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        | REVISTA TRIPLOVde Artes, Religiões e Ciências
nova série | número 47 | 
		agosto-setembro | 2014 |  
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            | RUTE MARTINHO 
 "O vestido envergonhado"
 e outros contos
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            | 
			Rute Elisa de Matos Martinho (Portugal). Poeta e ficcionista. |  |  
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        | EDITOR | 
		TRIPLOV |  |  
        | ISSN 2182-147X |  |  
        | Contacto: revista@triplov.com |  |  
        | Dir. Maria Estela Guedes |  |  
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        |  | A minha 
		mula teve uma cria 
		  A Gertrudes era 
		uma menina do campo, muito pobre, como muitos outros meninos do 
		princípio do século XX. De tempo a tempo ia, a mando da mãe, montada num 
		burrinho ao monte da avó Umbelina, que vivia ainda a uma distância 
		grande do monte onde vivia a nossa Gertrudes. A Avó era mais afortunada 
		que a família dela, tinha colmeias e um rebanho com ovelhas e cabrinhas 
		leiteiras, para além de uma boa horta e um forno onde cozia pão para 
		muitos vizinhos.  Ia buscar mel, 
		mas sobretudo cântaros de leite. Em casa da avó havia uma tia, muito 
		brincalhona e bem-disposta, a tia Celina. Gostava muito de
		mangar com a ingénua da 
		Gertrudes, que caía sempre nas brincadeiras da tia. 
		 Sempre que dava 
		à Gertrudes o cântaro com o leite, dizia “Diz à tua mãe que coma a 
		rolha”. E neste caso, era mesmo verdade, porque aquela rolha era nem 
		mais nem menos do que um queijo fresco embrulhado num pano branco. 
		 Mas havia mais. 
		Um dia a tia Celina lembrou-se de dizer à Gertrudes, sempre crédula: 
		“Diz à tua mãe que a minha mula teve uma cria”. Pois é, todos sabemos 
		que as mulas são animais híbridos, filhas de éguas e de burros ou de 
		burras e cavalos e por isso não podem ter crias. Noutra altura o recado 
		foi outro: “Diz à tua mãe que a Quinta feira da Ascensão este ano calha 
		numa Sexta”. Depois de entregue o recado, a mãe da Gertrudes olhou para 
		a filha com ar muito sério e disse-lhe: ”Então menina, não sabes que se 
		chamam ao dia Quinta feira da Ascensão é porque é sempre celebrado numa 
		Quinta-feira, já te deixaste apanhar pela tua tia outra vez”. Agora pergunto 
		eu, será que a nossa Gertrudes não se divertia ao fingir que caía nas 
		brincadeiras da tia, que lhe contava sempre mais uma história para, 
		também ela, se divertir com o que inventava?  |  
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        |  | E era só um copo de água  Há muitos anos, 
		nos casamentos, havia o costume de após a cerimónia de casamento na 
		Igreja, se fazer uma recepção mais simples do que os actuais almoços e 
		jantares. A comida estava espalhada por mesas e os convidados 
		deslocavam-se de mesa para mesa para comer um rissol daqui, um croquete 
		dali, uma fatia de bolo de outra mesa. No início, podia ser servida uma 
		sopa quente, mas o resto da comida era sempre fria. Tratava-se sempre de 
		uma refeição simples, ainda que recheada de doces, incluindo o Bolo da 
		Noiva: a este tipo de recepção chama-se “o 
		Copo de Água”, para marcar a distinção entre estas receções mais 
		simples dos almoços ou jantares oferecidos noutros casamentos. 
		 Mas passemos à 
		nossa história. No casamento de 
		uns amigos dos meus pais, como os convidados eram muitos, os noivos 
		optaram por oferecer apenas o tal 
		copo de água em vez de uma recepção mais complexa, com jantar. 
		 Ora, um dos 
		irmãos do noivo, que tinha dois filhos de 8 e 4 anos, chamados Pedro e 
		Mariana, pensou que seria melhor não levar as crianças ao casamento. 
		Para justificar a decisão disse aos filhos “Aquilo 
		é só um copo de água” e como os miúdos desconheciam o verdadeiro 
		significado da expressão, levaram-na num sentido literal e assim 
		aceitaram não ir ao casamento. O problema foi 
		quando viam as fotografias do casamento: aquilo era muito mais do que um 
		copo de água, havia salgadinhos, com ar tão apetitoso. E os bolos e 
		doces, esses eram ainda mais de fazer crescer a água na boca. Está-se 
		mesmo a ver que o Pedro e a Mariana ficaram mesmo muito tristes, para 
		não dizer zangados por terem perdido aquela comida com aspecto tão 
		apetitoso. Como já era mais velho que a irmã e sabia muito bem o que 
		queria dizer, o Pedro decidiu que ia mostrar aos pais quanto estava 
		descontente de não ter ido aquele casamento: com uma cara muito triste, 
		quase a fazer beicinho, disse aos pais:
		“Com que então era só um copo de 
		água!!!”.  E temos que 
		dar-lhe razão. Aquela recepção era tudo menos um simples copo de água, 
		literalmente falando, claro está.    15 de Maio 
		de 2012  |  
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        |  | O que é a 
		Filosofia? 
		  A Joana tinha 
		dez anos. Era uma menina muito curiosa, ainda que sempre muito calma. 
		Queria saber sempre mais. Gostava de descobrir como eram as coisas, como 
		funcionava tudo. Gostava muito de ler livros que explicassem o porquê de 
		algo ser assim.  No local onde 
		trabalhava a mãe dela, trabalhava, igualmente, uma senhora com quem a 
		Joana gostava de estar. Explicava o que conseguia e indicava livros para 
		leitura, quando não conseguia dar resposta. Ora essa senhora tinha feito 
		um curso que muitos meninos como a Joana não percebiam, a maioria nem 
		lhe conhecia o nome: Filosofia.  Um dia a Joana 
		descobriu que a tal senhora tinha feito o tal curso, e curiosa como era, 
		foi ter com ela e perguntou-lhe: “O que é a Filosofia?” Ao que a amiga 
		respondeu “Sabes, Joana é muito difícil explicar a uma menina da tua 
		idade o que é a filosofia, mas posso tentar explicar-te o que é um 
		filósofo. Como sabes, todas as pessoas se perguntam porque é que isto é 
		assim, porque é que não é de outra forma. Pois é, há dois tipos de 
		perguntas. Umas são específicas e têm respostas fáceis, dadas pela 
		ciência, como por exemplo porque é que a terra anda á volta do sol? Está 
		é de resposta fácil, dada por uma ciência chamada física, e como já 
		deves ter lido, a razão é a força da gravidade que o sol exerce sobre a 
		terra. Mas há outras perguntas que são mais difíceis de responder, são 
		mais gerais e até podem ter mais que uma resposta. Um exemplo é porque é 
		que existe alguma coisa e não o nada. Ora, estas perguntas foram feitas 
		pelos filósofos, que também tentam dar-lhes respostas, sempre o mais 
		cientifico possível. A religião também lhes dá resposta, mas essa é 
		sempre a mesma. Deus quis e assim ficou.”.  Nesse momento a 
		senhora que tinha feito o curso de filosofia, apercebeu-se de que aquela 
		resposta talvez tivesse sido muito complexa, até para a nossa joana 
		sempre tão curiosa. Qual não foi o espanto que teve, ao ver a Joana com 
		um grande sorriso, de grande felicidade que lhe disse: “Então eu sou 
		filósofa.” E estava certa, 
		pois todos os meninos, naturalmente curiosos, têm um espirito 
		filosófico. Mais tarde podem perdê-lo, mas há alguns que mantêm a sua 
		curiosidade e a vontade de saber sempre mais, e são esses os filósofos.
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		A Mosca Moscatel  A mosca Moscatel gostava muito de guloseimas. Era 
		mesmo uma mosquinha bastante gulosa. Ninguém sabe a que ponto era 
		gulosa, a mosca Moscatel desta história. No ninho das moscas tinham-lhe 
		dado o nome de Moscatel por ser assim tão gulosa.  Um dia a Moscatel entrou num restaurante, ninguém a 
		tinha convidado, mas ela entrou naquele restaurante sem convite nem 
		nada. Olhem só que falta de educação! Nesse dia, havia uma festa de anos 
		de um menino chamado Tomé no restaurante onde a nossa mosquinha entrara. 
		Entrou sorrateiramente, como quem não quer nada, e foi poisar no bolo de 
		anos do aniversariante desse dia. A mãe do Tomé, com mil cuidados, para 
		não estragar o bolo, lá tentou desalojar a mosquinha Moscatel. Mas nada 
		demovia a nossa heroína. Sim, era uma heroína! Não havia quem a 
		removesse daquele bolo com aspecto tão apetitoso.  Até que … com o entusiasmo com que poisara no bolo, 
		nem se deu conta de que aquele bolo era uma ratoeira para moscas: a 
		cobertura era pegajosa e pouco sólida.  Quando começaram a partir o bolo, a Moscatel, já de 
		barriga cheia daquela cobertura feita de mousse de chocolate, bem que se 
		tentou libertar, mas agora  o 
		bolo estava quase a engoli-la. Só conseguiu escapar daquela morte tão 
		má, porque uma amiga do Tomé, a Sofia, recebeu a fatia onde estava a 
		nossa mosquinha, por essa altura quase morta.A Sofia, deve dizer-se, era 
		ecologista, e não gostava de ver nenhum bicho morrer. 
		Pegou na Moscatel, com muito cuidado, tirou-a do bolo e limpou-a 
		com um guardanapo. Depois colocou-a numa cadeira para que pudesse secar 
		as asas e disse aos outros meninos: “Esta mosca também tem o direito de 
		comer um pedacinho do bolo.”  A Moscatel, ao ouvir isto, pensou consigo: “Olha 
		que menina tão simpática”. Pousou no rosto da Sofia e segredou-lhe ao 
		ouvido: “Obrigado, Sofia, salvaste-me.”  |  
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		Dona Aranha e Dona Centopeia   Todos sabemos como as aranhas e as centopeias não 
		se dão bem, não é?  Mas a aranha e a centopeia desta história eram 
		muito amigas. Eram vizinhas há muito tempo; e como Dona Aranha só comia 
		outros insectos mais pequenos, Dona Centopeia não só não a considerava 
		má vizinha, como gostava de conviver com Dona Aranha.  Num frio de inverno Dona Centopeia queixou-se á 
		Vizinha de como sofria com aquele frio, disse-lhe, enquanto ambas bebiam 
		uma chávena de chá que fizera e oferecera à amiga: “Sabe, o pior de tudo 
		são as constantes frieiras que tenho nos pés, não consigo aquecê-los, e 
		há sempre uns tantos que ficam gelados.” Nessa noite Dona Aranha pensou num modo de resolver 
		o problema da vizinha: Afinal ela até sabia tecer, e muito bem. Resolveu 
		fazer, todos os dias, quatro pares de meias para os pés de Dona 
		Centopeia. Ia colocando as meias à porta da vizinha, sempre pela manhã, 
		muito cedinho, para manter a prenda secreta. Preferia assim: não queria 
		agradecimentos nem retribuições. Estava a fazer as meias simplesmente 
		porque queria.  No dia em que ia depositar os quatro últimos pares 
		de meias, é que o caldo ficou entornado. Não é que Dona Centopeia se 
		tinha levantado mais cedo e estava a sair de casa logo quando a vizinha 
		se preparava para colocar as meias à sua porta.  Dona Centopeia, muito surpreendida, olhou a 
		vizinha, Dona Aranha, com grande espanto e não conseguiu senão dizer: 
		“Então tem sido a senhora quem me tem colocado quatro pares de meias à 
		porta de casa, como poderei retribuir tal gentileza, enfim não sei que 
		mais diga senão obrigado”.  
		Dona Aranha respondeu” Não agradeça, para mim basta vê-la com as meias 
		calçadas, isso já e grande agradecimento.” Claro que Dona Centopeia, sabendo que não tinha 
		como retribuir aquela prenda tão bonita, não fez senão continuar a 
		oferecer chás á vizinha.  No fim da história, continuaram amigas, e pelo que 
		ouvi há dias, continuam a beber chá em casa de Dona Centopeia, que até 
		hoje considera ainda não ter retribuído as meias feitas por Dona Aranha. 
		 Por nós, sabemos que sim, que só o usar as meias é 
		retribuição mais que suficiente.  |  
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        |  | Este ano até nem há muitas 
		  
		           
		Eu e a minha mãe costumávamos ir muito 
		a casa daquela nossa tia. Gostávamos muito de estar com ela, não só pela 
		grande simpatia que tinha, como pela forma como acolhia quem ia a casa 
		dela, como sobretudo pela bonomia com que sempre encarou a vida, com um 
		sorriso sempre franco, mesmo quando as coisas lhe corriam mal. Nunca se 
		queixava de doenças nem de estar menos bem-disposta, mesmo que o 
		estivesse.              
		Naquele fim de tarde estava muito 
		calor, era um dia de Verão daqueles em que nem á sombra se estava bem. 
		Quando o calor já apertava um pouco menos, lá fomos nós visitar a Tia 
		Marcelina ao monte onde ela morava para estar algum tempo na companhia 
		dela, no fundo pelo prazer de disfrutar de estar com ela. Quando a noite 
		começou a cair, mas ainda o céu tinha uma cor azulada, vimos o que 
		parecia ser uma nuvem preta que cobria o céu. Eram mosquitos, muitos 
		mosquitos. A minha mãe, meio com receio dos mosquitos, meio porque já 
		era tarde decidiu que já eram horas de voltarmos a casa e disse à tia: 
		“sabe, tenho que ir fazer o jantar e também não quero chegar à Maia de 
		noite, para além disso estes mosquitos amedrontam-nos” 
		           
		Ao que a Tia Marcelina respondeu, com 
		a bonomia que sempre mantinha: “Então Jana, este ano até nem há muitas.” 
		           
		Ai não que não havia, aquele enxame 
		parecia uma nuvem enorme que enchia o céu de lés a lés. Nem quero pensar 
		se fossem mesmo muitas.     
		           
		11 de Maio 
		de 2012  |  
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		Roger  O Roger é um 
		grande amigo nosso. Foi aluno do meu pai em Bristol, Inglaterra. Sempre 
		o conheci como uma pessoa com um sentido de humor muito particular. 
		Desde os primeiros dias em que me cruzei com ele, o Roger mostrou-se 
		sempre como alguém com um gosto peculiar em divertir-se com os jogos de 
		palavras e chegava a jogar com a língua recentemente aprendida. 
		 Uma vez, na 
		década de 70, em que se deslocou com a família a Portugal, esteve em 
		Estremoz, hospedado na Pousada local, foi a casa de meus pais jantar e, 
		noutro dia, visitar uns tios nossos que viviam no campo.
 Em qualquer das 
		ocasiões, aconteceram dois episódios que recordo como só podendo 
		acontecer com este amigo.  O primeiro dos 
		episódios deu-se lá em casa, ao jantar. Uma amiga nossa ofereceu à minha 
		mãe umas trouxas-de-ovos, típicas da zona de Estremoz. Fizeram tanto 
		sucesso que todos repetiram, ficando apenas uma, pelo que perece muito 
		cobiçada por todos, incluindo o meu pai e o Roger. Ora, o Roger, 
		percebendo quanto o meu pai queria aquela
		honra de veiros disse sem a 
		mais pequena hesitação: “Eu sou visita.” E pegou na trouxinha e comeu-a. 
		 O segundo 
		episódio aconteceu no dia em que fomos ao campo á casa da tia da minha 
		mãe. Nesse dia a minha mãe contou a todos que tinha nascido naquela 
		casa, no espaço onde agora está instalada a dispensa da casa, que quando 
		a minha mãe nasceu era um quarto de dormir. Depois também disse que a 
		escola onde tinha estudado era o palácio onde agora está instalada a 
		Pousada onde os nossos amigos estavam principescamente instalados. Em 
		vista daquelas revelações, o nosso amigo Roger disse, de novo sem 
		hesitar: “Joana, tu nasceste numa 
		dispensa, mas foste educada num castelo!” E, concluo eu, deve ter 
		pensado que não era de espantar que a minha mãe fosse alguém de tão 
		especial, com uma personalidade e uma educação tão esmerada. Em bom 
		inglês, a true lady. 
		 
		  14 de Junho de 2012 |  
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		O Esquilo João  O Esquilo João era muito esquivo. Nunca tinha 
		conhecido o sabor da liberdade, mas vivia ansioso pelo dia em que se 
		visse no meio de um bosque, a movimentar-se, a seu belo prazer, de 
		árvore para árvore, tal como ouvira a mãe a contar-lhe desde pequenino, 
		da sua vida dos tempos em que ela fora livre.  Naquele dia a oportunidade veio ter com o João. À 
		loja onde tinha nascido o nosso esquivo esquilo foi, na manhã dessa 
		Segunda Feira, uma senhora que queria comprar um esquilo. Queria ter lá 
		em casa mais um bichinho. Já tinha um gato, um cão e um periquito, enfim 
		gostava muito de se sentir acompanhada por animais; mas fazia questão de 
		comprar um esquilo. Falou com o dono da loja, que se apressou a 
		mostrar-lhe a gaiola com o João. Fez-se o negócio. Tudo corria de 
		feição, para os humanos claro está, porque o esquilo não gostou nada do 
		que estava a ouvir.  Então decidiu: “Vou fugir” E assim fez: logo que o 
		dono da loja abriu a porta da gaiola para tirar o João, este esquivou-se 
		e foi instalar-se num buraquinho ao lado da porta de saída para não ser 
		visto. Fecharam a porta, procuraram-no por toda a parte, mas ninguém via 
		este nosso pequeno esquilo castanho com riscas brancas. Esperou pela 
		noite e pela manhã seguinte. Nessa altura o dono da loja não teve 
		alternativa senão abrir a loja. Foi aí que o esquivo do Esquilo João se 
		escapou de vez. Correu muito depressa e saiu do centro comercial onde 
		estava a loja de onde se escapara; correu até um pequeno bosque ali ao 
		pé e subiu a uma árvore grande de que gostou muito.  Por esta altura a fome já apertava; mas olhem só 
		que sorte! Tinha subido para uma nogueira, e esta estava cheiinha de 
		nozes. O nosso herói pensou consigo: Sou o esquilo com mais sorte do 
		mundo, estou livre e ainda por cima tenho que comer por muito tempo: ” E é verdade, quantos esquilos haverá no mundo que 
		encontrem uma nogueira logo ao pé da loja de onde fogem?  |  
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        |  | Pica-me 
		aqui 
		  O Antoninho 
		esteve, ainda quase bebé, muito doente, ia morrendo. A mãe ficou, como 
		seria natural, muito preocupada com aquela doença. Naqueles tempos 
		longínquos havia o hábito de se fazerem promessas para ajudar a curar as 
		doenças. A mãe do Antoninho, como mulher religiosa que era, prometeu que 
		se o seu menino melhorasse, ele entraria numa procissão vestido de 
		anjinho.
 O Antoninho lá 
		se curou, ficou cheio de saúde, e a família decidiu que na procissão 
		seguinte o menino entraria nela vestido de anjinho. Então vestiram o 
		menino com um lindo fato branco, que nesses dias era de tamanho único e 
		ficava muito grande ao Antoninho, ainda tão pequeno que mal podia andar 
		sozinho. Para ajustar o fato e prender as asas puseram no fato muitos 
		alfinetes.  Como disse 
		antes, o nosso Antoninho era ainda um menino muito pequenino, por isso a 
		mãe decidiu que seria acompanhado na procissão pela irmã mais velha, 
		chamada Maria.  
		 No início da 
		procissão o nosso menino ia mesmo muito bonito, todo composto, quase 
		parecia um anjinho verdadeiro, como os imaginamos, claro. Só que, ao 
		longo do percurso, de tempos a tempos, dizia à Maria apontando para um 
		sítio onde estava colocado um alfinete “Maria, pica-me aqui” e a Maria 
		lá tirava o alfinete que estava a magoar o irmão. E assim foram sendo 
		tirados quase todos os alfinetes que mantinham o fato composto, 
		incluindo muitos dos que prendiam as asas e as mantinham no seu devido 
		lugar.  Já todos estamos 
		a ver o nosso Antoninho a chegar ao fim da procissão com o fato com 
		aspecto de demasiado grande para ele, mas pior, com as asas quase 
		caídas, com uma das asas cair e a outra demasiado levantada. 
		 Todos percebemos 
		que a Maria, com tantos “Maria pica-me aqui”, “Maria pica-me ali”, 
		“Maria pica-me acoli” não teve outro remédio senão ir tirando os 
		alfinetes que mantinham o nosso anjinho com aspecto de anjinho com o 
		fato justo ao seu corpo e as asas de anjinho direitinhas. Mas será que por 
		deixar de parecer um anjinho de verdade, com tudo no lugar certo, 
		incluindo as asas, o nosso Antoninho tinha deixado de ser um anjinho? |  
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        |  | Quem viu uma senhora muito alta com um 
		turbante muito bonito 
		  A Matilde era 
		muito pequena. Tinha 3 anos ou pouco mais. Estava com os pais de férias 
		numa praia perto de uma cidade com muitas pessoas e com ruas daquelas 
		onde é muito fácil a uma menina pequena perder-se. 
		 Num dos dias 
		dessas férias, a Tila, como era conhecida pela família e os amigos, 
		perdeu-se mesmo numa das ruas de Portimão, a tal cidade cheia de gente e 
		com ruas de difícil orientação para ela. Nessa altura muitas senhoras 
		costumavam usar uns turbantes na cabeça. O da mãe da Tila era laranja e 
		aos olhos da nossa heroína era não só vistoso, como muito bonito. 
		 
		Quando se viu perdida, a Tila sentiu-se 
		aflita durante algum tempo, o que é natural para uma menina tão pequena 
		no meio de uma cidade estranha com tantas pessoas, mas, depois, ao 
		lembrar-se do aspecto da mãe, decidiu perguntar às pessoas que passavam 
		ao pé dela: “Quem viu por aí uma 
		senhora muito alta com um turbante muito bonito?” Depois de muitas 
		pessoas terem passado por ela, sem nada responder, mesmo sem saber o que 
		fazer, houve uma senhora, já com idade avançada, que tentou ajudar 
		aquela menina, nitidamente aflita. Pegou na mão da Tila e lá foram ambas 
		à procura da tal senhora muito alta com um turbante muito bonito de que 
		a menina falava. Procuraram, procuraram e procuraram ainda mais. A certa 
		altura a tal senhora mais idosa viu uma jovem senhora muito bonita e com 
		um turbante laranja na cabeça, com um aspecto muito preocupado. Deixou a 
		menina debaixo de uma arcada, lembrando-lhe que não saísse de lá, ordem 
		a que a Tila obedeceu cheia de medo de voltar a perder-se. Resolveu 
		então perguntar-lhe porque é que estava tão preocupada. A senhora que 
		tinha o turbante laranja, confessou que andava à procura de uma menina 
		pequena, com pouco mais de 3 anos que se tinha perdido no labirinto que 
		era aquela cidade. Perante esta afirmação a senhora idosa que encontrara 
		a Tila, disse que tinha encontrado uma menina que correspondia à 
		descrição que a senhora do turbante lhe dera e perceberam ambas 
		tratar-se da mesma menina. Levou a mãe da Tila para junto da menina, que 
		ficou muito feliz por ter reencontrado a mamã. Esta por sua vez também 
		ficou muito feliz por ter encontrado a sua querida filhinha. 
		 
		Deve dizer-se que os pais da nossa Tila 
		ficaram muito espantados quando a senhora idosa que encontrara a Tila 
		lhes contou como tinha conseguido saber quem era a mãe da menina, e de 
		como a menina, ainda tão pequena, tinha conseguido ajudar um adulto a 
		ajudá-la a encontrar os pais com aquela frase que ficou na memória deles 
		para sempre: “Quem viu por aí uma 
		senhora muito alta com um turbante muito bonito?” |  
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		Os caprichos do Carlinhos  O Carlinhos era um menino muito traquinas. Vivia 
		numa cidade pequena, numa zona com muitas pedras e com o terreno aos 
		altos e baixos. Gostava muito de correr de um lado para o outro. 
		 Um dia, escorregou e caiu com os joelhos no chão. O 
		arranhão nem era grande, mas ao Carlinhos doía-lhe muito. Ficou logo a 
		choramingar, talvez com a dor no joelho, talvez porque ficou furioso por 
		ter caído e a mãe o ter repreendido. Chorou, chorou e chorou ainda mais. 
		 Depois parou. A mãe pôs-lhe água oxigenada e um 
		penso e disse: “Cuidado, se voltas a cair, a ferida abre-se e depois dói 
		mais”.  Uns dois, três minutos depois, o Carlinhos 
		recomeçou a choramingar; então, o irmão dele, dois anos mais velho, o 
		Tiago, achando estranho este segundo choro, disse: “Estavas tão bem, já 
		tinhas parado e agora começaste a chorar outra vez !” O Carlinhos fez uma grande cara de beicinho, 
		choramingou mais um pouco e respondeu sem hesitar: “Então não vês que 
		estava a descansar. “ |  
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        |  | O vestido 
		envergonhado  
		
		Nesse dia o vestido azul voltou a sair à rua. Que feliz se sentia de novo a ser usado pela menina 
		a quem agora voltara a servir.  Lá se foi para o trabalho, todo cheio de 
		contentamento, a sentir-se como um vestido novinho, acabado de estrear.
		  Só que, a certa altura, que balde de água fria, 
		alguém reparou que a sua bainha estava toda descosida. Vá que não vá, 
		pelo menos era em toda a roda e não apenas uma parte: “Olha que vergonha, que desmazelada que esta menina 
		é!” – pensou o vestido consigo próprio. Será que há alguém que salve esta vergonha 
		 E houve: uma colega da menina desmazelada lá se 
		lembrou que podia coser a bainha ao vestido, agora quase rubro de 
		vergonha, pediu à amiga que lhe passasse linha e agulha, e pôs as mãos a 
		trabalhar. Devagarinho, devagarinho, coseu a bainha ao vestido, cada vez 
		mais feliz por voltar a ficar com aspecto normal.  No fim, ficaram os dois felizes, a menina 
		disparatada e o vestido azul que voltara a servir à menina. 
		 A menina porque o vestido agora já estava belo. 
		 O Vestido porque se sentia com aspecto de vestido 
		decente.   |  
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        |  | © Maria Estela Guedesestela@triplov.com
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