VIVI PRÓXIMO DAQUELES....
In memoriam Jorgos Makris
vivi próximo daqueles que estavam vivos
e amei as pessoas vivas
mas o meu coração andava mais próximo
dos doentes selvagens com asas
dos grandes loucos sem limites
e também dos mortos grandiosos
O ESPELHO
Para Nora Anagnostaki
Quando virei o meu espelho
para o céu
apareceu
uma lua meia devorada
pelas formigas vermelhas
do fogo
e junto dela uma cabeça
que ardia também no meio de uma chuva de fogo
e a cabeça brilhou
e resplandeceu
e enquanto o fogo a possuía e carbonizava
ela murmurou:
as árvores ardem e são escassas como o cabelo
o anjo parte com as asas queimadas
e a dor
um cão com uma perna quebrada
fica
fica
O CANÁRIO
Puseram-no ali, onde sopra
o vento mais agreste
consagraram - no à geada
deram-lhe uma túnica preta
e uma gravata vermelha
um sol com um prego cravado, que pinga
óculos negros
sangue no veneno
uma lança
e um canário
puseram-no ali, onde a dor se agita
e ofereceram-no à morte
para que brilhe como a prata
O RETORNO DA NOSTALGIA
A mulher tirou a roupa e deitou-se na cama
um beijo abriu-se e fechou-se no chão
as formas selvagens com facas começaram
a aparecer no tecto
Um pássaro, que estava pendurado na parede,
foi estrangulado e apagou-se
uma vela inclinou-se e caiu do castiçal
lá fora ouviam-se choros e ruídos
As janelas abriram-se, a mão entrou
depois entrou a lua
ele abraçou a mulher e dormiram juntos
Durante toda a noite ouviu-se uma voz:
OS DIAS PASSAM
A NEVE FICA
A ESTAÇÃO DE COMBOIOS
Em memória de Guillaume Apollinaire
Chove sempre no meu sono
o meu sonho enche-se de lama
é uma paisagem obscura
e eu estou à espera do comboio
o chefe da estação colhe malmequeres
que cresceram entre os carris
pois há já muito tempo
que não passa um comboio nesta estação
e de repente os anos passaram
estou sentado por detrás de um vidro
o cabelo e a barba cresceram
como se estivesse doente
e enquanto o sono me toma de novo
silenciosamente ela vem
traz uma faca na mão
cautelosa aproxima-se
e crava a faca no meu olho direito.
PEDRO
Que canibalismo de novo nesta primavera
as abelhas foram engolidas pelas flores
os falcões comeram as vísceras dos pássaros
a rosa ficou para trás completamente sozinha
e a violeta transformou-se num funeral
Eu não tenho mais flores para te oferecer
mas um dia hei-de ser o grande jardineiro
eu plantarei, podarei, regarei
e construirei a minha casa numa nuvem
e acenderei os meus sonhos com o sol
Hoje ainda sou um piloto
também culpado pela lama, pelos limões
pelas latas na água no meio do porto
enlouqueço as sereias, semeio o meu sangue
trago uns óculos de pedra e chamo-me Pedro.
MARIA
Pensativa Maria
tirou as suas meias
Do seu corpo saíam
vozes de outras pessoas:
de um soldado,
que falava como um pássaro,
de um doente, que morreu com a dor das ovelhas,
e o choro da sobrinha mais nova de Maria
que nasceu nestes dias
Maria chorava e chorava
agora Maria
esticou as mãos
à tarde descansou
com as pernas abertas
De seguida
os seus olhos escureceram
negros, negros e nublados
escureceram
O rádio tocava
e Maria chorava
Maria chorava
e o rádio tocava
Então, vagarosamente
Maria estendeu os seus braços
e começou a voar pelo quarto
INVERNO
Como são bonitas as flores murchas
consumadamente murchas
e este louco corre pelas ruas
com um coração temeroso de andorinha
é inverno e as andorinhas partiram
as ruas encheram-se de poças de água
no céu duas nuvens negras
que se olham raivosamente
amanhã a chuva também sairá à rua
desesperada
distribuindo os seus guardas - chuvas
as castanhas hão-de invejá-la
e cobrir- se - ão de pequenas rugas amarelas
e também os outros vendedores sairão à rua
aquele que vende camas antigas
aquele que vende peles quentes e agradáveis
aquele que vende salepo quente
e aquele que vende estojos de neve fria
para os corações pobres
VIDA
Noite
numa farmácia
de joelhos
um cavalo
devora
as traves
uma rapariguinha
com uma queimadura
estranhamente
verde
é tratada
enquanto o fantasma
chora
desesparedamente
no canto
A CABEÇA DO POETA
Cortei a minha cabeça
coloquei-a num tabuleiro
e levei-a ao médico
- Está tudo bem , disse-me ele,
só está um pouco em brasa
atire-a ao rio, depois veremos
Atirei-a ao rio juntamente com as rãs
então ela começou a enlouquecer toda a gente
ensaiava canções estranhas
chiava terrivelmente e gritava
Agarrei-a e coloquei-a de novo no meu pescoço
corri indignado pelas ruas
com a cabeça verde e hexagonal de um poeta
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