiros) na foz.
(7) Os geólogos e os geógrafos adoptaram o verbo
progradar para referir o
avanço de um corpo sedimentar numa dada direcção, por sucessivos
recobrimentos da sua frente, que é, por natureza, mergulhante. As
dunas, ao avançarem, progradam; são corpos progradantes, isto é,
sujeitos a progradação. Estão nestas condições os leques de
dejecção, os deltas e a vertente continental, no limite entre a
plataforma continental e o domínio oceânico profundo.
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© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
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