REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 46 | junho-julho | 2014

 
 

 

 

JULES MOROT

O urso Ganimedes

Traduzido por Nicolau Saião

  

Jules Auguste de Minvelle Morot (1973, Alc-le-Courtnay, France). Poemas dispersos em jornais e revistas, nomeadamente interactivas, agrupados sob o título de “Le mardi-gras” (alguns dos quais saídos entre nós na “DiVersos – revista de poesia e tradução”). Em prosa deu a lume “La chambre engloutie”, relatos e reflexões novelizadas. Licenciado em biologia, exerce o professorado.

 

 

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O URSO GANIMEDES

Ele levanta-se

coitado dele

e nós sentimos aquele arrepio inquietante

da sexta-feira ligeiramente escura

Cristãos comunistas desportistas consumidores de alcachofras

e mesmo outros de crânio em silhueta contra a luz da lua

no meio do frio glacial do continente antártico

se bem me entendo  financistas agentes de câmbio

comerciantes  ruidosos alunos de artes polícias

personagens que fazem navegar os barquinhos nos tanques dos seus

jardins da infância

Velhos capões

Notamos dizia eu  ou melhor    notam vocês os que

ainda por aí têm sonhos

a sua poderosa silhueta de comedor de bagas de zimbro

de fruta da época se a conseguia apanhar   

de uma perna descarnada de montanhês

nos tempos da grande solidão feliz

 O urso que outrora ia de Somner Valley a Livington pelo meio

das gramíneas das faias das nogueiras até às primeiras encostas

da grande montanha verde e negra

 

                                  ***

O meu urso

suave como um lilás

como um carvalho das Ardenas

sem saber ler sem saber escrever

O de muito perto da terceira subida nas Rochosas

ou mesmo da quinta ou da sétima

lá onde havia entre os abetos seculares um pequeno

lago sonolento

e se dizia que por ali emigrantes antigos tinham rebentado

no inverno coloquial de Wyoming evocado em Toulouse

 

Aquela senhora conferencista de boa perna dava-me volta ao miolo

Até me fazia sentir câmbrias

 

de Santa Fé a Colorado Springs

o meu urso  meu é claro ainda que de mil transeuntes contentinhos

Aquele que virando a cabeça   erecto   nos faz recordar o Quaternário

na sua imensa estrutura de velha fera indolente.

 

O Ganimedes

calmo empregado entre funcionários engravatados

pensa que pelas ruas faria dar gritinhos às raparigotas sem cuecas

a moda mais na moda de agora   imaginem vocês

a sua companheira ursa perdida com a barriga ao léu

                                    

                                          ***

 

Ganimedes

No Zoo parisiense ele é um senhor cheio de categoria

mau-grado o seu silêncio habitual

chegam a atirar-lhe maçãs   muitos lhe lançam

amendoins ou nozes de Agosto

e avelãs e até um maço de cigarros amarfanhado

 

O meu urso

Primo do meu primo Ribonard e dum grandalhão

mais tosco que a rocha Tarpeia

taberneiro merceeiro em La Jolle  onde eu ia com o tio Lenôtre

comprar botas de caçador de perdizes

de cigarrinho mais que malcheiroso sempre ao canto da bocarra

sempre ensopado em branco e aguardente barata.

Ganimedes

 

sob o luar e os planetas libertos aguarda o momento de estoirar.

 

Jules Morot

   
  QUATRO PAINÉIS DE AZULEJOS DE NICOLAU SAIÃO
   
 
   
 
   
 
   
 
 

 

© Maria Estela Guedes
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