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REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
nova série | número 46 |
junho-julho | 2014
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MAGALI
ROSA DE SANT'ANNA
&
MARGARETE
BERTOLO BOCCIA
“O
Filho de Gabriela” de Lima Barreto:
uma análise do conto para
o ensino médio
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EDITOR |
TRIPLOV |
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ISSN 2182-147X |
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Contacto: revista@triplov.com |
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Dir. Maria Estela Guedes |
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Resumo
O
presente texto apresentará uma proposta de exercício de análise do conto
“O Filho de Gabriela”, do autor Lima Barreto. A aproximação entre a
Literatura e os conceitos freirianos foi analisada segundo a
racionalidade literária do mundo, de forma que o professor possa aplicar
esse tipo de análise em suas aulas de Literatura do Ensino Médio.
Palavras-chave:
Ensino Médio. Conto. Lima Barreto. Literatura Marginal. Sociedade.
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Introdução
O
objetivo deste artigo é propor um exercício de análise e aproximação
entre a Literatura e os conceitos freirianos, para o conto “O Filho de
Gabriela”, do autor Lima Barreto
(1).
Parte-se da compreensão que a literatura, como toda obra de arte, revela
muito mais sobre uma sociedade que as próprias obras científicas, como
pode-se verificar no trecho:
A obra literária não é o simples reflexo de uma consciência coletiva
real e dada, mas a concretização, num nível de coerência muito elevado,
das tendências próprias de tal ou tal grupo, consciência que se deve
conceber como uma realidade dinâmica orientada para certo estado de
equilíbrio. (GOLDMANN, 1990, p.18)
A
obra de arte é considerada uma variável independente, que pode ser
observada e analisada sob duas perspectivas: a de quem a escreve e a de
quem aprecia. Em ambas as formas, o texto do artista se apodera da
sensibilidade que, descrita com inteligência, proporciona sensações
completas aos leitores. Por outro lado, o próprio artista não está
querendo provar tese nenhuma a ninguém e, ao escrever seu texto descreve
quase que inconscientemente, na maioria das vezes, a própria sociedade
(ROMÃO, 2011).
A
aquisição de conteúdos curriculares, segundo os PCNs para o Ensino Médio
(2000, p.92) para a área de Linguagens e Códigos, servem “para a
constituição da identidade e o exercício da cidadania”. Então,
entendemos que seria através da comunicação e de suas diferentes
linguagens, que podemos ressaltar a importância dessa formação. Desta
forma, seria interessante trabalhar em sala de aula com conteúdos
ligados as artes (a Literatura, por exemplo) e assim, contemplar e
contribuir para a identidade, bem como para o conhecimento de mundo do
aluno.
Observa-se que no Ensino Médio, o ensino da Literatura é bastante
utilizado. Na verdade, os temas literários limitam-se aos textos
“autênticos”, sempre com vistas às obras literárias que podem estar
presentes no vestibular.
Portanto, o professor pode apresentar outros tipos de obras literárias.
Dependendo de como o professor trabalhá-las, elas podem ampliar a visão
de mundo de seus alunos. E neste artigo o ensino da literatura apresenta
uma possibilidade de tratar o conto de uma forma diferente, com
predominância dos aspectos sociais do ser humano.
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Metodologia da análise do conto
Iniciamos com um resumo do conto, de forma que haja a compreensão da
obra, de seus personagens, de sua estrutura, da caracterização de seus
elementos e dos aspectos da trama que merecem destaque. Em seguida,
apresentamos à análise quando articulamos os elementos internos e os
elementos externos do conto com a obra do autor. Assim, faremos uma
aproximação entre o conto e as características das obras de Lima
Barreto, iniciando o processo de explicação.
Os conceitos utilizados na análise e explicação foram referenciados
pelos teóricos Goldmann (1990) e Lukács (2012), na perspectiva da
compreensão da obra. Desta forma estabelecemos uma aproximação entre
esse processo de análise e os conceitos freirianos.
Finalmente, apresentaremos as questões pedagógicas do ensino de
Literatura baseadas nos PCNs de para o Ensino Médio.
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Análise do conto: “O Filho de Gabriela”
Iniciaremos com um resumo do conto.
“Empregada na casa do casal Laura e Conselheiro Acácio, Gabriela era, às
vezes, maltratada. O casal não teve filhos e ambos viviam hipocritamente
seu matrimônio. Em uma discussão com a patroa, Gabriela recebe uma
negativa sobre a autorização de sua saída para levar o filho ao médico.
Diante da negativa da patroa quanto à autorização de saída; Gabriela
apresenta um primeiro momento de mudança de postura da submissão à
insubordinação dizendo que sairá mesmo sem permissão e utiliza-se do
argumento de ter conhecimento de casos extraconjugais da patroa. Após a
discussão Gabriela deixa a casa levando consigo seu filho. Após um
período de procura de outro emprego e, não o encontrando, Gabriela
retorna a casa dos antigos patrões a convite de Laura; demarcando,
assim, certa aproximação e cumplicidade entre Gabriela e Laura.
Conselheiro Acácio e Laura tornam-se padrinhos de seu filho e o criam
após a sua morte. Horácio é o filho de Gabriela que é criado de modo
distante e até mesmo invisível pelos padrinhos. Teve uma infância quieta
e solitária, marcada pela tristeza, sisudez, com pouco talento para os
estudos e que buscava de algum modo distinção dos demais. Em determinado
momento, quando lhe é solicitado que busque algo para seu padrinho,
aparentemente sem motivo, reproduz o comportamento da mãe do início do
conto, se recusando a fazê-lo e recebe como reação do padrinho que isso
seria de ser esperar.... Culpabiliza-se pela reação de insubordinação
e/ou revolta desnecessária, aparentemente, e passa a apresentar uma
reação aparentemente de delírios.”
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Personagens do conto
Os
protagonistas presentes no conto de Lima Barreto, “O Filho de Gabriela”
são: Gabriela, Horácio, Laura, Conselheiro Acácio e Salvador.
Descrição e características dos personagens
Iremos descrever as personagens e transcrever trechos do conto, os quais
apresentam as características físicas e psicológicas de cada um.
Gabriela
– cozinheira na casa do conselheiro Acácio e Laura que após uma
discussão deixa a casa e depois retorna. Demonstrando certa aproximação
entre a patroa e a cozinheira
(2).
Na sua
simplicidade popular, a criada também se pôs a chorar, enternecida pelo
sofrimento que ela mesma provocara na ama.
[...]
Desculpou-se
inábil e despediu-se humilde.
Horácio
– filho de Gabriela, batizado pelo conselheiro Acácio e sua esposa
Laura, para atender a um pedido da esposa, com o falecimento da mãe é
criado pelos padrinhos. Estuda, mas não demonstra habilidade para os
estudos. Quando pequeno já aparentava timidez e sisudez e se mantém
assim até a idade adulta.
Conquanto
tivesse recebido um tratamento médico regular e a sua vida na casa do
conselheiro fosse relativamente confortável, o pequeno Horácio não
perdeu nem a reserva nem o enfezado dos seus primeiros anos de vida. A
proporção que crescia, os traços se desenhavam, alguns finos: o corte da
testa, límpida e reta; o olhar doce e triste, como o da mãe, onde havia,
porém, alguma coisa a mais – um fulgor, certas expressões particulares,
principalmente quando calado e concentrado. Não obstante, era feio,
embora simpático e bom de ver.
Pelos seis
anos, mostrava-se taciturno, reservado e tímido, olhando
interrogativamente as pessoas e coisas, sem articular uma pergunta.
Laura
– esposa do conselheiro, que se casou por ambição, mais nova do que ele.
Gosta de Horácio, mas pouco demonstra.
[...] a patroa
– uma alta senhora, ainda moça, de uma beleza suave e marmórea – com os
lábios finos muito descorados e entreabertos, deixando ver os dentes
aperolados, muito iguais, cerrados de cólera; a criada agitada,
transformada, com faiscações desusadas nos olhos pardos e tristes.
Conselheiro Acácio
– homem viúvo que se casa com Laura por conveniência – necessidade
decorativa, um homem em sua posição não poderia / ou deveria ficar
sozinho. Egoísta, fechado e frio.
O conselheiro,
homem de mais de sessenta anos, continuava superiormente frio, egoísta e
fechado, sonhando sempre uma posição mais alta ou que julgava mais alta.
Casara-se por necessidade decorativa. Um homem de sua posição não podia
continuar viúvo; atiraram-lhe aquela menina pelos olhos, ela o aceitou
por ambição e ele por conveniência.
Salvador
– personagem secundário, amigo de Horácio que o acompanhava,
principalmente às visitas ao Jardim Botânico.
Ele e o seu
constante amigo Salvador sentavam-se a um banco, conversavam sobre os
estudos comuns, maldiziam este ou aquele professor.
Elementos que merecem
destaque
Relação de (in)subordinação:
Relação de opressão e indicação da diferença entre alguém que se
considera superior e no direito de decidir sobre a vida do outro.
– Não pode, não
pode, já lhe disse! O conselheiro precisa chegar cedo à escola; há
exames e tem que almoçar cedo... Não vai, não senhor ! A gente tem
criados pra que? Não vai, não!
– Vou, e vou
sim!... Que bobagem!... Quer matar o pequeno, não é? Pois sim... Está-se
"ninando"...
– O que é que
você disse, hein?
– É isso mesmo:
vou e vou!
– Atrevida.
Ligação entre Gabriela e Laura:
Sentimento de dor, cumplicidade, proteção.
E ambas, pelo
fim dessa transfiguração inopinada, entreolharam-se surpreendidas,
pensando que se acabavam de conhecer naquele instante, tendo até ali
vagas notícias uma da outra, como se vivessem longe, tão longe, que só
agora haviam distinguido bem nitidamente o tom de voz próprio a cada uma
delas.
No entendimento
peculiar de uma e de outra, sentiram-se irmãs na desoladora mesquinhez
da nossa natureza e iguais, como frágeis consequências de um misterioso
encadear de acontecimentos, cuja ligação e fim lhes escapavam
completamente, inteiramente...
[...]
Entre elas,
parecia que havia agora certo acordo íntimo, um quê de mútua proteção e
simpatia. Uma tarde em que Dona Laura voltava da cidade, o filho da
Gabriela, que estava no portão, correu imediatamente para a moça e
disse-lhe, estendendo a mão: "a bênção".
Situações de opressão:
GABRIELA
Durante um mês,
Gabriela andou de bairro em bairro, à procura de aluguel. Pedia que
lessem-lhe anúncios, corria, seguindo as indicações, as casas de gente
de toda a espécie. Sabe cozinhar? perguntavam. – Sim, senhora, o
trivial. – Bem e lavar? Serve de ama? – Sim, senhora; mas se fizer uma
coisa, não quero fazer outra. – Então, não me serve, concluía a dona da
casa. É um luxo... Depois queixam-se que não têm aonde se empreguem...
Procurava
outras casas; mas nesta já estavam servidas, naquela o salário era
pequeno e naquela outra queriam que dormisse em casa e não trouxesse o
filho.
HORÁCIO
Tendo uma vez
brigado com um colega, a professora o repreendeu severamente, mas o
conselheiro, seu padrinho, ao saber do caso, disse com rispidez: "Não
continue, hein? O senhor não pode brigar – está ouvindo?"
E era assim
sempre o seu padrinho, duro, desdenhoso, severo em demasia com o
pequeno, de quem não gostava, suportando-o unicamente em atenção à
mulher – maluquices da Laura, dizia ele. Por vontade dele, tinha-o posto
logo num asilo de menores, ao morrer-lhe a mãe; mas a madrinha não quis
e chegou até a conseguir que o marido o colocasse num estabelecimento
oficial de instrução secundária, quando acabou com brilho o curso
primário.
LAURA
Havia nela mais
medo da opinião, das sentenças do conselheiro, do que mesmo necessidade
de disfarçar o que realmente sentia, e pensava.
Quem a conheceu
solteira, muito bonita, não a julgaria capaz de tal afeição; mas,
casada, sem filhos, não encontrando no casamento nada que sonhara, nem
mesmo o marido, sentiu o vazio da existência, a inanidade dos seus
sonhos, o pouco alcance da nossa vontade
Os
protagonistas, Gabriela e Horácio, demonstram postura de insubordinação.
De certa forma talvez possamos considerar que ambos começam a ter
consciência de seu real lugar na casa de Laura e do Conselheiro Acácio.
Isto quer dizer que, num primeiro momento nos deparamos com situações
que apresentam indícios de insubordinação, as quais mais a frente
refletem uma tomada de consciência ou um posicionamento de seu papel
naquele contexto do conto.
Abaixo, apresentamos a título de ilustração, trechos em que essa
“insubordinação” ou “tomada de posição” das personagens ocorrem no
conto.
GABRIELA
– Atrevida é
você, sua... Pensa que não sei...
Fato
repetido por HORÁCIO, posteriormente.
– Horácio, você
passe na casa do Guedes e traga-me a roupa que mandei consertar.
– Mande outra
pessoa buscar.
– O que?
– Não trago.
– Ingrato! Era
de esperar...
E o menino
ficou admirado diante de si mesmo, daquela saída de sua habitual
timidez.
LAURA:
Tinha um amante
e já tivera outros, mas não era bem a parte mística do amor que
procurara neles.
Essa, ela tinha
certeza que jamais podia encontrar; era a parte dos sentidos tão
exuberantes e exaltados depois das suas contrariedades morais.
HORÁCIO
Salvador, de
que gostas mais, do inglês ou francês? – Eu do francês; e tu? – Do
inglês. – Por que? Porque pouca gente o sabe.
A confidência
saía-lhe a contragosto, era dita sem querer. Temeu que o amigo o
supusesse vaidoso.
Não era bem
esse sentimento que o animava; era uma vontade de distinção, de reforçar
a sua individualidade, que ele sentia muito diminuída pelas
circunstâncias ambientes.
[...]
percebeu bem como vivia envolvido, mergulhado, no
indistinto, no indecifrável; e uma onda de pavor, imensa e aterradora,
cobriu-lhe o sentimento.
[...]
Não sabia onde tinha ido buscar aquele desaforo
imerecido, aquela tola má-criação; saiu-lhe como uma coisa soprada por
outro e que ele unicamente pronunciasse.
[...]
Reconstituiu-o com os gestos, com os olhares, com as
meias palavras, que percebera em tempos diversos e cuja significação lhe
escapara no momento, mas que aquele ato, desusadamente brusco e
violento, aclarava por completo. Viu-lhe o sofrimento de viver à parte,
a transplantação violenta, a falta de simpatia, o princípio de ruptura
que existia em sua alma, e que o fazia passar aos extremos das sensações
e dos atos.
No
trecho seguinte encontramos nitidamente o sentimento do oprimido, que
carrega em seu íntimo o opressor. Esse tipo de situação descrita pelo
autor do conto, traz a tona o sentimento de culpa no personagem que fora
oprimido durante toda sua existência.
Foi Horácio
para o colégio abatido, preso de um estranho sentimento de repulsa, de
nojo por si mesmo. Fora ingrato, de fato; era um monstro. Os padrinhos
lhe tinham dado tudo, educado, instruído. Fora sem querer, fora sem
pensar; e sentia bem que a sua reflexão não entrara em nada naquela
resposta que dera ao padrinho. Em todo o caso, as palavras foram suas,
foram ditas com sua voz e a sua boca, e se lhe nasceram do íntimo sem a
colaboração da inteligência, devia acusar-se de ser fundamentalmente
mau...
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Análise da obra
O
conto “O filho de Gabriela” é narrado em 3ª pessoa e Lima Barreto
utiliza-se de uma linguagem simples e direta. Diferentemente dos demais
contos, não há indicação do lugar e ano em que fora escrito ou da data
de sua publicação.
O
texto não segue a lógica dos demais contos do autor, no que diz respeito
ao local característico, ou seja, das longas e precisas descrições do
subúrbio carioca. Logo, em outros textos do autor encontramos a
contraposição da população pobre e oprimida desse subúrbio com a
burguesia de “outro” lugar. Neste conto, então, nos defrontamos com
pequenas descrições do local, contrariando o estilo do autor. Há rápidas
menções ao local, à viagem de bonde, à indicação da rua do Ouvidor –
constante em suas obras e apresentada como localização no centro da
cidade. Todos são indícios de que a história se passa no subúrbio.
Porém, como já mencionado, sem muitos detalhes nessas descrições.
Neste
conto encontramos também a contraposição entre a população oprimida e
seu opressor tanto no subúrbio, como dentro de casa, na relação patrão e
empregado. Portanto, o texto mostra vestígios de opressão entre aquele
que é o burguês e aquele que é o assalariado. Na verdade, entendemos que
a crítica do autor do conto está relacionada aos costumes instituídos
pela vida republicana daquela época.
Os
negros e/ou dos mestiços não são caracterizados com tanta veemência, tal
como em outras obras de Lima Barreto. Esse aspecto pode até ser
encontrado neste conto, no entanto, se apresenta de maneira sutil, se
compararmos com outros textos da mesma autoria.
O
conto permeia o tema da “mulher”. Na caracterização da personagem
Gabriela, encontramos traços da submissão que vivencia e dos valores a
que é submetida, reproduzidos, principalmente, na relação da dona da
casa com a cozinheira.
Lima
Barreto trabalha no conto com a perspectiva do poder de uns sobre
outros. Apresenta-o em situações distintas, vivenciadas pelas
personagens Gabriela e Horácio, ambas parecidas e construídas de modo a
apontar para uma possibilidade de conscientização e transformação no
comportamento das personagens; o que ao final do conto não se confirma.
Igualmente, a questão do poder é reproduzida no conto, contudo a mudança
de atitude das personagens não ocorre.
A
crítica do conto apresenta-se em todos os itens destacados
anteriormente, os quais são tratados pela visão moral e ética. Além
disso, demarca a hipocrisia de uma sociedade num determinado período da
história.
Aproximação com conceitos
teóricos
Conceitos que podem ser aproximados para a análise do conto, a partir da
obra “Sociologia do Romance”, de Lucien Goldmann.
Nesta
teoria, Goldmann (1990, p. 10) apresenta alguns elementos constitutivos
do romance, dentre eles, na análise realizada considerou-se o conto
estudado como um “[...] romance psicológico, orientado para a análise da
vida interior, caracterizado pela passividade do herói e sua consciência
demasiado vasta para contentar-se com o que o mundo da convenção lhe
pode propiciar”.
Se
para o autor dessa teoria
[...] um personagem problemático
cuja busca degradada e, por isso, inautêntica de valores autênticos num
mundo de conformismo e convenção, constitui o conteúdo desse novo gênero
literário que os escritores criaram na sociedade individualista e a que
chamaram “romance”. (GOLDMANN, 1990, p.09)
logo,
no conto analisado, o personagem Horácio é identificado como o herói
problemático, marcado por anos em sua passividade, mas que em certo
momento não consegue apenas contentar-se com a sua situação. O mesmo
pode ser dito sobre a protagonista Gabriela, que assim que o conto
inicia, também a reconhecemos como uma heroína problemática (conceito de
reificação de Goldmann)
(3).
Para
Goldmann, as estruturas do universo das obras são homólogas às
estruturas mentais de certos grupos sociais, levando a arte a favorecer
a tomada de consciência do grupo social.
[...] o objetivo de uma
sociologia da literatura é, portanto, a busca de homologias, o estudo
das estruturas significativas presentes nos grupos sociais – o substrato
social que confere unidade à obra literária.
Portanto, Goldmann formula
hipóteses sociológicas que dizem respeito, “por uma parte, à homologia
entre a estrutura romanesca clássica e a estrutura da troca na economia
liberal; e, por outra parte, à existência de certos paralelismos entre
suas respectivas evoluções ulteriores”. (GOLDMANN, 1990, p. 08)
Partindo das hipóteses de Goldmann (1990) o conto analisado de Lima
Barreto se insere no início do século XX, vinculando-se à primeira fase
do capitalismo liberal, cuja característica coloca o indivíduo no centro
da vida social. Por conta disso, o homem começa a sofrer as
consequências das questões econômicas, que se reflete em forma de
crítica social e por isso encontramos personagens problemáticos. E,
quando estes estão presentes em contextos opressivos, buscam valores
autênticos num mundo hostil, mas numa procura fadada ao fracasso.
A
partir da análise pela busca da transcendência vertical, que parece
seguir um caminho possível no conto, mas que no final não ocorre,
verificamos a aproximação com conceitos freirianos. Gabriela apresenta
uma aparente transcendência, mas a sociedade opressora não permite. Os
opressores no conto são representados pela sociedade – na relação de
classes e nas relações entre as pessoas dessas classes, por exemplo,
Laura em determinado momento é quem exerce a opressão sobre Gabriela.
Mas, Laura também busca sua transcendência vertical, pois também sofre a
opressão e não alcança a transposição vertical.
A
questão de dar voz a quem não tem, foi representada apenas em dois
momentos – anteriormente transcritos –, como pontos que merecem
destaque, ilustrando aspectos de insubordinação das personagens.
Ainda, nos baseando nos conceitos teóricos de Goldmann (1990),
observamos que Laura é uma personagem bastante rica para a análise dos
mesmos, representando de uma certa perspectiva a própria dialética.
Entendemos que Laura é uma personagem ambígua, oprimida pelo marido e
pela vida da sociedade, ambas escolhas feitas por ela mesma. Tem postura
libertária, pois busca um caminho através de seus amantes, mas ainda
assim é oprimida pela própria situação. E apesar dos amantes, não é
feliz. Por outro lado é a opressora da cozinheira.
No
conto as personagens consideradas oprimidas são Gabriela, Laura e
Horácio. Entretanto, vimos que cada um sofre uma opressão diferente.
A
escola bancária é perfeitamente colocada a partir dos relatos de como
Horácio viveu e vive, contudo ele recusa essa estrutura e prepara-se
para um processo de rompimento, de mudança. Talvez possamos dizer que
este comportamento seja de conscientização, a qual ocorre no final do
conto.
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Considerações finais
Conforme os PCNs para o Ensino Médio (2000) o professor deve trabalhar
com diferentes linguagens, de modo que o aluno possa exercer o amplo
exercício da cidadania. E a Literatura é uma das artes que pode
contribuir para isso.
Então, nos utilizando desta informação e pensando em cooperar com uma
atividade literária em sala de aula, escolhemos o conto “O Filho de
Gabriela” de Lima Barreto para propor um exercício de análise baseada na
teoria de Goldmann (1990). Percebemos que este conto retrata a relação
de submissão, de domínio e de desigualdade social, as quais puderam
também ser explicadas a partir das obras de Freire (1971 e 1980).
Esperamos que esta singela análise possa contribuir para incentivar
professores e pesquisadores a realizar outras análises pela mesma visão,
a do oprimido.
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Referências
FREIRE, Paulo.
Educação como Prática da Liberdade.
2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1971.
______.
Pedagogia do Oprimido.
8. Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.
GOLDMANN, Lucien. A sociologia do
romance. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
LUKÁCS, Georg. A teoria do romance:
um ensaio histórico-filosófico sobre as formas da grande épica. 2. ed.
1ª reimpressão. São Paulo: Duas Cidades/ Editora 34, 2012.
ROMÃO, José Eustáquio. Paulo
Freire e a Imagem. In: Educação e Linguagem, v. 13, p. 77-97, 2011.
Webgrafia
BRASIL. MEC. Parâmetros
Curriculares Nacionais (Ensino Médio). 2000. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/blegais.pdf
Acesso em fev. 2014.
BARRETO, Lima. O Filho de Gabriela. Disponível em:
http://www.dominiopublico.gov.br/download/textos/bn000130.pdf.contosdelimabarreto
Acesso em dez. 2012.
BARRETO, Lima. O Filho de Gabriela. Disponível em:
http://www.superdownloads.com.br/download/68/filho-de-gabriela-lima-barreto/
Acesso em fev. 2014.
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(1)
Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu em 1881 e faleceu em 1922 no Rio
de Janeiro. Foi jornalista e um dos mais importantes escritores
libertários brasileiros. Para ele, o escritor tinha uma função social.
Em suas obras, de temática social, privilegiou os pobres, os boêmios e
os arruinados.
(2)
Verificamos que não há uma descrição desta personagem como nas demais,
bem elaborada, completa. Detalhe que mostra uma diferenciação dos demais
contos de Lima Barreto, sempre muito descritivos, cheios de detalhes.
(3)
Conceito de reificação – um gênero problemático que mantém uma rigorosa
homologia com as principais fases da estrutura econômica da burguesia.
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Magali Rosa
de Sant’Anna é professora de Inglês, Prática de Ensino de Língua
Estrangeira, Metodologia de Ensino de Língua Inglesa, Pronúncia da
Língua Inglesa há 32 anos, nos quais os últimos 22 são dedicados à
Universidade Nove de Julho – UNINOVE. Atualmente leciona na Graduação do
curso de Letras e na Pós-Graduação, no Programa de Mestrado e Doutorado
em Educação. É Mestre e Doutora em Linguística (USP). É autora de livros
e artigos acadêmicos.
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Margarete
Bertolo Boccia é Mestre e Doutoranda em Educação na UNINOVE. Possui
graduação em Pedagogia e pós-graduação em Didática e Psicopedagogia pela
Universidade Cidade de São Paulo. Foi professora e diretora de escola,
na rede pública e privada de ensino; coordenadora de Pós Graduação.
Autora de livros e artigos acadêmicos. Atualmente é docente e
coordenadora do curso de Pedagogia da UNINOVE, no curso presencial e na
modalidade Educação a Distância.
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© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
PORTUGAL |
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