REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 47 | agosto-setembro | 2014

 
 

 

 

LUÍS COSTA

Das
Vozes periféricas

 

 

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
Contacto: revista@triplov.com  
Dir. Maria Estela Guedes  
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I

DESCALÇOS e sujos, os ranhos no nariz,

brincam na lama. a rua é o seu império.

abandonados por deus aprendem os abismos das raças,

a violência dos pais no redemoinho da des -glória.

um dia hão-de erguer-se da lama

para dominarem os reinos da suburbanidade

as mãos tingidas pela noite das feras

_______ e um grito vermelho.  

 
 

II

VIÚVAS agrestes. violentas. febris.

com os pulsos feridos pelo voo dos grandes delírios.

observo-as da minha janela.

observo-as com uma ternura tempestuosa.

gosto de ver como se penteiam morosamente

sob o luar dos gabinetes secretos.

gosto de ver como holofoticamente

cravam agulhas nos olhos das suas bonecas.

bonecas antigas. bonecas inquientantes.

bonecas enterradas no medo de uma infância mutilada. 

 
 

III

 

É O TEMPO das árvores

o tempo em que os mortos sobem às árvores

o tempo da morte

o tempo em que os frutos caem redondos

( o excesso da geometria vermelha no tempo )

o tempo das mães muito antigas

dos filhos tecendo pétalas de silêncio

nos cabelos das mães, dentro dos espelhos.

   
 
 

IV

CUSPIU nos rostos dos vendilhões dos templos,

deu pontapés nas mesas, libertou as aves

e, todo nu, correu através das ruas,

correu, correu, correu, até que os seus braços

se transformaram  em negras asas  – agora

alimenta-se das feridas mais fundas, no excesso da luz.

 
 

V

MORAM na brutalidade de um relâmpago

entre dois parêntesis

e depois dos parêntesis há talvez uma só grande traição

a brancura de uma palavra vazia

que as bocas jamais serão capazes de alcançar.

   
 
 

VI

VEJO estas tardes imóveis .

as mães sentadas às portas

atravessadas pelo relincho dos cavalos mudos.

a secura do leite pobre.

e as estátuas. as estátuas.

sombrias. grandes. inebriantes.

e as crianças ao redor

brincando com as fezes dos animais.

 

ah..!

 

sinto dentro de mim os olhos obliterados

pelas sombras das periferias.

a carne que não é mais do que uma travessia obscura.

fornicações amarelas.

escanzeladas.

sem sonhos ou luz.

sem um terreno onde os passos possam firmar

a dignidade de novos passos.

 

ó imensa alvura labiríntica...

 

e as aves ...  as aves...

aves negras que destelham  a glória do céu.

 

( bestas devoradoras

sem ternura 

erguendo-se das fossas )

 

  o terror!

 

 

© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
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