A família
(pintura de Egon Schiele)
Apenas a criança
entre as pernas enormes da mãe
está vestida.
Olham ambos
para a direita
para algo que não vemos.
O pai, em cima
e atrás, abarcando-os
com os membros imensos,
fita-nos – olhos esbugalhados
e orgulhoso - bem
de frente.
Do fundo nada interessa.
A ciência
dos números: ou a Poesia como Matemática Pura
O que quer que se some adiciona-se por conta e
risco.
Muito melhor é subtrair. Na Poesia,
A multiplicação raia a loucura.
A divisão é a amante com quem aceitamos dormir.
Manhã
A luz abriu as janelas,
e eu viro-me para elas
para ver o que o mundo hoje trouxe.
Não há som algum nos ramos nus.
Não caiu neve
durante a escuridão.
Os pássaros, se os há,
não se vêem em lado nenhum,
e não se ouvem.
Nem sequer há o som do silêncio
junto a mim nem ar inspirado
e expirado outra vez.
Fotografias
Estão mortas. Sento-me a olhar para elas.
Tiramos e guardamos as nossas fotografias
em caixas ou caixotes cheios de pó, reencontrando-as
acidentalmente quando estávamos
à procura de outra coisa.
Tentamos lembrar quem são todas
estas pessoas, estes lugares todos–
e quem éramos nós quando assim fomos aprisionados.
Estações
As folham giram ao vento
e a neve começa a cair.
Os ramos estão nus e fracos
nesta estação a que chamamos o outono.
A neve amontoar-se-á alta entre as casas.
O vento agreste nada sabe sobre o outono.
Cada estação tem a sua própria estação.
Nascemos de
manhã e pomo-nos à noite.
Os helicópteros
Ouvimo-los antes de se
verem, insectos gigantes lutando freneticamente
com o ar para se manterem a voar. Coisas negras
mecânicas que se queixam e sacodem
árvores e janelas. Sabemos
por que estão aqui e
para que
são, as mensagens que trazem
e enviam. Pareceria que dizem
estarmos todos bem, mas sabemos
que isso não está certo. Lá fora,
não é difícil baixarmo-nos, parecem
tão próximos. E em seguida foram-se embora
e a casa e o pátio recuperam a harmonia.
Pegadas
Um homem atravessou um campo de neve
recente
e desapareceu
por entre as árvores negras. Ninguém
o viu
ir e ninguém o viu
vir. A neve agora
parou. O campo, magnífico ao luar, guarda
as pegadas do homem, congeladas onde pousaram.
É tudo o que sabemos: um homem atravessou o campo
coberto
de neve, entrou na orla das árvores, e, pouco
depois
da neve ter parado, desapareceu para sempre.
Cadáver de
luvas
Apenas as mãos não estão presentes.
Olhamos fixamente a face fria,
o corpo que nunca vimos nu,
para o chão e para cada um.
Ninguém fala nas mãos,
no facto de ter calçado luvas,
ou por que, quando a trouxeram,
lhas não tiraram.
Fizéramos a nossa obrigação. Virámo-nos
para regressar às nossas vidas. Sabíamos
tudo o que era preciso saber,
e como havia pouco para dizer.
Ninguém disse nada acerca das luvas.
O escritor
Os dias, os anos, até as décadas desaparecem.
A luz solar atravessa uma divisão cheia de livros.
Um homem está sentado sozinho no quarto. Na
secretária
à sua frente uma chávena de café e um livro
aberto e virado. No canto próximo um gato dorme.
O homem repousa a cabeça numa das suas mãos.
Com a outra escreve num pedaço de papel.
De vez em quando
absorto afasta os olhos.
Não parece ver nada. Recomeça então
a escrever. É fácil ver que está
a pensar no futuro, misturando-o com o passado,
tentando dar sentido a um período de tempo,
sem se aperceber de como, quando tiver acabado,
quando pegar nas folhas para as ler,
terá envelhecido desde que se sentou
e deixou no papel as palavras que são a sua vida.
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