REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 46 | junho-julho | 2014

 
 

 

 

LUÍS COSTA

«Marion, o génio das marionetas»
e outros poemas

 

 

 

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
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Dir. Maria Estela Guedes  
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MARION, O GÉNIO DAS MARIONETAS

Einmal möchte ich wandeln können über das Wasser
 
Nachtrag zu Marion
In: Die Tagebücher, Max Frisch
 

ONTEM, encontrei-o de novo. Marion, o génio das marionetas.

há já muito tempo que não o via. cheguei mesmo a pensar 

que se tivesse suicidado, ou que, nas suas errâncias, tivesse abandonado 

a cidade. pois estes seres desaparecem e aparecem constantemente

como se não tivessem idade nem identidade. 

como se fossem o produto de sonhos e possessões muito antigas 

que nos devoram durante anos e anos a fio para depois se afundarem 

nos labirintos do inconsciente. 

estava sentado à antiga esquina como se sempre ali tivesse estado

e exibia a maravilhosa Kunst das suas marionetas. 

à sua volta os passantes paravam. 

paravam e encantavam-se com a genialidade de Marion. 

alguns ficavam de boca aberta como se o mundo acabasse de ser

reinventado por aquelas mãos . 

e as crianças riam-se e flutuavam. riam-se e flutuavam. 

e os suicidas desciam das forcas para o verem por uma última vez.

ah as mãos de Marion, finas e femininas, trespassadas pela LICHT,

e as marionetas, carnais, shwarz und weiß, mas tão reais e vivas. 

sim, Marion tinha regressado depois de ter caminhado 

(ich bin über das Wasser gegangen, ganz wirklich, disse-me)

durante um ano por cima da água dos mares ocultos, tal como Jesus. 

agora, disse alguém, esta rua é de novo habitável.  

In: Poemas eslavos, Luís Costa

Lublin, outono 2010

 
 

DIVINOLÊNCIA V 

APROVEITO este momento para dizer

que sempre amei o olor das mães quando se menstruam 

que sempre amei aquele cheiro animalesco 

putrefacto mas purificador 

que se eleva de entre as suas coxas 

(a ablução da fêmea quando não alcança a cria) 

e sempre soube que por detrás daquele cheiro há por vezes 

uma volúpia gloriosa 

uma volúpia que ao meio das noites se propaga pelas veias 

das mães e lhes devasta os colos 

como quando um deus faz um ninho na carne de seu filho 

para sentir a dor dos homens 

sei igualmente que nessas noites 

as mães sonham coléricas e febris com o calor de Deus 

enquanto os homens, azimiados, dormem 

e que nas axilas das suas camisas de dormir 

se fixam as manchas de um suor divinolento e ácido 

 _______ que nenhuma água pode lavar.

 

 Poemas eslávicos,Katowice, outono 2010

 
 

OUVIA a voz. aquela voz que tantas vezes o chamava.

a voz dos alaúdes e das manhãs,

sem luz, dentro das grandes florestas.

a voz na qual se reconhecia.

a voz que ele queria ser. a identidade?

 

era no interior daquela voz que se sentia completo.

puro. talvez o carrasco sagrado.

era uma voz possante. metálica.

canina. talvez cromada.

a VOZ. talvez a sua voz? 

a voz que ele imaginava ser o outro.

mas poderá uma garganta aguentar o peso de duas vozes?

a sua voz e a do outro?

 

na solidão dos grandes corredores,

ouvia a voz. sim, ouvia a voz.

então, ascendia ao terraço da velha pensão

e abeirando-se dos precipícios olhava os anjos:

terríveis. devastadores.

inclinados na eternidade dos subúrbios. 

era ali que bebia a febre da loucura. o terror.

 

e naquele momento, ele era a VOZ.

a voz perfeita. a voz completa.

 

__ o espelho onde se mostram as entranhas. 

 

 

EXCESSOS DE LUZ,

Luís Costa

 

 

© Maria Estela Guedes
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