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«Disse ele: “Olhem, o Sol ainda vai alto e não é
hora de recolher os rebanhos.
Dêem de beber às ovelhas e levem-nas de volta ao pasto”.» (Gênesis
29:11)
Depois de dois
partos literários, «Espelho», obra em prosa publicada em 2011, e «Contar
Ser Gregos», obra poética publicada em 2012, eis que Emmy Xyx, ou se
quisermos fazer do senhorio deste pseudónimo literário chama acesa
crescendo seus tentáculos de labaredas vivas para além dos domínios da
literatura, chamá-la-íamos Manuela Xavier, nome quase sempre em rubro
nos meandros das artes e letras da «Pérola do Índico», nos aquece com
esta colectânea de luzente poesia, «De Sol Acções a Sol Unções», título
que, como ter o sol a centímetros da testa, possibilitou o pôr-do-sol da
minha memória de tal tamanho e sorte que me vi totalmente invadido por
lendas e mitos sobre esta estrela anã, ou seja, o Sol.
À luz da história,
pode-se dizer que o sol teve sempre o seu lugar ao sol em várias
religiões conhecidas no longo percurso da existência humana, ao ocupar
quase sempre o título de deus mais importante entre os deuses, sendo
portanto para os egípcios conhecido pelo nome Rá, para os sumérios,
Shamash, para os persas, Mitra, para os fenícios, Adonai, só para trazer
à luz alguns exemplos.
O mito grego de
Hélio, deus que ostenta o nome do qual derivam as palavras
«heliocêntrico» e «heliocentrismo», conta que Hélio era um deus que
riscava os céus num carro de fogo puxado por quatro cavalos brancos,
soltando fogo pelas narinas e que, depois de a Aurora aparecer no
horizonte, no seu carro ele saía do oriente e subia até o ponto mais
alto do «meio-dia», descendo, em seguida para o ocidente até ao fundo do
oceano ou se escondia atrás das montanhas.
Para os índios, o
sol era um «vivant» de nome Kuandú, que tinha três filhos, o mais velho,
o sol que aparece na época da seca, o mais novo, o sol que sai na chuva,
e o do meio, o sol que ajuda os irmãos quando estão estarrecidos. Quando
Kuandú, em consequência a uma desavença que tivera com índio Juruna, foi
acertado na cabeça por um cacho do fruto da palmeira inajá, tendo
encontrado a morte, tudo escureceu, sendo difícil fazer qualquer coisa
que fosse, em virtude da escuridão que se alastrou por toda a parte. Com
a morte de Kuandú, a sua mulher mandou os três filhos saírem de casa, o
que explica alguns comportamentos climáticos que estamos acostumados a
presenciar, ou seja, quando estamos na seca é o filho mais velho de
Kuandú que está fora de casa, quando o sol é fraco e finda a época da
seca, é o mais novo, e o do meio só aparece quando os outros estão
cansados.
É com este mesmo
sol, que já inspirou inúmeros mitos, lendas, estórias e histórias, para
além das supra contadas, que Emmy Xyx diz, no «De Sol Acções a Sol
Unções», em voz cálida, que «Absque sudore et labore nullum opus
perfectum/ Sem suor e sem trabalho, nenhuma obra é perfeita», embora
seja verdade que «A vida em baloiço balança/ não pára de baloiçar/ a
perfeição não a alcança/ está sempre a duvidar (…)» (p. 19), mesmo «se
as existências resistem/ se as resistências existem/ se as penitencias
persistem/ e se as pertinências permitem (…)» (p. 19), «na bola da vida
o jogo/ no bolo da vida o fogo/ na coca da vida o gogo/ na cola da vida
o foco/ de bola em bolo/ de cola em colo (…)» (p. 19) como uma luz no
fundo do túnel brilhando para contrariar as trevas profundas que se
abrem para dizer que, à luz dos tempos que correm, talvez valha dizer-se
que «a esperança é a primeira a morrer», pois a claridade de tal
inquietação pode ser encontrada nesta frase, «Até que o sol não brilhe,
acendamos uma vela na escuridão.», frase do grande pensador e filósofo
chinês Confúcio (551 – 479 a. C.).
«Ainda não
inventaste outro lugar
ainda não
inventaste outra esfera
ainda não
inventaste outra terra
na que julgas
que crocodilos te
acolhem
ainda não
inventaste outro espaço
ainda não
inventaste outra guerra
E enquanto não a
inventaste
finge que
inventaste esta terra!»
Este poema,
intitulado «Finge» (p. 37), é o clarão que ilumina o chamamento
colectivo para que interiorizemos que, se não formos nós a tomarmos a
dianteira na luta pelo que queremos, ninguém mais estará de mãos
arregaçadas pronto para suar a camisa em nome da terra que nos viu
nascer, posto que, como ressalva a autora de «De Sol Acções a Sol
Unções» no poema «Nosso Moçambique» (p. 60), «Tirou as mãos do chão/
alegria de viver!/ Cresceu, cresceu sem saber/ às mãos a água não
levou./ Colares de pérolas, brincos e pulseiras/ cobrem o corpo de água/
quem te viu e que te vê:/ Moça que não lê.», poema inspirado de um poema
de Walter Sergio, estamos diante de um «A luta continua!» aos homens do
nosso tempo, nessa passagem de testemunho que estabelece a dialéctica da
manutenção e transformação das sociedades, faltando, por conseguinte,
que, através de acções, ou como diria Xyx, «Sol acções», sejamos a este
chame colectivo eco ensurdecedor ao respondermos todos juntos, «A luta
continua!», provendo soluções e «Sol unções» para o escuro dos dias que
em nossos olhos correm.
Como que dizendo
que a manutenção cultural é o garante para se chegar a luz da
prosperidade que buscamos em cada baga de suor a que nos damos nas
diferentes lutas que levamos a cabo, a autora de «De Sol Acções a Sol
Unções» confunde-nos com os ritos de iniciação que mudam para dar nome a
um poema intitulado «Gritos de iniciação» (p. 41), «Oiço teus gritos ao
longe/ voltas calado, inocente/ guardas sofrimento de monge/ sei que
quem cala dor sente.», aliás, característica de maior ocorrência na
poesia de Xyx, como podemos constatá-lo em outros poemas, «Agá cem “B”»
(p. 10), «Auto Cura no Autocarro» (p. 18), «Beber guala» (p. 20), «Com
par acção» (p. 22), «Dinheiro mendigo» (p. 28), de «De Sol Acções a Sol
Unções», ou no poema «Contar ser grego», o mesmo que dá título ao seu
segunda obra.
Vale no entanto
pôr a relevo a advertência que a autora faz, através do poema
«Definição» (p. 25), «Como comer banana/ com casca/ se é a casca da
banana/ que me faz cair?!», para que, ao longo deste longo processo de
busca pela prosperidade, ou seja, desencadear «sol acções» que permitam
que consigamos chegar a «sol unções», nos precavermos das enfermidades
que possam nos impedir de suar a camisa, podendo as referidas
enfermidades se fazerem representar em nossas vidas através das
convulsões sociais, instabilidade política, guerras endógenas e/ou
exógenas, ou ainda as crises económicas mundiais, que podem nos levar a
uma situação de incapacidade mais acentuada, perante o desenvolvimento
que tenhamos conhecido.
Nesta luzente
colectânea de poemas ao falto de sol da nossa consciência de trabalho,
«(…) a lucidez/ que ilumina a vida.» (p. 63) sobre ela reluzindo,
celebramos a vida cantando, mesmo nos primeiros momentos de nossa vida,
ao longo dela e, quem sabe, no seu fim, como a autora sublinha ao deixar
a descoberto que o «sol», neste «De Sol Acções a Sol Unções», tanto pode
tratar-se da estrela anã quanto da quinta nota na escala musical, ao
brindar-nos com o poema «Notas musicais» (p. 61):
«A dor em mim!
Faz sol.
Lá, se dói.
Adoro sim
lá sol faz
em meu redor.»
Este poema tem a
particularidade, diga-se, bem explorada pela autora, de substantivos,
verbos, complementos e pronomes se confundirem com notas musicais: o
«dó» e «dor» e «dói», «mi» e «mim», «fá» e «faz», «sol» e «sol», «lá» e
«lá», «si» e «se» trocam de papeis, sugerindo-nos a mesma esperança que
brilhou nos olhos dos nossos antepassados, enquanto escravos.
Se «De Sol Acções
a Sol Unções», mais do que uma obra poética, é um convite ao sol da
nossa sempre viva vontade de vencer sobre as adversidades próprias de um
país que está na trilha do desenvolvimento, então a sua autora, através
dos 80 poemas que esta obra iluminada congrega, poemas que se apresentam
norteados por uma ascensão alfabética de “A” a “V”, a mesma ascensão que
devemos incorporar na nossa força de vontade, na coragem para vencer,
quando nos damos ao trabalho, talvez, a autora deste parto literário,
através desta colectânea de poemas, queira dizer-nos: em vez da boca,
que passemos a suar a camisa, pois não existe nas trevas da vida sol que
se faça alto sem acções nem sol que se deite tranquilo sem unções.
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