REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 47 | agosto-setembro | 2014

 
 

 

 

 

EUGENE GUILLEVIC

Carnac (excertos)

Trad. de Francisco Craveiro

Guillevic (Eugène), poeta francês, 1907-1997, nascido em Carnac. Segundo a Wikipedia, versão inglesa, “His poetry is concise, straightforward as rock, rough and generous, but still suggestive.” A sua formação em Matemática levou, provavelmente, a que escrevesse Euclidiennes, uma colecção de poemas tendo a geometria elementar por base.

 

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
Contacto: revista@triplov.com  
Dir. Maria Estela Guedes  
Página Principal  
Índice de Autores  
Série Anterior  
SÍTIOS ALIADOS  
TriploII - Blog do TriploV  
Apenas Livros Editora  
O Bule  
Jornal de Poesia  
Domador de Sonhos  
Agulha - Revista de Cultura  
Arte - Livros Editora  

Revista InComunidade (Porto)

 
 
 
 

Olhas o mar

E buscas-lhe os olhos. 

* 

Olhas os olhos

E neles vês o mar. 

** 

Em Carnac, atrás do mar,

A morte toca-nos e respiramo-la

Até nos figueirais. 

* 

Estão no ar,

As ossadas 

** 

Havia casas pobres

E gente pobre. 

* 

O tempo

Podia não ser

O dos vivos. 

* 

Do mar aos menires,

Dos menires ao mar, 

* 

O mesmo caminho com dois ventos contrários

E o do mar

Assassinando o outro. 

** 

Entre a povoação e a praia,

Havia à direita uma fonte

* 

Que não parava

De recuar no tempo. 

** 

Ela tinha um rosto

Como são os rostos

Abertos e fechados

Sobre a calma do mundo. 

* 

Nos seus olhos eu via

As profundezas do oceano, os seus esforços

Em direcção à luz suportável. 

* 

Tinha um sorriso igual ao alcatraz.

Apoderava-se de mim. 

** 

O que faz com que a morte esteja morta

E eu vivo, 

* 

O que faz com que a morte

Se mantenha mais longe do que antes 

* 

Oceano, tu colocas a ti próprio

Perguntas deste género. 

** 

Sei que há outros mares,

O mar do pescador,

O mar dos navegadores,

O mar dos marinheiros de guerra,

O mar daqueles que nele querem morrer. 

* 

Não sou um dicionário,

Falo de nós dois 

* 

E quando digo o mar,

É sempre o de Carnac . 

** 

As ervas de Carnac

Nas beiras do caminho

São ervas de epopeia

Que o repouso não diminui. 

** 

Do meio dos menires

O mundo tem o ar 

* 

De começar lá

E lá voltar. 

* 

Lá a luz está bem,

Desculpa. 

* 

O céu

Encontrou o seu lugar. 

** 

Nas terras,

Muitas vezes, 

* 

A miséria

É constantemente cinzenta. 

* 

O sol sobre o mar,

Silêncio, um ponto fixo 

* 

Para o qual tendes

Sol, mar – 

* 

E o ar que se perde

Para te ver. 

** 

Que dizes tu deste azul

Em que te tornas no mapa? 

* 

Sonhaste por vezes

Parecer assim? 

** 

Quando recebes a chuva

Reconheces a tua filha? 

* 

Exilada, de volta,

Desconhecendo a sua história, 

* 

Quem acredita que ela te magoe

Ou provavelmente te serene. 

** 

Quiseste unir-te

Contra o sol 

* 

Mas a quem

Senão ele? 

** 

Sem corpo,

Mas espesso. 

* 

Sem ventre,

Mas macio. 

* 

Sem orelhas,

Mas falando alto. 

* 

Sem pele,

Mas tremente. 

** 

Tão vasta, tão pesada

E tão limitada. 

* 

Um pouco de areia

Que tu removes. 

* 

Precisas de muito tempo

Para bem pouca coisa. 

** 

O teu pai:

O silêncio. 

* 

A tua obrigação:

O movimento. 

* 

A tua recusa:

A  bruma. 

* 

Os teus sonhos. 

** 

De igual modo que as casas

As pessoas sucumbiam. 

* 

Por vezes o vento era tanto

Que o tempo não era pesado. 

* 

Mas o vento

Escondia o tempo. 

** 

Entre o mar e a terra

Cultivada, tratada, 

* 

A charneca faz a transição

E luta para não escolher. 

** 

Perguntei-me muitas vezes

O que pensavas das cores. 

* 

Acho que a pergunta te incomoda,

Mas noto: 

* 

Nunca me veio a ideia

Fazê-la à hortênsia. 

** 

Quando pareces dormir

Vencido pelo sol,

A fadiga ou os sonhos 

* 

Nessa altura o alcatraz

Grita desesperadamente por ti. 

** 

Alinhados, os menires,

Como se estar em linha

Devesse dar direitos.

   
 
  Carnac . Kermario
   
 
  Carnac . Stones . Skyview
   
 
  France . Carnac . Alignement de Kermario
   
 

Os menires estão em fila

Para qualquer coisa

Que deve ter tido lugar. 

** 

Vens e vais

Mas com limites 

* 

Fixados por uma lei

Que não é tua. 

* 

Temos em comum

A experiência da parede. 

** 

Todas as paisagens

Que foi preciso ver. 

* 

Todas as paisagens

Onde tu não estavas. 

* 

E que te acusavam

De lá não estares.

 

 

 

 

© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
PORTUGAL